Recentemente, chamou a atenção a iniciativa do senador
Alessandro Vieira de criar uma CPI do Judiciário no Senado Federal. Além disso,
uma pesquisa demonstrou que 90% dos juízes são favoráveis à criação de uma
corregedoria para ministros do STF que, atualmente, não respondem
disciplinarmente a nenhum órgão interno à magistratura.
O Brasil pós Lava Jato mudou: a impunidade de poderosos foi
rompida e os brasileiros exigem novas práticas políticas. Isso é um fato. Prova
mais recente disso foi a vergonhosa derrota do senador Renan Calheiros na
última eleição à presidência do Senado. Acontecimentos como esse são resultados
da significativa renovação do Poder Legislativo na última eleição. Somente no Senado,
dos 54 novos eleitos 46 são novos parlamentares, com índice de renovação de
87%. Contudo, o que poucos se recordam é que embora não sejam
reeleitos, os representantes da velha política deixaram representantes
vitalícios no Poder Judiciário, principalmente por meio do critério de
indicações políticas para escolha de ministros dos tribunais superiores.
O ministro João Noronha, do STJ, não possuía currículo que
pudesse classificálo como pessoa de "notável saber jurídico",
requisito constitucional para acesso aos cargos nos tribunais superiores.Formou-se na pequena Pouso Alegre/MG, jamais passou perto das cadeiras
acadêmicas de mestrado e doutorado, exercendo por toda a vida o cargo de
advogado do Banco do Brasil. Ao menos é isso que suas decisões fazem crer. No final de janeiro, faltando apenas 4 horas para acabar o seu
plantão judiciário como presidente do STJ, sem ser o juiz da causa, sem ouvir a
PGR e já tendo se manifestado publicamente contra a prisão do alvo, o que
certamente afasta sua imparcialidade, usando de argumentos que não foram
apresentados nem pela defesa do preso e passando por cima da instância do TRF
4, que seria competente para analisar o pedido de liberdade, soltou da cadeia o
ex-governador do Paraná Beto Richa, até então preso preventivamente por
corrupção.
Da mesma forma, poucos dias antes, Noronha já havia liberado da
prisão o exchefe de gabinete de Richa, Deonilson Roldo, também preso e
enrolado em esquemas de corrupção, mesmo com o indeferimento de pedido idêntico
do réu pela ministra do caso, Laurita Vaz, um mês antes.
Não parou por aí.
Na última sexta-feira, véspera do Carnaval, João Noronha, também
sem ser o juiz titular da causa e sem ouvir o MPF, também no exercício da
presidência do STJ, deferiu pedido apresentado pela concessionária de pedágio
do Econorte de suspensão de uma liminar do TRF 4 que havia determinado a
suspensão de aditivos contratuais "comprados" pela empresa durante a
gestão de Beto Richa e governos anteriores.
Estes aditivos, dentre outros pontos, garantiram à
concessionária ganhos de mais de R$ 300 milhões de forma ilegal pela instalação
de uma nova praça de pedágio em um trecho que sequer fazia parte da concessão.
Já as obras que ainda deveriam ser feitas a partir dos contratos estão
atrasadas, causando a morte de pessoas em rodovias que deveriam estar em
perfeito estado de conservação.
O detalhe: tanto o ex-diretor do DER/PR que assinou os
aditivos, quanto o expresidente da concessionária que comprou a modificação
contratual, confessaram os crimes. Outro ponto relevante: a decisão de
suspensão de liminar do ministro, que não cita um único fundamento legal,
possivelmente se baseia na lei nº 8437/92, que regulamenta o pedido de
suspensão de liminar, a qual é destinada:
1) a suspender decisões em ações movidas
contra o Poder Público. No caso concreto, a ação foi movida contra o particular
(concessionária);
2) pela lei, o pedido de suspensão só pode ser feito pela
pessoa jurídica de direito público ou pelo MP. No caso, o pedido foi feito pela
concessionária de pedágio que, salvo melhor juízo, não é pessoa jurídica de
direito público ou Ministério Público.
Causa mais perplexidade o fato de o Estado do Paraná e do
Departamento de Estradas e Rodagens do Paraná (DER/PR) terem ingressado como
autores ao lado do Ministério Público, de modo que o "benefício" foi
concedido a uma empresa privada em prejuízo do Poder Público, justamente o que
a Lei nº 8437/92 busca evitar. Mesmo assim, o ministro não viu problemas em conceder a liminar
que fará com que os efeitos de atos de corrupção se eternizem no tempo,
passando a mensagem ao empresário de que a propina compensa e fazendo o cidadão
simplesmente perder a credibilidade nas instituições.
Em que pese graves acidentes continuem acontecendo nas estradas,
porque a finalidade última de tais contratos é simplesmente ignorada por meio
da prática de atos ilícitos, em que pese o cidadão continue pagando altos
pedágios, que a partir de tudo que se viu sequer deveriam continuar incidindo,
fato é que se preferiu defender os interesses espúrios e infundados da
concessionária a se proteger o interesse público e a segurança nas rodovias. Se
não bastasse todo prejuízo já causado pelos atos de corrupção praticados, o
usuário permanece desprotegido a partir da descabida suspensão dos efeitos da
liminar antes concedida.
Há importantes avanços acontecendo contra a corrupção no Brasil.
A última eleição provou isto. Podemos ser otimistas para o futuro. Entretanto,
não podemos esquecer que os indicados políticos do Poder Judiciário continuam
produzindo danos imensuráveis ao devido processo legal e à transformação do
Brasil num país justo e igualitário.
Devemos começar a olhar para os tribunais
superiores.
Diogo Castor de Mattos,
procurador da República, Felipe D´Elia Camargo, procurador da República, Lyana Helena
Joppert Kalluf Pereira, procuradora da República, Raphael Santos Bueno,
procurador da República.
Originalmente publicado na Folha de Londrina em 7 de
março de 2019.
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