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domingo, 20 de outubro de 2019

Mudança de ventos - Merval Pereira

O Globo

Como os ventos viraram contra a Lava-Jato


Embora o que não esteja nos autos do processo não exista tecnicamente, advogados, juízes e promotores são influenciados pelo que vêem, pelo que lêem, pelo que conversam com amigos ou mesmo na família.  A faísca que desencadeou um processo de reversão de expectativas no mundo jurídico e político contra a Operação Lava Jato foi provocada pelas conversas roubadas do celular do procurador-chefe da Lava Jato Deltan Dallagnol publicadas pelo site The Intercept Brasil. [sendo recorrente e até chato: as 'conversas' não valem nada - são fofocas e fofocas não são aceitas em processo (a Constituição Federal não é um primor de clareza, mas, o dispositivo que invalida provas ilicitas é de clareza solar e de interpretação literal);
outro aspecto é que chega ao absurdo, surreal mesmo, é que pessoas, especialmente as doutas no direito e na Justiça, se deixem influenciar por provas que além de ilicitas - mandamento pétreo da  Carta Magna - não tem comprovação de autenticidade.
Tomar decisões movidas por fofoca, abre espaço para que se cogite de possível interesse não republicano.
Sem esquecer que na esfera penal, os integrantes do Tribuna do Júri, cidadãos, pessoas do povo, não podem sequer admitir que acompanharam no noticiário, ou por outro meio, o caso que vão julgar;
tudo para evitar que sejam influenciados por notícias, boatos, fofocas - são pessoas do povo, o que não as isenta do DEVER de nao se deixarem influenciar, que dizer de advogados, juízes e promotores? ]

As mensagens entre Dallagnol e o então juiz Sérgio Moro não revelam nenhuma ilegalidade, mas a proximidade entre partes do processo, que comum no cotidiano da Justiça, dá margem aos que já tinham a tendência de criticar os procuradores de Curitiba, por razões de poder ou política, pretexto para darem a suas críticas ares de verdade.

Vimos na semana passada três ministros do Supremo em contato fora da agenda com o presidente Bolsonaro, às vésperas do julgamento mais importante do ano, sobre o fim da prisão em segunda instância. Dois deles, ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, tomaram decisões recentes que beneficiaram diretamente o senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente, reduzindo a possibilidade de investigações criminais financeiras.

Como já ressaltei aqui na coluna, há anos, desde o julgamento do mensalão, advogados de defesa dos acusados de corrupção tentam manobras jurídicas para beneficiar seus clientes. O então ex-ministro da Justiça, Marcio Thomas Bastos, foi o coordenador das manobras que pretendiam levar para a primeira instância da Justiça os réus do mensalão que não tinham foro privilegiado. O relator Joaquim Barbosa defendeu a tese de que os crimes eram conectados, e foi vitorioso, driblando uma tradição da Justiça brasileira de desmembrar os processos.

Nos julgamentos do petrolão, diversas táticas foram tentadas pelos advogados de defesa, mas nos primeiros anos, com o apoio popular da Lava-Jato no auge, não houve ambiente para que teses diversas fossem aceitas. Só recentemente, a partir das revelações do Intercept, o vento mudou, passaram a ser aceitas teses que abrandaram a situação dos réus. As diversas instâncias que existem de recursos, mesmo em países de arraigada tradição garantista dos direitos individuais, não impedem o cumprimento da pena, às vezes até mesmo na primeira instância.

O jurista e cientista político Christian Edward Cyrill Lynch, editor da revista “Inteligência”, lembra que o se discute agora é se a Constituição, quando fala que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória”, está ou não querendo dizer “ninguém cumprirá pena de prisão decretada na sentença de primeira instância até o trânsito em julgado da sentença condenatória”.

A provável mudança de maioria do plenário do Supremo, a favor da prisão apenas ao final do processo, tem a ver com esse novo ambiente político que está sendo revertido por um esquema profissional que envolve grandes escritórios de advocacia, políticos poderosos, empresários já atingidos pela Lava Jato ou que temem vir a ser, num trabalho de desmonte do novo espírito de aplicação do Direito que veio sendo aprofundado desde o julgamento do mensalão até agora no petrolão.

Os últimos cinco anos foram intensos na implantação de uma nova visão da aplicação da Justiça que pretende dar conseqüência prática aos processos envolvendo criminosos do colarinho branco, que voltarão a ser protegidos se prevalecer o estado de coisas anterior ao mensalão.  Também os políticos aprenderam a se defender, através de legislações como a lei de abuso de autoridade, e a retórica de que os promotores e Moro estão “criminalizando a política”. Trata-se, ao contrário, de denunciar e punir a utilização da política para praticar crimes.

É provável que haja um retrocesso, mas o resultado das pesquisas mostra que a opinião pública continua com sede de Justiça. O ministro Sérgio Moro continua o mais popular ministro do governo Bolsonaro e vence todos os adversários num hipotético segundo turno para a presidência da República.

(*) Ao enumerar as diversas instâncias recursais do Antigo Regime na coluna de sexta-feira, inclui o Supremo Tribunal de Justiça como uma quarta instância. Na verdade, o STJ foi criado em 1828 para substituir a Casa de Suplicação. A quarta instância era o desembargo do Paço.


Merval Pereira, jornalista - Coluna em O Globo


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