Não surpreende a decisão do STF
O STF é a última
cidadela de um establishment político-institucional que, embora
moralmente arruinado, luta para sobreviver – mais que isso, manter seu
status quo e as regras que o sustentam. Esse establishment, sem a exceção de
nenhum dos poderes, foi gradualmente desmascarado pela operação Lava
Jato, que levou à cadeia figurões da política e do meio empresarial. Os
maiorais. Expôs as relações incestuosas entre o
público e o privado e a transgressão contínua, quase rotineira, a uma
cláusula pétrea constitucional segundo a qual “todos são iguais perante a
lei”.
Millôr Fernandes, décadas atrás, dizia
que alguns são mais iguais. Atualizando-o, pode-se dizer que lutam – e o
STF é a trincheira final – para que essa igualdade desigual seja
preservada. A Lava Jato expôs as vísceras desse
sistema e, ao fazê-lo, despertou o ânimo da população, que se insurgiu
em sucessivas manifestações de rua – as maiores da história –
denunciando sua índole corrupta e subversiva, clamando por sua remoção. O impeachment de Dilma Roussef foi a
consequência inicial e a eleição de Bolsonaro a continuidade desse
processo (que não cessou). A população, em sua maioria, viu nele o
candidato que melhor expressava o sentimento anti-establishment. A hostilidade da mídia e do coronelato
cultural a seu nome, que precede a posse e acompanha cada um de seus
atos, apenas os inclui, na percepção do público, entre os que resistem
às mudanças, merecedores, eles sim, do estigmatizado rótulo de
reacionários.
Nada simboliza mais essa degradação
institucional que o encarceramento, a partir de juízes de primeira
instância, de um ex-presidente da República, Lula, ao lado de
ex-governadores (quatro do Rio de Janeiro e um do Paraná), ex-deputados
(inclusive um ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha), ex-senadores,
ex-ministros. Ao lado deles, os donos das maiores
empreiteiras do país, algumas ostentando o rótulo de multinacionais, com
tentáculos estendidos a outras nações e continentes. E a fila não
acabou.
Aguardam nela, em face dos mesmos
delitos, outros figurões, entre os quais, dois ex-presidentes – Dilma
Roussef e Michel Temer -, parlamentares com mandato, banqueiros e…
juízes. O ex-governador Sérgio Cabral, condenado
(até aqui) a mais de um século de cadeia (o que o obrigará a retornar a
Bangu na próxima encarnação), resolveu abrir o bico e chegar ao pessoal
da toga. No Senado, prepara-se uma CPI para
investigar o Judiciário e acaba de ser impetrado mais um pedido de
impeachment contra Gilmar Mendes (há outros, contra Dias Toffolli, Marco
Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski). No Congresso, há ainda um pacote
anticrime, do ministro Sérgio Moro, que, entre outras coisas, fortalece o
combate à corrupção nos altos escalões do Estado.
Diante disso, não surpreende a decisão do
STF de remeter ao TSE os crimes de corrupção que possam, de algum modo,
apresentar um viés eleitoral. Nocaute à Lava Jato: quase todos os
enquadrados por ela alegam caixa dois para justificar propinas e
superfaturamento de obras. Reduz-se assim (ou mesmo elimina-se) a fila
dos réus e viabiliza-se a liberação dos já encarcerados, a começar por
Lula.
Achou ruim? Cuidado: o presidente do STF,
Dias Toffolli, anunciou que irá punir os que, inconformados, protestem
contra esses atos. Em gesto inédito (quase tudo neste momento é
inédito), o STF julgará em causa própria os que achar que o ofenderam.
Eis que o autointitulado Poder Moderador da República perdeu de vez a moderação.
[o curioso de todo o supremo abuso do atual presidente do STF é que de uma canetada só, ele transformou o STF ( ao determinar um inquérito em que o Supremo será o investigador), instância máxima do Poder Judiciário, UM dos TRÊS PODERES da República - art. 2º da Constituição Federal - em QUATRO PODERES:
Confiram: o Supremo investiga, denuncia, acusa, se defende, julga e sentencia.
Permanece PODER JUDICIÁRIO e quando necessário legisla, acumulando funções privativas do PODER LEGISLATIVO (há exemplos recentes em que ministros do Supremo tomaram decisões, apesar da inexistência de leis que as sustentassem, que, por assim dizer, criaram monocraticamente), se necessário expedem uma liminar e interferem nas funções executivas do governo - PODER EXECUTIVO e dando sequência ao controle total assumem funções típicas do Ministério Público, elevando o MP à condição de QUARTO PODER.
O presidente do STF alega que a condição necessária à existência da democracia é um Judiciário independente = só que com o decreto de investigação ele tornou o JUDICIÁRIO o PODER dos Poderes.
Estará institucionalizada ditadura da toga?
Só que uma ditadura pode ser a porta para entrada de outra mais forte.
Para encerrar, transcrevemos adiante parte dos argumentos expedidos pelo ministro Barroso e que provam a impossibilidade da Justiça Eleitoral assumir o julgamento de crimes que costumam ser julgados pela Justiça Federal:
"Barroso não questiona a competência da Justiça
Eleitoral. Apenas realça que ela não foi equipada para lidar com crimes comuns.
Manuseando os dados comparativos do Paraná, Barroso disse durante a sessão do
Supremo que "existem no Estado 70 varas federais —14 são varas exclusivas
para matéria criminal." A 13ª vara federal de Curitiba, "atua nos
crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro cometidos por
organizações criminosas."
"Cada vara da Justiça criminal tem a lotação
de 14 servidores ocupantes dos cargos de analistas judiciários e de técnicos
judiciários", declarou o ministro, antes de empilhar as atribuições dessas
varas federais: "Além da parte jurisdicional propriamente dita, exercem
inúmeras atribuições de ordem administrativa ou de apoio. Por exemplo: controle
de bens apreendidos, armazenamento e encaminhamento dos instrumentos de
produtos do crime, prestação de informações ao Conselho Nacional de Justiça
sobre interceptações telefônicas e mandados de prisão e controle do cumprimento
de penas substitutivas das penas privativas de liberdade"
Na sequência, Barroso comparou: "A Justiça
Eleitoral de primeiro grau é organizada em zonas eleitorais. A imensa maioria
das zonas eleitorais no Brasil tem lotação de um técnico judiciário e um
analista judiciário. Portanto, nós vamos transferir para essa estrutura
inexistente a competência para enfrentar a criminalidade institucionalizada no
Brasil, quando associada a delitos eleitorais. Não será uma transformação para
melhor." ]
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