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sexta-feira, 3 de julho de 2020

Algo precisa ser feito - Valor Econômico

César Felício

“Fake News” ameaçam destruir a vida em sociedade

Com todos os atropelos que traz à privacidade do cidadão, o projeto de lei aprovado pelo Senado esta semana e apelidado de “Lei das Fake News” poderá ser melhor para a democracia do que não fazer coisa alguma. A chance dele vingar, contudo, é muito pequena, quase nula, dada a forma como passou. 

Os que criticam a proposta munidos de boa fé deveriam se sentir motivados a apresentarem uma alternativa política plausível ao parecer do senador Angelo Coronel. Pode ser que ainda o façam, já que há discussões na Câmara que devem levar a uma revisão profunda do projeto. A ver.

Não há pior situação do que a atual, em que o fenômeno das “fake news”  corrompe o sistema democrático não apenas no plano institucional, enganando legiões na hora do voto, mas no universo de direitos: a convivência entre diferentes é minada e até questões que afetam a sobrevivência da espécie, como o combate à pandemia ou a preservação do meio ambiente, têm o debate desvirtuado. O direito à privacidade e à liberdade de expressão não pode se sobrepor a regras que garantam a existência da vida em sociedade. É o paradoxo de Karl Popper: a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância.
[o projeto de 'Lei das Fake News', é mais uma excrescência expelida pelo Poder Legislativo brasileiro e que pretende salvar a democracia usando a cassação de direitos assegurados pela democracia que vigora em países sérios.
É mais uma criação brasileira = democracia à brasileira.

Temos outras adaptações que deturpam leis de modo a que se tornem convenientes aos interesses dos donos do Poder - que tudo fazem para cassar o Poder de um Presidente da República eleito com quase 60.000.000 de votos.
Um exemplo: prisão perpetua à brasileira.
Dirão os crédulos:  'mas a constituição cidadã e democrática do Brasil proíbe penas com característica de perpétua'
Proíbe e sendo as autoridades brasileiras fiéis cumpridoras das leis, especialmente da Lei Maior, criaram um subterfúgio: decretam uma prisão preventiva, sem data para terminar e estamos diante de uma prisão com características de perpétua = se sabe a data de inicio mas não se sabe se, e quando, termina.
Aliás, ironicamente as mais cruéis ditaduras comunistas iniciam o nome oficial com três palavras = República Democrática Popular ... . ] 

O debate sobre o projeto produziu até o momento uma coalizão tão insólita quanto involuntária. Combatem a proposta tanto expoentes do libertarianismo digital quanto os ferrabrazes do bolsonarismo, muitos dos quais alvos do inquérito que cursa no Supremo Tribunal Federal.
Faltou ao Senado a percepção de que era preciso negociar mais o texto para se desmanchar esta frente. Transferir a responsabilidade de fazer esta negociação para a casa revisora - no caso em questão a Câmara - e levar a voto a proposta com tamanho grau de dissenso foi um erro, porque vai atrasar a tramitação no Legislativo já que, alterado, o texto terá que voltar para o exame dos senadores.

Os fomentadores de “fake news”, os que fazem da mentira um método de ação política, jogam nesta questão com o tempo. Enquanto o impasse permanecer, a liberdade de expressão e o direito à privacidade estarão resguardando um mundo paralelo que prega contra vacinas, diz que o desmatamento não aumentou, que não houve ditadura militar, que a Lava-Jato foi uma conspiração do governo americano, que há um plano da China para dominar o pensamento acadêmico brasileiro e por aí vai. E esses são os exemplos mais suaves, porque o que corre nas redes sociais é mais pesado: vai na pessoa física, visa destruir o oponente, desmoralizando-o. [o pensamento quando expresso contra o Presidente da República é engrandecido, ainda que seja apresentado pelos inimigos do presidente Bolsonaro; 
quando apresentado a favor do presidente se torna crime hediondo?
Fake news é notícia falsa - se pergunta: que crime é cometido , ou que notícia falsa se veicula, quando algum cidadão expressa o seu entendimento de que o Governo militar não foi uma ditadura militar?
que crime comete o cidadão que expressa seu entendimento de atitudes da China são um plano para dominar o pensamento acadêmico brasileiro?
Já quando pessoas contrárias ao governo do presidente Bolsonaro = contrárias  ao Brasil, à liberdade e à democracia, decidem usar revistas em quadrinhos = destinadas majoritariamente ao público infanto-juvenil -  para divulgar beijos entre pessoas do mesmo sexo, são consideradas  praticantes do legítimo exercício do direito de expressão.]

