Tempos estranhos
O que distingue a situação do ex-presidente Lula da situação do
ex-presidente Temer é o seguinte: Lula só foi preso depois de condenado
duas vezes por um tribunal da segunda instância da Justiça. Temer está
preso sem sequer ter sido julgado. Essa pode ser a chave para que ele
acabe libertado nas próximas horas ou dias. Em parte alguma do mundo dito civilizado, um ex-presidente da República
vai para a cadeia com base apenas num inquérito ainda em fase
preliminar. Sim, a lei é igual para todos. Mas um ex-presidente não é
qualquer um. Chegou ao poder pelo voto. Chefiou o Estado. Representou o
país lá fora. Isso faz diferença.
A ordem de prisão contra Temer assinada pelo juiz federal Marcelo
Bretas, do Rio, está mais para uma peça política do que para uma peça
jurídica de fato convincente. Está repleta de recados e de indiretas
para o Supremo Tribunal Federal que, na semana passada, decidiu limitar o
alcance da área de atuação da Lava Jato. Ampara-se na delação do dono da empresa de engenharia Engevix, José
Antunes Sobrinho, que disse ter pagado propina a Temer por meio do seu
faz tudo, o coronel João Batista Lima. Mas não explica por que a Lava
Jato, em 2016, sob o comando do juiz Sérgio Moro, recusou-se a fechar o
acordo de delação proposto por José Antunes.
Em duas ocasiões, pelo menos, Bretas faz menção no seu despacho à
fragilidade de sua decisão de prender Temer e outros. Diz a certa
altura: “É certo que não há, por ora, um decreto condenatório em desfavor de
nenhum dos investigados, e a análise a ser feita adiante sobre o
comportamento de cada um dos requeridos é ainda superficial.”
Para em seguida acrescentar:
“Mas o fato é que os crimes de corrupção e outros relacionados (…) numa
análise ainda superficial hão de observar o regramento compatível com a
sua gravidade, além da necessidade de estancar imediatamente a atividade
criminosa”.
Falta a descrição de fatos concretos, inquestionáveis, da “atividade
criminosa” exercida por Temer que possa ameaçar a produção futura de
provas contra ele além das já coletadas até aqui. Por fim, Bretas não
responde a uma pergunta crucial: por que Temer em liberdade
representaria um perigo à ordem pública ou à segurança jurídica? O Código de Processo Penal diz no artigo 282, parágrafo 6º, que a prisão
preventiva só “será determinada quando não for cabível a sua
substituição por outra medida cautelar”. São várias as medidas
cautelares que poderiam ser aplicadas a Temer, mas não. Bretas só
enxergou como justa e razoável a sua captura.
“Enfim, é mais uma surpresa desses tempos estranhos, como diria o
ministro Marco Aurélio Mello”, declarou surpreso José Paulo Sepúlveda
Pertence, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. “Foi mais um abuso,
e como esse já vimos muitos”, decretou o senador Tasso Jereissati
(PSDB-CE), que nunca gostou de Temer.
“Uma barbaridade” – limitou-se a comentar Temer na hora em que foi preso em meio ao trânsito da capital paulista.
Blog do Noblat - Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário