Na primeira série ginasial (hoje 6ª
série), discutíamos se a maior palavra da língua seria
inconstitucionalissimamente. Tem 27 letras, do mesmo tamanho de todas as
letras do alfabeto. Mal imaginava eu que, 70 anos depois, ia conviver
com a prática desse palavrão. E, suprema ironia, exercida no tribunal
que deveria ser o guardião primeiro da Constituição.
Alguns na Corte
confundiram guarda com propriedade, com apoio da maioria.
E o tribunal
constitucional confundiu-se com tribunal constituinte.
O agente público
julgador, imparcial, impessoal, transformou-se em legislador e ativista
defensor de suas ideias políticas.
Nossa última Assembleia Constituinte instalou-se em 2
de fevereiro de 1987, com 559 constituintes eleitos para fazer uma nova
Constituição. Trabalharam 600 dias, inclusive sábados e domingos. Cobri
cada dia e tinha um programa, com Marilena Chiarelli, na TV Manchete,
chamado Brasil Constituinte. Por isso, entendo bem o discurso do
presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães, na promulgação de 5 de
outubro de 1988, quando proclamou, referindo-se à Constituição:
"Descumprir, jamais; afrontá-la, nunca!" "Promulgamos o estatuto do
homem da liberdade". Ele se referia ao passado, mas foi profético:
"Rasgar a Constituição… mandar os patriotas para a cadeia", "Pôr na
cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública". "A
corrupção é o cupim da República". Dr. Ulysses tampouco imaginava a
prática hoje daquele palavrão do meu ginásio.
A Constituição foi chamada pelo Doutor Ulysses de
Cidadã. Porque basta saber ler. Está muito claro e simples que todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza — por que
então há tantas distinções escritas na lei?
Que a família é a união
entre o homem e a mulher;
que a vida é o primeiro dos direitos;
que é
livre a manifestação do pensamento;
que é vedada a censura política,
ideológica e artística;
que a casa é o asilo inviolável;
que os poderes
são independentes e harmônicos.
Pois o guardião que se apropriou da
Constituição transferiu para prefeitos e governadores um poder que não
tem: o de dispor sobre cláusulas pétreas, como o direito de ir e vir,
livre exercício dos cultos, direito de reunião, acesso ao trabalho.
Hoje o assunto é o indulto. A Constituição estabelece
que compete privativamente ao presidente da República conceder indulto.
Não há condicionantes nem se nem mas. Mais uma vez o texto é claro, como
na inviolabilidade por quaisquer palavras, do Art. 53.
Não há
obscuridade no texto. Basta ler. Não é preciso intérprete, tradutor,
hermeneuta. Está escrito; vale o que está escrito.
Quem ler o oposto do
que está nela, ou não sabe ler ou está fora das quatros linhas do campo
da democracia. Quando fiz 15 anos, em 11.11.55, houve um movimento
chamado de "retorno aos quadros constitucionais vigentes". Lembro dele
agora, porque há sinais de que é hora de retornar às quatro linhas.
São
tempos em que juiz do Supremo, no exterior, fala mal do chefe do
Executivo, envolve as Forças Armadas e provoca resposta do ministro da
Defesa. Tempos em que juízes supremos abandonaram a imparcialidade
inerente ao magistrado. É hora de retornar à Constituição, ao que está
escrito na Constituição.
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense
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