Vou fazer
aqui, leitores, uma pergunta que não tem resposta. Ou tem. Vamos ver.
Que artigo da Constituição está a salvo da vontade de uma maioria do
Supremo? Resposta: nenhum! A qualquer momento, um dos doutores pode se
insurgir contra o que está escrito. Se arrumar ao menos mais cinco que
concordem, pronto! Aquilo que conhecemos por Carta Magna vale hoje menos
do que as regras do seu condomínio.
Nesta
quinta, um trecho do Artigo 102 foi pelos ares. Na Alínea b do Inciso I
está escrito que compete ao Supremo “processar e julgar originariamente,
nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o
Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios
Ministros e o Procurador-Geral da República”. Observem
que a Carta não especifica se os crimes foram cometidos antes ou depois
do mandato ou a sua natureza. Mas Roberto Barroso, que chamo “O Licurgo
de Ipanema”, resolveu propor uma Questão de Ordem, estabelecendo que, no
caso dos membros do Congresso Nacional, o foro segue sendo o Supremo
apenas para crimes cometidos no curso do mandato e em razão deste. [O Supremo que tenta honrar seu nome criando a 'suprema insegurança jurídica' é o intérprete primeiro da Constituição, tanto que é chamado - nos tempos atuais de forma indevida - de guardião da Constituição, tem o DEVER de interpretar a Lei Maior conforme o que está escrito e não conforme a vontade do povo, preocupado com os aplausos.
A forma desrespeitosa aplicada pela Suprema Corte na interpretação do texto Constitucional a faz merecedora não de aplausos e sim de apupos.
A menção no texto destacado 'infrações penais comuns' impede, ou deveria impedir em uma interpretação isenta, imparcial, a vinculação de que as infrações tenham que ser em função do cumprimento do mandato.
Abrange todas as infrações.
Se o ministro Barroso tem bronca dos parlamentares não pode simplesmente decidir, ainda que apoiado por mais dez supremos ministros, de forma contrária aos membros do Poder Legislativo de modo que os torne um Poder menor.
Quem está se apequenando a cada dia é o Poder Judiciário - impossível ao cidadão viver sujeito a uma Corte Suprema cujas decisões deveriam conter um alerta: 'o presente vale até que o STF, por decisão do seu excelso Plenário, de uma turma ou mesmo de um ministro, decida modificar.'
O ilustre deputado Rodrigo Maia no esforço incansável de aparecer determina que uma Comissão comece a estudar uma PEC que cuida do foro privilegiado, mesmo sabendo que o Brasil tem um estado sob intervenção federal, o que impede votação de qualquer PEC.
Além do mais o ilustre parlamentar precisa ter ciente que por mais clara que seja a redação da futura Emenda Constitucional, NÃO VAI VALER NADA, basta que seis supremos ministros decidam que o que está escrito no texto emendado significa outra coisa.
Fácil notar que qualquer interpretação real do texto destacado deixa claro que a medida adotada pelo Supremo não encontra suporte naquele texto.]
Três
ministros discordavam da proposição inteira de Barroso porque entendem
que cabe ao Congresso mudar a Constituição, a saber: Dias Toffoli,
Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. É o que eu também penso. Mesmo
assim, votaram parcialmente com o relator porque já se sabiam vencidos.
Tentaram evitar o mal maior. Não conseguiram. No caso,
os três haviam aderido ao voto de Alexandre de Moraes, que concordava
com a proposta de que os crimes anteriores ao mandato não devem ser
julgados pelo Supremo, mas considerava contraproducente a definição
sobre se o delito guarda ou não relação com o mandato. Para ele, tendo
ocorrido no seu exercício deste, a competência para processar e julgar
teria de ser do Supremo. E tem razão nesse particular. Afinal, quem vai
fazer essa definição? Resultado: há o risco de o STF ser acionado para
dirimir a dúvida.
Assim, na
aritmética meio burra, pode-se dizer que o Supremo aprovou por
unanimidade que o tribunal julgará deputados e senadores no caso de
crimes comuns que lhes são imputados no curso do mandato. E a segunda
parte da tese também venceu: a Casa será o foro apenas para os crimes
cometidos em razão da função. Nesse caso, o placar foi de 7 a 4. Assim, o
foro especial foi mitigado para 594 das quase 60 mil que o detêm.
Arredondando, estamos falando de apenas 1%. A Câmara reagiu,
corretamente a meu ver, e decidiu tomar as providências para votar
Proposta de Emenda Constitucional, já aprovada no Senado, que extingue o
foro especial, mantendo-o apenas para os respectivos presidentes dos
Três Poderes e procurador-geral da República. [reafirmando o dito no comentário anterior: e se o Supremo decidir que o que está escrito na PEC não quer dizer o que todos pensam que significa?]
Haverá,
podem apostar, um aumento da impunidade. Não são poucos os deputados e
senadores que preferirão ser julgados nos seus respectivos Estados
porque exercem influência sobre o Judiciário local, seja estadual, seja
federal. Também estão abertas as portas à perseguição política
disfarçada de rigor penal.
Eu lhes
faço de novo a pergunta: existirá algum artigo da Constituição que
esteja a salvo do Supremo? A resposta é “não”!
Em que democracia do
mundo uma corte suprema toma decisões contrariando o que está
explicitamente definido na Constituição? Resposta: em nenhuma!
Em que
país do mundo um tribunal considera inconstitucional uma determinada
medida quando nada na Carta nem mesmo o sugere? Resposta: em nenhum!
Em
que lugar do mundo o guardião da Lei Maior promove um estupro coletivo
contra o ente que está sob sua proteção e que também o rege? A resposta é
“nenhum” outra vez.
E, meus
queridos, se a Constituição não existe, então tudo é permitido e depende
da maioria de ocasião do Supremo.
O nome disso é insegurança jurídica.
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