Pois agora, com o decreto em que concedeu a graça presidencial ao deputado Daniel Silveira, Bolsonaro conseguiu encurralar o Supremo de tal maneira que se torna difícil prever os próximos passos.
Como a investida foi de tal forma bem aplicada, o Legislativo também passou a claramente vislumbrar uma nova realidade em que seus integrantes são inatingíveis pela Justiça, algo que também não começou agora, com o parlamentar anabolizado que se recusa a usar tornozeleira eletrônica.
Desde que se organizou a reação à Lava-Jato, de tal modo que todos os políticos escapassem incólumes, foram votadas e aprovadas pelo Congresso várias medidas que minam instrumentos de investigação de crimes do colarinho branco que haviam sido instituídos ou endurecidos nos anos subsequentes. [a colunista esqueceu de destacar que a decisão que permitiu que o maior de todos os ladrões = o petista descondenado pelo STF = escapasse incólume de condenação ratificada por vários juízes e em três instâncias, não partiu do Congresso Nacional nem resultou der um decreto de graça presidencial.] A Vaza-Jato mostrou relações indevidas entre procuradores de Curitiba e o juiz Sergio Moro? Sim, mas a reação coordenada já havia começado antes e não diz respeito apenas aos investigados da 13ª Vara.
Da mesma maneira, a revisão dos processos da Lava-Jato e o arquivamento de uma sucessão de denúncias contra políticos de diferentes partidos pelos tribunais superiores fizeram uma parcela da população associar o Supremo à impunidade, sentimento que bizarramente agora Bolsonaro consegue mobilizar enquanto ele, sim, dá salvo-conduto a um deputado que cometeu crime contra a democracia ao ameaçar integrantes da Corte.
Estamos começando a pagar o preço pela letargia em entender que um governante disposto a bagunçar o coreto, quando encontra os responsáveis pelos freios e contrapesos dispostos a lhe passar a mão na cabeça e a deixar a coisa rolar até a eleição, na esperança de tirá-lo, pode surpreender com a mudança nas regras do jogo no meio do caminho. Um dos piores desserviços nessa trajetória contínua e nunca disfarçada de Bolsonaro para desmoralizar a Justiça foi praticado pelo ex-presidente Michel Temer com aquela cartinha a Alexandre de Moraes quando, já ali, o presidente deixava clara sua intenção de descumprir ordens judiciais.
É insano contemporizar e dizer que um autocrata em formação não
cometerá as afrontas à Constituição que anuncia em alto e bom som,
muitas vezes com transmissão ao vivo, para cumprir seu objetivo único de
permanecer no poder. É, ainda, uma grave forma de conivência com o avanço perigoso da
bagunça rumo a impasses como o que agora se vê. Alexandre de Moraes
testou a temperatura da água nesta terça-feira, com um despacho em que
tenta mostrar que o julgamento do STF que condenou Silveira por 10 votos
a 1 ainda vale alguma coisa. [entendemos que para o julgamento do STF prevalecer, a Constituição Federal tem que ser descumprida, rasgada, no trecho que confere poderes ao presidente da República para conceder graça.]
Que fizeram, ato contínuo, os presidentes da Câmara e do Senado? Disseram que nada disso: a perda de mandato do fanfarrão dependerá do Legislativo. E quando isso será votado, deputado Arthur Lyra? Ele e Pacheco não demonstram ter a menor compreensão de que, ao brincarem à beira do precipício em que um dos Poderes foi posto por Bolsonaro, o próximo poderá ser aquele que presidem.
Vera Magalhães, jornalista - O Globo
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