Igor Gielow
Tutela militar sobre o pronunciamento do presidente é evidente até na escolha de frase de efeito
Nem parecia Jair Bolsonaro. O presidente que surgiu no pronunciamento em
rede nacional na noite desta terça (31) adotou um tom mais tranquilo,
ponderado e sem grandes malabarismos retóricos.
Parece tudo sob medida para servir de vacina contra os murmúrios de
crime de responsabilidade em torno de sua condução na crise do novo
coronavírus, mas talvez o presidente tenha demorado demais.
Seja como for, depois de falar em "gripezinha" e de supor que seu
"histórico de atleta" o tornaria quase imune aos efeitos da Covid-19,
como disse no apoplético pronunciamento da terça-feira passada (24),
Bolsonaro agora sacou o "maior desafio da nossa geração" para definir a
pandemia instalada entre nós. O termo não saiu do nada. Ele foi tirado da fala do comandante do
Exército, Edson Leal Pujol, que em mensagem gravada na semana passada
falou em "maior missão de nossa geração", e trai a origem da inspiração
do novo posicionamento do presidente.
Se os militares, sejam da ativa ou da ala abrigada no Palácio do
Planalto e em outros prédios da Esplanada dos Ministérios, concordam de
forma geral que há riscos de instabilidade social associados à crise
econômica que quase certamente se agravará com a Covid-19, ninguém
estava satisfeito com a posição de Bolsonaro até aqui. [importante que a parte da crise econômica com capacidade de trazer o CAOS e não apenas instabilidade social é a do ABASTECIMENTO = CAOS ABASTECIMENTO causado pela falta de infraestrutura para transportar produtos da fábrica e/ou produção para o consumidor = sem indústrias para produzir peças e as máquinas agrícolas parando = sem peças e sem apoio nas estradas (inclusive para alimentação) os caminhoneiros param e como os produtos chegarão nas cidades = chegará o momento em que o cidadão com centenas de reais tentará comer um pãozinho e não encontra = ainda ontem um caminhoneiro declarou que estava comendo uma vez por dia na estrada, MESMO TENDO DINHEIRO.
O CAOS SOCIAL = CONSEQUÊNCIA DIRETA DO DESABASTECIMENTO, causado pelo CAOS CAÓTICO DO ABASTECIMENTO = este sim ATEMORIZADOR, consequência direta de várias carências, entre elas a da FOME e, não esqueçamos, da SEDE.]
A gota d´água foi a visita do presidente a comerciantes em área popular
do Distrito Federal no domingo (29), um dia depois de ouvir do ministro
da Saúde, o engolidor de sapos Luiz Henrique Mandetta, que o isolamento
parcial defendido por Bolsonaro "por princípio" não era exequível, nem
recomendável. Naquele ponto, o presidente redobrava a aposta na irresponsabilidade
sanitária que vinha marcando sua atuação desde o início da emergência do
novo coronavírus no Brasil. [FATO: o presidente Bolsonaro continua saudável e a Ceilândia, apesar de sua elevada população e da carência dominante, tem, graças a DEUS, apenas três casos.
O mal-estar estava colocado e piorou quando ficou claro que os dois
pilares do governo, Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça),
alinharam-se a Mandetta no questionamentos acerca da condução da crise
pelo presidente.
Restou a Bolsonaro recuar para sair das cordas. A crítica ao isolamento
social por meio de quarentenas foi mantida, mas com um verniz de
preocupação com o indivíduo afetado. Se tivesse adotado tal posição e
não buscado a polarização extrema, talvez o presidente não estivesse tão
acuado agora.
Duas mentiras foram programadas para o discurso, para não perder o
costume. Tentar associar a fala do diretor da Organização Mundial da
Saúde a uma suposta crítica ao isolamento foi mantido, mas de forma bem
menos assertiva depois que a organização negou isso —em resposta a um
"test-drive" que o presidente havia feito sobre o tema pela manhã.
Já o congelamento do preço de medicamentos, algo que já é anunciado para
abril em qualquer farmácia online de São Paulo, não foi combinado com a
indústria. Dada a gravidade da crise da pandemia do Sars-CoV-2, que já
matou 201 brasileiros até a tarde desta terça (31), esse é um ponto que
não deverá ensejar muito debate. O pronunciamento até pediu uma "união nacional" entre Poderes,
governadores e setores da sociedade. Um avanço, dada a crispação do
embate de Bolsonaro com governadores ou o insuflamento feito pelo
presidente de atos pedindo para fechar o Congresso, o Supremo e outras
delicadezas. Naturalmente ninguém vai acreditar até que a realidade se interponha,
mas parece um avanço. A estabilidade emocional do presidente vem sendo
objeto de preocupação de auxiliares, conforme a Folha mostrou, e o
pronunciamento em modo ansiolítico deixou aliviados alguns observadores
do quadro.
A influência da ala militar do governo e também da ativa das Forças
também ficou evidente na quantidade de referências a ações sob o comando
do Ministério da Defesa. Guedes e suas medidas pontuais foram citados,
mas sem tanta pompa. Isso tudo indica uma nova etapa do manejo da crise? Talvez, mas, como
dito, pode ser tarde. Bolsonaro já perdeu o Congresso e o Supremo, que
nunca teve de verdade.
Já a aparente tutela operada pelos militares sobre o presidente, algo
que já aconteceu antes e foi refutado depois, é algo muito frágil dado o
arcabouço familiar da corte bolsonarista e o temperamento instável do
ocupante do Planalto. A responsabilidade imposta a todos os agentes pela Covid-19 poderá lhe
dar tempo, mas as semanas de "gripezinhas" e de barata-voa no governo
não deverão ser facilmente substituídas pelo "todo indivíduo importa" e o
chamamento a "ações coordenadas". As panelas em fúria em antigos redutos bolsonaristas de capitais são um eloquente sinal dessa dificuldade.
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