Ana Paula Henkel
Diante de inconcebíveis ilegalidades, parece que os
ministros da suprema corte do Brasil não perderam apenas a vergonha, mas
sumiram com todas as cópias da nossa Constituição
Há dezenas de artigos e notícias aqui em Oeste que demonstram como os ministros vêm fazendo questão de vilipendiar e rasgar nossas leis a seu bel-prazer, mergulhados em profundos desejos ativistas, trazendo uma insegurança jurídica nunca antes vista no país.
Em uma de nossas reportagens, enumeramos todas as interferências do STF na administração de Jair Bolsonaro. Em nossa mais recente edição, a capa de Silvio Navarro e o artigo de J.R. Guzzo são definitivos e avassaladores: o Supremo Partido quer virar a mesa e tirar o presidente Bolsonaro das cédulas em outubro. Guzzo escreve: “Há um golpe de Estado em preparação neste país neste momento, pouco a pouco e passo a passo. Não se trata do velho golpe militar de sempre, com tanque de guerra, paraquedista do Exército e pata de cavalo. Também não será dado por uma junta de generais de quepe, óculos escuros e o peito cheio de medalhas, que ocupa a central telefônica, o prédio do correio e a usina de energia elétrica. Trata-se, aqui, de um golpe em câmara lenta, a ser organizado na frente de todo mundo e executado, justamente, pelos que se apresentam ao público como os grandes defensores da democracia, do Estado de Direito e do poder civil — e que, no Brasil de hoje, se sentem angustiados com a ameaça de perderem os confortos que têm. É gente que vem com uma doutrina destes nossos tempos, e talhada exatamente para a situação do Brasil de hoje. Para salvar a democracia, dizem os seus pregadores, é preciso ignorar as regras da democracia e anular, de um jeito ou de outro, os resultados da eleição presidencial que será feita em outubro próximo através do voto popular — conforme for esse resultado, é claro. Ou seja: para haver democracia, é preciso que não haja democracia”.
Ações da estirpe como as dos nossos iluministros caberiam apenas em páginas de um livro soviético
Silvio Navarro mostra como os ministros do STF “escavam trincheiras contra a reeleição de Jair Bolsonaro” e desnuda as gravíssimas falas de Barroso durante a ‘Brasil Conference’, uma reunião da elite brasileira endinheirada em convescote com o judiciário tupiniquim, em Boston, aqui nos Estados Unidos. Barroso sequer corou as bochechas quando disse que “É preciso não supervalorizar o inimigo! Nós somos muito poderosos! Nós somos a democracia! Nós é que somos os poderes do bem! Nós é que ajudamos a empurrar a história na direção certa!”. Navarro também expõe como a manifestação, no mínimo bizarra, de Barroso é ao mesmo tempo autoexplicativa, perigosa e, aqui acrescento, narcisista. Sem rodeios, o ministro, que proferiu em sessão no plenário do STF que o terrorista italiano Cesare Battisti era um homem inocente, apenas demonstra o que os ministros não escondem: a cruzada real contra o atual presidente.
Tirânicas canetas inconstitucionaisOutro ponto, no mínimo curioso, desse e de outros encontros internacionais para sabotar o Brasil é o fato de que esses mesmos ministros citam, constantemente, as leis norte-americanas e até os Pais Fundadores da América como um norte a ser seguido. Obviamente que a plateia ianque, que recebe elogios pelo justo sistema judiciário norte-americano, não chega a conhecer as tirânicas canetas inconstitucionais de ministros como Barroso e Alexandre de Moraes.
A coroação da bizarrice suprema
As ações soviéticas do STF durante os últimos anos foram coroadas nesta semana, em um fatídico e inesquecível 20 de abril de 2022.
Alexandre, o grande
Mas, antes de André Mendonça, não houve antiácido suficiente para digerir as baboseiras de Alexandre de Moraes. Entre platitudes como “precisamos proteger a democracia global” e “sem um poder judiciário independente não há Estado de Direito e não há democracia”, ao se referir ao deputado Daniel Silveira, o ministro, que multou a defesa do deputado por “protocolar de má-fé recursos demais”, mas que votou a favor da soltura de Lula e fez vista grossa para quase 400 recursos da defesa do ex-presidiário, citou Albert Einstein: “Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta”.
