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quarta-feira, 9 de maio de 2018

Limitado por STF, foro existe desde Império e servia para evitar perseguições



Semana passada, Corte restringiu benefício de parlamentares a crimes ligados a mandato

Restringido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada, o foro privilegiado existe desde os tempos do Império do Brasil. Criado – e expandido ao longo de dois séculos para impedir que o exercício parlamentar fosse prejudicado por acusações motivadas por interesses políticos ou privados, o expediente jurídico passou a ser percebido com um manto de impunidade que protege políticos e os livra da punição. [em suprema ironia o STF limita o foro privilegiado exatamente para os parlamentares, categoria para a qual foi criado.
Deixa sob o manto protetor do foro privilegiado milhares de funcionários, entre eles magistrados e procuradores, que não tem motivo para tal proteção.]

O foro garante que autoridades da República, governadores, parlamentares, juízes de tribunais superiores e mais um sem-número de categorias não sejam julgadas por juízes de primeira instância, mas por tribunais superiores, como o STF. No Brasil, há quase 55 mil pessoas com foro privilegiado: 38,4 mil afirmadas pela Constituição Federal e 15,5 mil por constituições estaduais. O excessivo número de pessoas com foro privilegiado lota o STF de processos que, devido a morosidade natural de um tribunal colegiado, demoram muito a ser julgados. Daí a sensação popular de que o foro é, na verdade, uma manobra para livrar políticos corruptos da cadeia.


O foro privilegiado existe desde a Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I. A Constituição do Império estabelecia que membros da família imperial, ministros e conselheiros de Estado e parlamentares seriam julgados exclusivamente pelo Senado. O advento da Constituição da República, em 1891, estendeu o direito ao julgamento no Senado ao presidente, aos ministros da Suprema Corte e aos juízes federais. O foro privilegiado sobreviveu na Constituição da ditadura militar, de 1967. Uma emenda de 1969 aumentou o poder dos militares, mas manteve o direito dos parlamentares de serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

O artigo 102 da Constituição de 1988 prevê foro privilegiado para o presidente da República, o vice, os membros do Congresso Nacional, ministros de Estado e o procurador-geral da República. Uma emenda de 1999 estendeu o privilégio para os comandantes das Forças Armadas, ministros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União e de “chefes de missão de diplomática em caráter permanente”.  A amplitude dada ao foro privilegiado pela Constituição da Nova República [Nova República também a denominação do inicio da desmoralização do Brasil e de todos os valores morais; a oficialização da bagunça e do desgoverno.] é explicada pelo contexto histórico em que ela foi composta, depois de uma ditadura militar na qual um Executivo hipertrofiado perseguia representantes dos outros dois poderes. Eram necessários expedientes jurídicos que protegessem não os indivíduos no poder, mas as funções por eles exercidas. Mas, com o tempo, essa proteção foi se transformando, aos olhos da população, num privilégio.

O advogado Marcelo Figueiredo, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), não acredita que haja uma real correspondência entre democracia e foro privilegiado. O foro, no Brasil, começou no Império e foi aumentando e aumentando. Não há necessariamente uma correspondência entre democracia e foro privilegiado — disse Figueiredo ao GLOBO. — Na verdade, há uma antítese entre o ideal republicano e o foro privilegiado, que é resultado de uma tradição patrimonialista brasileira.

Outra justificativa para a amplitude brasileira do foro privilegiado é uma desconfiança dos juízes de cidades pequenas, que seriam mais sujeitos a sofrer perseguição dos poderes municipais ou ser por eles cooptados. Dar às autoridades o direito ao julgamento por tribunais superiores seria, portanto, um modo de salvaguardar o processo democrático.
— Na verdade, quanto mais democrático é um país, mais pessoas podem ser julgadas em primeira instância, por juízes comuns, técnicos — afirma Figueiredo. — Se houver erros, há o recurso a tribunais superiores.

Uma das razões por que o foro privilegiado é visto como um instrumento de impunidade é o baixíssimo número de condenações e mesmo de julgamentos no STF. Um levantamento realizado pela “Revista Congresso em Foco” em 2015 deu conta de que mais de 500 parlamentares foram julgados pelo STF desde 1988 apenas 16 haviam sido condenados. Em Curitiba, a Operação Lava-Jato já condenou 121 pessoas. No STF, o primeiro julgamento da Lava-Jato, do deputado federal Nelson Meurer (PP-PR), está marcado para o próximo dia 15.

Essa discrepância de números dá a impressão de que o tribunal de Sergio Moro é mais rápido e rígido do que o de Cármen Lúcia, mas a verdade é que são tribunais de naturezas bem diferentes.  — Eu nunca concordei com a ideia de que o STF é uma jurisdição mais leniente do que uma jurisdição ordinária. Os ministros são, sim, rigorosos — diz o advogado Davi Tangerino, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). — O ganho para os réus julgados no STF não estava na dureza da caneta dos ministros, mas no peso da estrutura de uma Suprema Corte e na lentidão natural de uma decisão colegiada.

Tangerino acredita que a sensação de impunidade também se deve ao excesso de processos contra políticos que aportam no STF, o que, ironicamente, é um indício de maior pressão da Justiça sobre os políticos. Se antes os políticos sequer eram denunciados, hoje eles congestionam o STF.  Ambos os juristas ouvidos pelo GLOBO concordam que o foro privilegiado deve ser restringido.  O foro deve ser uma prerrogativa para pouquíssimas pessoas, só para quem tem um poder de comando muito elevado. Só para quem realmente tem poder de mando real na República — diz Figueiredo.

— O foro privilegiado deve ser restrito aos presidente dos três poderes, só — afirma Tangerino. — Sou antipático à ideia de uma prerrogativa de foro ampla. A ditadura se foi a as instituições se consolidaram. O foro deve ser restringido ao máximo. [o alcance do foro privilegiado defendido pelo professor Davi Tangerino é o mais adequado; foro privilegiado apenas para o presidente da República, do Congresso Nacional e do Poder Judiciário - neste caso o presidente do STF.
Unicamente em função do cargo e não do individuo que estivesse no Poder.
No caso do titular de qualquer um desses cargos se afastar da função por qualquer motivo e duração do afastamento, o foro privilegiado passaria automaticamente para o seu substituto legal.]

O Globo

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