Não acho que valha a pena agora uma discussão sobre
1964 ou a Guerra do Paraguai.
De novo
na estrada, no centro de Minas, a 700 quilômetros do Rio. Deixei um clima
político bastante polarizado. A série de entrevistas com candidatos mostrou
como o mesmo trabalho pode parecer contrário ou a favor do entrevistado,
dependendo do ângulo do espectador. Eu mesmo
fui criticado por não ter respondido ao general Mourão sobre heróis e tortura.
As pessoas talvez desconheçam a fronteira entre uma entrevista e um debate.
Como
jornalista, ouço as pessoas, registro no meu caderno ou gravo as opiniões
colhidas. Às vezes, refaço a pergunta, apenas para obter mais transparência nas
ideias e projetos.
Quando a entrevista é em conjunto, trata-se de um ritual
coletivo que tem como objetivo oferecer uma visão mais completa do personagem,
dentro de um determinado prazo.
Se alguém
diz “heróis matam”, não posso contestá-lo. E se o fizesse, diria apenas que
heróis também matam, a julgar pela História, inclusive da esquerda e das lutas
anticoloniais. Heróis
morrem pela liberdade, ora lutando pelos irmãos de cor, como Martin Luther
King, ora pela paz, como Mahatma Ghandi. Herói apenas salvam vidas, como a
professora Helley Abreu, na escola incendiada em Janaúba. Às vezes,
heróis não matam nem morrem. Simplesmente dedicam-se a ajudar os outros.
Conheci Noel Nutels no aeroporto de Belém, e ele me contou como cuidava dos
índios, sobretudo de seu pulmão. Fiquei impressionado com ele até hoje. Isso
tem mais de meio século.
Não
conheci Nise da Silveira pessoalmente. Mas quando vi o que fez pelos doentes
mentais, livrando-os do choque elétrico e despertando sua visão estética,
compreendi que sua vida também teve um grande propósito. Quanto à
tortura, sou bastante tranquilo ao condená-la. Hoje, o Brasil subscreve acordos
internacionais que a varrem de nossas práticas cotidianas. Não significa que
cessaram: apenas são ilegais. Ao
defender a tortura em nome de grandes ideais, a direita cai na mesmo equívoco
da esquerda. Adota o lema: os fins justificam os meios. Na minha
cabeça, essas coisas são claras. Como tenho a possibilidade de me expressar por
artigos e uma longa existência por trás de cada opinião, estou à vontade
percorrendo o Brasil, ouvindo as pessoas.
Não me
importam se racionais, sensatas, delirantes ou alucinadas: gosto de ouvi-las. O
alívio de voltar a elas se deve à sua leveza e complexidade. Uma leveza que não
atrai torcidas contra ou a favor, como um candidato. E uma complexidade que não
nos seria possível antever, se Shakespeare fosse um escritor com viseiras
ideológicas.
Não acho
que valha a pena agora uma discussão sobre 1964 ou sobre a Guerra do Paraguai.
O agora é muito delicado. Esta
semana tentei usar a França para formular uma hipótese. Lá, depois de um
período de barricadas de esquerda, sobrevém um governo de ordem. De Gaulle
venceu as eleições depois do Maio de 68. A tendência no Brasil foi a do
fortalecimento de uma visão que deseja ordem e seriedade na condução do
governo.
Minha
dúvida ainda se apoia nessa referência à França. De Gaulle representava um tipo
de autoridade. Le Pen e sua filha Marine, da extrema direita, apenas chegaram
ao segundo turno das eleições. A ascensão de seu movimento não foi suficiente
para ganhar o governo.
Sei como
é precário comparar um país com outro. Mas o que posso fazer, senão usar também
algumas memórias? Ninguém
sabe do futuro. É possivel usar como exemplo a vitória de Trump. Mas ele tinha
uma condição especial: milionário, apoiado por uma rede de TV, integrado, com
um pouco de desconforto, num grande partido. O que
restou dessa passagem mais longa pelo Rio, respirando o clima eleitoral,
candidatos, equipes, planos, sai um pouco apreensivo. O clima
de radicalização está levando as pessoas a lerem apenas notícias com as quais
concordam. Cerca da metade das intervenções na rede negava a facada em
Bolsonaro. Se continuarmos assim, abrigados em tribos, acreditando apenas no
que queremos acreditar, será cada vez mais difícil a vida de quem não habita os
extremos.
Para os
intelectuais, é um perigo de morte. Se você acha que sabe tudo, que tem a
correta visão do mundo, não precisa ler os outros, confrontar argumentos,
corrigir erros, a tendência é a fossilizacão. E nem
para os fósseis a vida está fácil no Brasil, Luzia que o diga.
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