Vinicius Torres Freire
Dado o tamanho da população, país tem menos mortes que Europa, mas situação desanda
O Brasil não vai tão mal no ranking mundial da pandemia de coronavírus,
embora faça força para subir na tabela do morticínio. O horror é grande,
mas há piores, quando as comparações são feitas de modo mais preciso.
Não se trata de menosprezar as já mais de 6 mil mortes, mas de pensar
melhor o ritmo da epidemia e o que se pode fazer a respeito. Quarenta dias depois da décima vítima da Covid-19, o Brasil contava 23,6
mortes por milhão de habitantes. EUA, 66,8. Alemanha: 63,5. Itália:
254. Reino Unido: 298. Espanha: 363. Coreia: 3,6 mortes por milhão.
Japão: 1,3. A Europa inteira: 62,4. [O Japão não adotou o isolamento - destaque para que os japoneses usam habitualmente, mesmo antes da Covid-19, máscaras.]
Como é fácil perceber, a comparação pondera o número de mortes pelo
tamanho da população. Considera também o número de mortes em estágios
similares da epidemia: dias equivalentes depois da décima morte. Um país
pode ter mais ou menos mortes apenas porque está no início ou em fase
mais tardia do espalhamento da doença. Este exercício é baseado em trabalho de Pedro Hallal, epidemiologista e
reitor da Universidade Federal de Pelotas. Hallal também coordena o
primeiro estudo brasileiro que tenta estimar a taxa real de infecção por
coronavírus no Brasil, por testes em amostras da população. Duas
rodadas da pesquisa já foram realizadas no Rio Grande do Sul. O estudo
nacional começa na semana que vem.
Hallal vai publicar seu artigo na revista “Ciência e Saúde Coletiva”.
Quando terminou seu trabalho, contava com dados relevantes até 9 de
abril. As contas feitas por este jornalista consideram as estatísticas
publicadas até 1º de maio, sexta-feira passada. O pesquisador prefere utilizar dados de mortes a fim de medir os avanços
da epidemia, mesmo assim com ressalvas. O número oficial de casos
confirmados, além de subestimar o alcance da doença, são díspares por
diferenças internacionais de critérios de contagem.
O número de mortes também pode estar especialmente subestimado no
Brasil? Chutemos que sim. Suponha-se que seja 40% maior _seria o caso se
colocássemos todas as mortes por SRAG na conta da Covid-19 (SRAG:
Síndrome Respiratória Aguda Grave). Ainda assim, o número relativo de
mortes no Brasil seria inferior aos de Europa, EUA ou Canadá.
Na América Latina, a epidemia não está em fase tão avançada quanto noPeruNo trigésimo dia, o número de mortes por milhão de habitantes
era similar ao de México e Chile e metade do que se registrava no Peru.
Mas era o triplo da taxa argentina e pouco mais que o dobro da
colombiana. “Os resultados brasileiros são consistentemente melhores do que os da
maioria dos países europeus e consistentemente piores do que a maioria
dos países asiáticos”, afirma Hallal.
Foram relativamente melhores em especial pela adoção precoce do distanciamento social, afirma o pesquisador. Ter um SUS também ajuda muito. A evolução do número relativo de mortes no Brasil ainda foi mais lenta
do que na Europa do 30º para o 40º dia da epidemia (o Brasil está hoje
no 44º), similar à de França e Itália, bem melhor que no Reino Unido e
bem pior que nos EUA, na Alemanha e na Espanha.
Nos últimos dez dias, o ritmo do número total de mortes parou de
desacelerar, porém. O presidente da República sabota o distanciamento
social e a política anti-Covid em geral. Brasileirices fúnebres, aquelas
que nos fazem ter as mais altas taxas de morte no trânsito, por
exemplo, parecem se expressar também na avacalhação do isolamento, que
tem diminuído e é objeto de campanha de ignorância necrófila, vide as
carreatas da morte.
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