Veterano no acompanhamento da cena política, o presidente do Conselho Científico do Ipespe, Antonio Lavareda, mostra-se alarmado. “O Brasil soube administrar bem a corrupção no sistema eleitoral. Com todos os problemas que acarretou a nova norma, a proibição de doação de empresas a candidatos conteve o problema. Agora o vírus que ameaça à política está nas redes sociais. É melhor pecar por excesso do que ceder a um principismo ingênuo.” Em resumo, “o risco que as fake news representam impõem o sacrifício de algumas liberdades. Não há direito absoluto”, comenta.

O debate a ser feito, portanto, é até que ponto deve-se abrir mão de determinados direitos (privacidade e liberdade de expressão) para a preservação social. Esta é a dimensão da decisão que a Câmara deve encaminhar.A polarização política muito potencializada pelas redes já cobrou a fatura no filtro que o brasileiro busca ao se informar. A internet tornou-se a porta da entrada da informação, sem ter os mecanismos de autocontrole que existem em todas as plataformas tradicionais de mídia.

Segundo uma pesquisa comparada da Reuters em parceria com a Universidade de Oxford, com 2.058 entrevistas, feitas entre janeiro e fevereiro deste ano, nada menos que 43% dos pesquisados no país preferem ler notícias de fontes que compartilhem o seu ponto de vista. Nos Estados Unidos, onde a penetração da internet é maior e a polarização política é enorme, a proporção é de 30%. No Reino Unido, 13%. á os que preferem ler noticias imparciais no Brasil somam 51%, ante 65% na Itália e 80% na Alemanha. Entre 2013 e 2020, o percentual que se informa por meio do jornal impresso recuou de 50% para 23% e pela televisão caiu de 75% para 67%. Já os que consomem notícias por redes sociais subiram de 47% para 67%. Fica patente que o Brasil é uma terra fértil, em que se plantando tudo dá.

Eleição
A eleição deste ano tem tudo para entrar para a história política brasileira como uma completa anomalia, não apenas por ser a primeira a acontecer em novembro desde 1989. O palanque eletrônico se converterá no único possível. A campanha se desenrolará em clima de absoluto desinteresse, porque é incontroverso que a pandemia monopoliza a atenção. De quebra, passou a vigorar a regra que proíbe coligações eleitorais, o que estimula os partidos a lançarem chapa completa nos grandes centros.

Para Lavareda, a televisão volta a ter um papel central no processo político, mais do que exerceu em 2018, com a população confinada em suas casas. “Isso vai acontecer não apenas por causa do horário eleitoral, mas porque a TV ganhou credibilidade com a pandemia.” Bolsonaro não terá partido, mas será impossível o bolsonarismo não estar presente na disputa. No cardápio das opções locais, haverá o candidato que vai procurar colar na imagem do presidente para captar a simpatia de seus irredutíveis apoiadores. E os seguidores do presidente estabelecerão suas afinidades eletivas.

Dificilmente, contudo, a nacionalização da eleição será uma marca este ano. A campanha em confinamento tolhe a oposição aos prefeitos. Se o administrador local conseguir driblar a penúria financeira, - algo que ficou mais fácil, com a negociação estabelecida no Congresso - as chances de superar os problemas causados pela catástrofe sanitária são grandes. Largam em grande vantagem.

César Felício, jornalista -   Valor Econômico


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