Discutir a desvinculação do Orçamento do governo é crucial, mas a promessa do ministro Paulo Guedes de liberar R$ 1,5 trilhão é inviável
O projeto de desengessar o Orçamento é crucial para a União, estados e
municípios. O país está ficando ingovernável pelo volume de destinação
obrigatória. Mas prometer que os políticos terão controle sobre R$ 1,5
trilhão, como fez o ministro Paulo Guedes, é vender uma ilusão. Há
despesas que permanecerão sendo obrigatórias, mesmo se for aprovado o
fim das vinculações. Desse total do Orçamento, R$ 637 bilhões são
pagamentos ao INSS e R$ 350 bilhões são despesas de pessoal. Além disso,
há R$ 60 bilhões de Benefício de Prestação Continuada, e mais R$ 44
bilhões de custeio da máquina pública, que já sofreu muitos cortes nos
últimos três anos de crise. Não será trivial mexer nessas despesas.
É preciso entender a importância da tarefa, mas não se vender terreno na
lua. Primeiro: é fundamental enfrentar o problema do excesso de rigidez
orçamentária. Vários economistas de candidaturas de pontos opostos do
campo político defenderam isso nas últimas eleições. Segundo: não é
verdade que os políticos poderão decidir sobre R$ 1,5 trilhão porque
mesmo desvinculando eles não poderão, por exemplo, decidir não pagar
aposentadorias e salários, entre outras diversas despesas.
O projeto, se for bem-sucedido, evitará que o Brasil bata contra um
muro. E o país está indo velozmente na direção desse muro. No Orçamento
de 2019, 90,4% são despesas obrigatórias. E vem crescendo ano a ano,
reduzindo o espaço do executivo e do legislativo. Já há estados em que a
soma dos gastos obrigatórios é maior do que a receita. Há muitas
perguntas que precisam de respostas:
- em quais despesas é possível mexer?
- Como ampliar o espaço de decisão para os representantes eleitos?
- A
desvinculação reduzirá as receitas destinadas para as áreas essenciais
como saúde e educação?
Paulo Guedes não está sozinho. Outros economistas vêm alertando para
isso há muito tempo. A diferença é que ele diz que vai propor, e agora,
em abril. Em tese, o ministro está correto. Mas não pode parecer que num
passe de mágica, com uma PEC de nome bonito, PEC do pacto federativo,
tudo se resolverá. “Os deputados vão entender que, em vez de discutir R$
1,5 milhão ou R$ 5 milhões de emendas, vão discutir R$ 1,5 trilhão do
Orçamento da União, mais os orçamentos dos municípios e dos Estados”,
disse ele na entrevista ao jornal “Estado de S. Paulo”.
Os parlamentos foram criados exatamente para que representantes do povo
pudessem decidir sobre a destinação dos recursos públicos. Na escassez,
cada setor quis garantir a sua parcela. Mas quando a soma das parcelas
fica maior que o todo, o caminho é aumentar o endividamento ou elevar os
impostos. Municípios e estados estão mal, e isso parece música para os
ouvidos, mas eles também sabem que terão que continuar cumprindo
inúmeras obrigatoriedades de destinação, mesmo se a PEC foi aprovada. Embutido nesse projeto há um novo programa de ajuda aos estados, o Plano
de Equilíbrio Financeiro (PEF), que será enviado via Projeto de Lei. O
Regime de Recuperação Fiscal tinha exigências para a entrada que
tornavam muito difícil a execução. O novo fará também exigências de
contrapartidas, mas pode ajudar mais estados. É o que Guedes chamou de
“balão de oxigênio” na sua entrevista de domingo.
Inicialmente, o ministro se referiu a esse projeto para desamarrar,
desindexar e desvincular o Orçamento como o Plano B. “O bonito é que se
der errado pode dar certo. Se der errado a aprovação da reforma da
Previdência, é bastante provável que a classe política dê um passo à
frente e assuma o comando do Orçamento”, disse em janeiro. Foram dois erros numa declaração só. A reforma da Previdência precisa
dar certo e esse projeto não pode ser a compensação caso a reforma não
seja aprovada. São igualmente importantes para construir um novo marco
fiscal do país. A PEC que proporá a mudança no Orçamento precisará de
muita negociação, porque será natural que as bancadas de defesa da
educação e da saúde, entre outras, briguem contra a mudança. Pela reação
que provocará, pelo tempo de convencimento que exigirá, o risco é
desviar o foco da reforma da Previdência, que é a tarefa da vez. Nada
aconteceu desde que o projeto da Previdência de Bolsonaro chegou ao
Congresso. Hoje se instala a CCJ. Será muito difícil para o governo
travar duas batalhas econômicas ao mesmo tempo.
Coluna da Miriam Leitão - O Globo
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