Movem-se as placas tectônicas da política brasileira, e pode vir daí
um terremoto de vastas proporções. A reforma da Previdência está com
problemas pela desarticulação do governo, e o presidente da Câmara,
deputado Rodrigo Maia, que é (ou era) o grande aliado para dar andamento
à sua aprovação, acha que essa desarticulação faz parte de uma
estratégia do próprio Bolsonaro, que só sabe governar na base da
confrontação.
Para o presidente da Câmara, o presidente Jair Bolsonaro “não tem
noção, nem da gravidade da situação, nem da importância de governar com o
Congresso numa democracia”. Há uma diferença entre governar como o PT
fazia, e como a Angela Merkel (chanceler alemã) faz, destaca o Rodrigo
Maia. “Eu vou continuar atuando a favor da reforma da Previdência, mas
não em nome do governo”. Maia diz que quem tem que atuar dentro do
Congresso é o articulador político do governo, o Onix Lorenzoni. E,
especialmente, o próprio presidente Bolsonaro.
“Eu não tenho capacidade para conseguir os votos necessários para
aprovar a reforma. Posso até, pelo meu convencimento, arranjar uns 50,
60 votos. Mas faltarão mais cerca de 250, que o governo vai ter que
buscar”. Para tanto, ressalta Maia, tem que fazer política, e isso eles
não querem fazer.
“Querem ficar com o bônus de serem os protetores do povo, e o
Congresso assumirá o ônus de ter aprovado uma matéria impopular, embora
necessária”.
O governo Bolsonaro, desde o início, tenta se desvencilhar
da dependência do Congresso, o que é um contra senso num regime
necessariamente de coalizão em que o presidente nunca tem a maioria
parlamentar, mesmo que tenha a maioria popular. Nos Estados Unidos, o candidato, como Trump, pode ser eleito pelo
Colégio Eleitoral e perder na votação popular. Em regimes como o nosso,
nem sempre acontece que um presidente popular tenha o apoio da maioria
no Congresso, mas não consegue governar sem ele. Aconteceu com Collor,
com Dilma e está acontecendo com Bolsonaro.
Com a agravante para Bolsonaro de que sua popularidade está em
decadência muito antes de terminar do período de graça dos governos. Nos
100 primeiros dias, o presidente eleito historicamente conseguia tudo
no Congresso. Não mais. Além disso, o governo, em campanha permanente,
queima suas pontes com potenciais aliados porque só se interessa em
cultivar a parte do eleitorado que o elegeu, a que fala mais diretamente
a seus valores conservadores. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, que se dispunha a
ajudar na aprovação da reforma da Previdência, está recuando sua defesa
para fazer frente a uma série de ataques, uns provocados por
inexperiência, como o do ministro Sérgio Moro; outros, propositais para
incensar os radicais bolsominions nas redes sociais.
O vereador Carlos, o filho 02, que se distrai fazendo política no
twitter, publicou no Instragam, no dia da prisão de Moreira Franco,
sogro de Rodrigo Maia: “Por que o presidente da Câmara está tão
nervoso?”, numa clara insinuação irônica. E retuitou uma mensagem do
ministro Sérgio Moro com críticas indiretas a Maia. Moro enviara de Washington uma mensagem pelo WhatsApp reclamando que
Rodrigo Maia havia criado uma comissão para analisar o projeto anticrime
do governo juntamente com outros projetos já em tramitação na Câmara,
inclusive um que foi coordenado pelo atual ministro do Supremo Alexandre
de Moraes. Considerou isso o descumprimento de um suposto acordo.
Rodrigo Maia, de fato, deixou o projeto para entrar na pauta no
segundo semestre, pois acha que discutir os dois, esse e o da
Previdência, ao mesmo tempo vai dispersar os votos. E combinou a
estratégia com Bolsonaro. O presidente da Câmara mandou a resposta,
exigindo que Moro o respeitasse como presidente do Poder Legislativo. O ministro da Justiça, Sérgio Moro, retrucou no twitter, que foi
replicado por Carlos Bolsonaro: “Talvez alguns entendam que o combate ao
crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não
aguenta mais.”.
Maia desabafa: “Se o filho do presidente me ataca publicamente, e ele
não faz nada, quer dizer que pensa como o filho”. O governo não quer a
reforma da Previdência, especula Rodrigo Maia. “Ou melhor, quer, mas
jogando a responsabilidade para o Congresso. Bolsonaro posa de bonzinho,
e nós somos os contra o povo”.
Merval Pereira - O Globo
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