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domingo, 13 de janeiro de 2019

Brecha em norma do Exército para tiro esportivo cria porte disfarçado de arma

Foram expedidos 45 mil registros a atiradores esportivos em 2018, número recorde e dez vezes maior do que 5 anos antes. Quantidade supera autorizações da PF para pessoas físicas e serve para driblar exigência de ‘efetiva necessidade’

 Enquanto o governo Jair Bolsonaro discute mudanças na forma de obtenção de arma de fogo por cidadãos na Polícia Federal, desenhando um decreto para facilitar a concessão da posse, hoje é o Exército quem mais concede armas a pessoas físicas no País. O número de licenças destinadas a atiradores esportivos chegou em 2018 à quantidade recorde de 45 mil - cinco por hora - e um crescimento de dez vezes nos últimos cinco anos. Já a PF concedeu 27 mil autorizações em 2018.  

O crescimento do interesse no tiro esportivo é o resultado do genuíno aumento dessa prática, segundo defendem os atletas. Mas também é reflexo das buscas de quem teve a licença negada na PF, além de esconder um esquema em que despachantes oferecem a via até como uma espécie de porte de arma de fogo, o que conta com anuência de donos de clubes de tiro num setor pouco fiscalizado, apontam especialistas e profissionais da área.  É prerrogativa da PF o controle de concessão de posse (para manter arma de fogo dentro de casa ou estabelecimento comercial) e do porte (andar armado na rua) para a população civil. Para requerer o equipamento, é preciso submeter o pedido a uma superintendência da PF. Ao Exército, além do controle do armamento de militares, cabe a atuação junto aos portadores especiais conhecidos pela sigla CAC: caçadores, atiradores esportivos e colecionadores.  

As exigências nos dois órgãos são parecidas: ter mais de 25 anos, ficha limpa e realizar testes de aptidão psicológica e capacidade técnica. O que diferencia os processos é a exigência, por parte da PF, de apresentar uma justificativa de efetiva necessidade, [atualmente, a PF se vale da subjetividade para liberar a licença ou não; depende apenas do entendimento da PF sobre a concessão ou não - atualmente a PF não precisa fundamentar sua negativa;

com a mudança que ocorrerá nos próximos dias ou a PF perde o direito de decidir - basta que determinadas condições estabelecidas no Decreto sejam atendidas para que a PF tenha obrigação de conceder a licença. Se decidir negar a PF  se valer de  decisão motivada e fundamentada.]  enquanto o Exército pede aos atiradores esportivos que o candidato seja filiado a um clube de tiro e frequente o local para realização de treinos ou participação em competições.

A efetiva necessidade é alvo de críticos do Estatuto do Desarmamento, que alegam haver excessiva subjetividade por parte dos delegados da PF que decidem ou não pela liberação.

O Estado entrou em contato com quatro despachantes em São Paulo. Sem se identificar, a reportagem afirmou que gostaria de ter uma arma para “defesa pessoal” que também pudesse ser usada na rua. Apenas um deles explicou que a legislação atual só permite porte de arma em casos excepcionais e não sugeriu filiação a um clube de tiro. Nos demais, o preço cobrado variou entre R$ 1,1 mil e R$ 2,5 mil - o mais caro poderia ser parcelado em dez vezes no cartão. Em dois orçamentos, a anuidade do clube estaria inclusa no pacote. O valor, no entanto, não considerava a compra da arma - uma pistola 380, por exemplo, custa a partir de R$ 5 mil. 
O vínculo com o clube de tiro serviria para receber o direito de transportar a arma municiada e pronta para uso no trajeto entre o local de acervo e o de treinamento, e vice-versa.Com essa documentação, vai poder sair com ela (a arma)”, afirmou um despachante. “Essa guia de tráfego vem escrito ‘porte de trânsito’. O pessoal usa para ir para o stand de tiro, para o lugar de treino, e usa ela no dia a dia, entendeu?” 

Na prática, o porte de trânsito seria um porte de arma velado. Segundo afirmam, a manobra consistiria em o atirador poder argumentar sempre que está em deslocamento. A oferta não é ilegal e se aproveita de brecha aberta com a Portaria 28 do Comando Logístico do Exército, de março de 2017. “Se você mora em São Paulo e quiser ficar sócio de um clube em Belém (a cerca de 2.880 quilômetros), quiser entrar no carro e ir armado para Belém do Pará, você pode”, indicou outro despachante.


Entre as exigências, o atleta deve comparecer ao menos oito vezes por ano e assinar a lista de habitualidade do clube. A renovação da licença é feita a cada três anos. Não raro, o despachante trabalha em modelo de exclusividade com algum clube. “Você vai lá (ao clube) e dá cinco tiros, dez tiros. Não importa quantos tiros você vai dar”, diz um despachante. “Vamos dizer que o Exército solicite (documento), você pede para o clube, e o clube emite.” 

Regra burlada 
 Promotor do Ministério Público de São Paulo, Felipe Zilberman classifica o uso desvirtuado do porte de trânsito como fraude. “A portaria do Exército abre a brecha para transportar arma. Se as pessoas usam o regulamento para andar com arma, claramente é uma fraude, uma forma de burlar a lei.” Ele explica que o ideal, no caso de um policial se deparar com a situação, é realizar apuração simples visando a comprovar a ida ao clube. A Polícia Militar disse reconhecer a Portaria 28 e atuar em conformidade com seus termos”.  [vale lembrar ao ilustre promotor que fraude precisa ser provada - suposição, achar, entender que, não vale como prova.
Ao que se sabe são raríssimos os casos em que membros dos clubes que o promotor coloca sob suspeita (quando classifica o uso desvirtuado do porte de trânsito como fraude, o promotor cogita da conivência dos clubes, visto que a fraude, caso haja, precisa da participação daquelas organizações) - de forma genérica e imprecisa - se envolvam em tiroteios ou qualquer prática ilegal, portando armas de fogo.

Consultamos delegacias, Polícia Federal e não consta registro.] 

O instrutor Matheus Campos Argento de Freitas relata que ao menos 50% dos casos que atende mensalmente são de pessoas que não conseguem diferenciar os processos da PF e do Exército. “Hoje em dia estão vendendo que o Exército dá o porte, mas não é bem assim. A informação acaba vindo de pessoas mal intencionadas que atuam na área.” 

Em nota, o Exército ressaltou que “não fornece porte de arma ao cidadão comum”. “Esta é uma atribuição da Polícia Federal, e as armas registradas para o exercício das atividades de CAC somente podem ser utilizadas nessas respectivas atividades, previamente autorizadas e registradas, não podendo ser utilizadas para porte, como defesa pessoal.”
O Estado perguntou sobre a fiscalização efetuada no setor, mas não obteve resposta. Procurado, o Ministério da Justiça e Segurança não comentou. 

O Estado de S. Paulo

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