Alexandre Garcia
Lembro-me do tempo em que os juízes atravessavam a ruela que separa seus gabinetes do prédio do plenário, sob o olhar respeitoso dos circunstantes. Hoje, ministro do supremo só sai com segurança reforçada
O Senado poderá votar, nesta quarta-feira (6/4), um requerimento, que já
tem assinaturas suficientes de mais de um terço dos senadores, para
ouvir o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, sobre em que bases
legais ele fundamenta os inquéritos que está conduzindo como relator.
O
autor do requerimento, senador Eduardo Girão (Podemos-CE), argumenta que
os inquéritos não obedeceram o devido processo legal, num caso em quem
se considera vítima é também condutor dos inquéritos, autor da denúncia,
julgador e executor de sentença.
O Supremo, por 9 a 2, acaba de
endossar a condução de Moraes no caso do deputado Daniel Silveira. O
voto contrário do ministro Nunes Marques, acompanhado pelo min. André
Mendonça, argumenta que o Código de Processo Penal (art. 319) não prevê
multa nem bloqueio de bens como medidas cautelares.
Estou em Brasília há 46 anos, sempre acompanhando de
perto o Supremo. Lembro-me do tempo em que os juízes atravessavam a
ruela que separa seus gabinetes do prédio do plenário, sob o olhar
respeitoso dos circunstantes.
Hoje, ministro do Supremo só sai com
segurança reforçada.
Ainda há poucos anos, o então presidente da Corte,
ministro Joaquim Barbosa, costumava encontrar-se com amigos para um
trago em conhecidos botecos, e só recebia aplausos.
Quando as sessões
plenárias passaram a aparecer na TV Justiça, as câmeras despertaram as
personalidades. Popularidade buscada, trouxe com ela, também, o preço de
os julgadores se tornarem julgados.
Saudades de presidentes como Néri da Silveira, com
hábitos de juiz dinamarquês: vivia modestamente e passava sua própria
roupa — comentávamos entre nós, jornalistas. O tempora!
Tempos do
presidente Moreira Alves, que ensinava que o Supremo pode negar leis que
não encontrem acolhida na Constituição, mas não pode inventar normas
legais, com o pretexto de que o Legislativo não fez a sua parte. Semana
passada, falando a um auditório da Justiça Militar da União, aí
incluídos juízes do STM, o ministro Ives Gandra Martins Filho,
ex-presidente do TST, criticou a politização do Judiciário, segundo ele,
da base ao topo: "Judiciário politizado é Judiciário prostituído".
O ministro Gandra antecipou temas de perguntas que
certamente os senadores farão a Alexandre de Moraes, se o convite for
aprovado: "Cláusulas pétreas não podem ser atropeladas; abrir inquérito
de ofício não existe, assim como criar crime não tipificado na lei".
Tempos difíceis para o Judiciário.
"É uma pandemia de ativismo", na
opinião do ministro Gandra.
Segundo ele, o voluntarismo primeiro
apresenta uma decisão da cabeça do julgador, depois faz malabarismo
jurídico para justificar a sentença. Vimos isso no julgamento de Dilma
no Senado.
O mesmo Senado que vai precisar, agora, dar uma resposta.
Os
senadores vão ter de decidir se funcionam como poder moderador para
proteger a liberdade democrática.
E é bom lembrar que poder moderador
não pode ser parte do problema e, sim, solução.
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense
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