Ainda há muito a fazer, a exigir, a retificar, a aperfeiçoar, para que se possa aplicar no Brasil, com inteireza, o qualificativo de republicano
No próximo dia 15 de novembro, comemoram-se os 130 anos da Proclamação
da República. Em homenagem à data, o Estado lançou na terça-feira
passada no Twitter o projeto EstadãoRepública130. O objetivo é
apresentar, por meio de tuítes de 14 personagens históricos –
republicanos, monarquistas e militares –, o período que antecedeu à
mudança de regime. Para reproduzir os comentários dos personagens
históricos, foi feita uma ampla pesquisa na Biblioteca Nacional, no
acervo do jornal e na bibliografia relativa ao período. O projeto está
ancorado no perfil @_vivarepublica_ e as publicações podem ser
acompanhadas também pela hashtag #ER130.
A história do jornal O Estado de S. Paulo está intimamente ligada à
República. Inspirado nos valores do liberalismo clássico, este jornal
foi fundado em 1875 – então se chamava A Província de São Paulo – com o
objetivo de propugnar pela abolição da escravidão e pela instauração da
República. Faz, portanto, todo o sentido o Estado reviver esse período
tão especial da história do País, da qual tem sido personagem atuante,
valendo-se de atuais ferramentas tecnológicas.
Acompanhar esse período histórico pode ajudar a dar uma dimensão mais
precisa do que significou – e do que deve significar – a República. A
luta pelo novo regime não consistiu apenas em destituir o Imperador d.
Pedro II ou em instaurar um novo sistema decisório no poder público.
Proclamar a República representava a inauguração de um marco jurídico
completamente novo.
“Todos são iguais perante a lei”, diz o art. 72 da Constituição de 1891,
a primeira republicana. Há aqui dois princípios basilares, dos quais
decorrem todas as características de um regime republicano. A República
baseia-se na fundamental igualdade de todos os cidadãos e, precisamente
por isso, todos estão igualmente submetidos à lei.
O segundo princípio, intimamente ligado ao da igualdade, é o de que a
República é o regime da lei. O exercício do poder na República é sempre
uma decorrência da lei. No exercício da função pública, não há espaço
para o arbítrio, o voluntarismo ou idiossincrasias. E a razão para tanto
é muito clara: o respeito à liberdade individual. A liberdade de cada
cidadão só pode ser limitada por meio da lei. Ninguém, seja quem ele
for, seja qual for a sua origem, pode impor a outro uma obrigação fora
dos limites legais.
Por isso, na República, não há mais reis, rainhas, príncipes ou
princesas. E tampouco há nobres. Sendo todos iguais perante a lei, não
há privilégios nem castas. Há cidadãos. “A República não admite
privilégio de nascimento, desconhece foros de nobreza, e extingue as
ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias,
bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho”, proclamou a
Constituição de 1891.
Ser o regime da lei significa também que a República é o regime da
liberdade. Exemplo de liberdade é a declaração do caráter laico da
República do Brasil. “Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção
oficial, nem terá relações de dependência, ou aliança com o Governo da
União, ou o dos Estados”. Além disso, foi com a República que se
reconheceu plenamente a liberdade religiosa, com direito ao exercício
público do culto. “Todos os indivíduos e confissões religiosas podem
exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim,
adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum”, fixou a
Constituição de 1891.
A comemoração dos 130 anos da Proclamação da República é, portanto,
muito mais do que mera recordação de acontecimentos pretéritos. É
resgatar o profundo significado do que é ser republicano – a igualdade
de todos e o regime da lei. Assim, fica evidente que a causa da
República não terminou no dia 15 de novembro de 1889. Lá se deu um passo
importante, mas esses dois princípios – da igualdade e do regime da lei
– não se tornaram realidade por mera proclamação. Ainda há muito a
fazer, a exigir, a retificar, a aperfeiçoar para que se possa aplicar ao
Brasil, com inteireza, o qualificativo de republicano. Que o percurso
continue a ser trilhado.
Editorial - O Estado de S. Paulo
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