Para efeito de registro, quem melhor explicou a trama inconstitucional do caso Daniel Silveira, sem aquele juridiquês rococó, talvez tenha sido a procuradora da República Dra. Thaméa Danelon. Em dez pontos, curtos e objetivos, a também professora de Processo Penal foi às suas redes sociais e mostrou as razões pelas quais o caso do deputado é um caso completamente inconstitucional:
“1) IMUNIDADE PARLAMENTAR: ele não poderia ser preso, processado e condenado por crimes cometidos pela PALAVRA, por conta da Imunidade Parlamentar prevista no Art. 53, CF, que abrange as opiniões, palavras e votos;
2) QUEBRA DE DECORO: devido ao excesso de sua fala, configuraria quebra de decoro parlamentar, a ser apreciada apenas pela Câmara dos Deputados;
3) NÃO HAVIA FLAGRANTE: parlamentares só podem ser presos em flagrante delito de crime inafiançável. O fato de o vídeo estar no ar não torna o crime em flagrante. Os crimes também não são inafiançáveis, pois, posteriormente, foi concedida fiança;
4) PRISÃO EM FLAGRANTE DURA APENAS 24h: no prazo de 24h o preso em flagrante deve ser solto ou sua prisão convertida em Prisão Preventiva. Como Deputados não podem ser presos preventivamente, ele deveria ter sido solto, e não ficar preso em flagrante por meses;
5) NÃO CABIMENTO DE TORNOZELEIRA: essa medida cautelar visa a SUBSTITUIR uma Prisão Preventiva. Mas como Deputados não podem ser presos preventivamente, também não caberia a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão;
6) ANÁLISE DA CÂMARA: a Câmara dos Deputados deveria analisar a possibilidade de aplicação de medidas cautelares (tornozeleiras e outras) ao Parlamentar;
7) CERCEAMENTO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO: ninguém pode ser tolhido por utilizar redes sociais e conceder entrevistas, principalmente os Parlamentares, pois a função precípua desse cargo é “parlar”;
8) NÃO HÁ MULTA DIÁRIA NO PROCESSO PENAL: não há essa previsão no rol das cautelares diversas da prisão. O descumprimento de medida cautelar poderá ensejar a Prisão Preventiva (e não multa diária); mas Deputados não podem ser presos preventivamente;
9) IMPEDIMENTO DE RÉU ACOMPANHAR SEU JULGAMENTO: ninguém pode ser impedido de acompanhar seu próprio julgamento, sob pena de violação do Princípio Constitucional da Ampla Defesa;
10) SUSPEIÇÃO DE JUIZ: o Ministro que é vítima de um crime não pode ser o julgador, diante da suspeição e também violação do Princípio Acusatório”.
(...)
E, como qualquer roteiro de filme de ação ou faroeste não chega perto das páginas da política brasileira, a reviravolta nesse caso foi o perdão presidencial de Jair Bolsonaro, concedido ao deputado nesta quinta-feira. De acordo com o ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, quando há clemência do presidente da República, todos os efeitos da condenação, e a própria condenação, são perdoados, deixando Silveira elegível para o Congresso.
O jurista Dircêo Torrecillas Ramos, membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, concorda: “Se há um perdão, há a extinção da pena. Se há a extinção da pena, o deputado recupera os direitos políticos”.
Freios e contrapesosA ironia do roteiro é que o próprio Alexandre de Moraes concorda. Em 2018, o ministro do STF votou a favor de um perdão natalino de Michel Temer. Na ocasião, Moraes disse: “Na questão do indulto, esse ato de clemência constitucional é um ato privativo do presidente da república. Podemos gostar ou não gostar, assim como vários parlamentares que também não gostam muito quando o Supremo Tribunal Federal declara inconstitucionalidade de emendas, declara inconstitucionalidades de leis e votos normativos: função constitucional prevista por esse “check and balances” (freios e contrapesos) para o Supremo. Assim como o ato de clemência constitucional não desrespeita a separação de poderes, não é uma ilícita ingerência do Executivo, com o devido respeito às posições contrárias, na política criminal que, geneticamente, é estabelecida pelo Legislativo e concretamente aplicada pelo judiciário. Até porque indulto, ou seja, graça ou perdão presidencial, seja individual ou coletivo, não faz parte da política criminal. É um mecanismo de exceção contra o que aquele que tem competência, o presidente da república, entender excessos da política criminal”.
As liberdades fundamentais
(...)
Rosa Weber parece ter dado o último exemplar da nossa Carta Magna ao presidente Bolsonaro em 2018. Diante de inconcebíveis ilegalidades perpetradas pelo STF, parece que os ministros da suprema corte do Brasil (com letra minúscula mesmo) não perderam apenas a vergonha, mas sumiram com todas as cópias de nossas Constituições. Mas não se preocupem, ministros. A que foi dada ao chefe do Executivo segue sendo o único norte da nação e ainda pode ser usada. Os excelentíssimos não precisam mais colar cartazes de “Procura-se” pelos seus gabinetes na tentativa de encontrar os exemplares foragidos. As toscas togas do Brasil ainda podem encontrar a vítima, sofrida, surrada e ensanguentada, ainda respirando por aparelhos na sala daquele que jurou proteger as leis diante de milhões de votos diretos.
O indulto, ou a graça presidencial de Jair Bolsonaro a Daniel Silveira, foi, na verdade, uma graça concedida à nossa Constituição.
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Ana Paula Henkel, colunista - ÍNTEGRA DA MATÉRIA - Revista Oeste
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