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segunda-feira, 11 de julho de 2022

STF a serviço da impunidade - Revista Oeste

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Considerado um dos principais narcotraficantes em atuação no Brasil, André do Rap foi posto em liberdade em outubro de 2020, depois de Marco Aurélio conceder um habeas corpus a seu favor. Ele estava preso desde 2019, após investigações da Polícia Civil de São Paulo o apontarem como um dos chefes do Primeiro Comando da Capital (PCC). Na direção da maior organização criminosa que atua dentro e fora dos presídios brasileiros, André do Rap era o gerente do envio de grandes remessas de cocaína para a Europa.

A decisão do ministro foi revertida horas depois, primeiro pelo presidente da Corte, Luiz Fux, e na sequência pelos demais ministros da Suprema Corte em plenário.  
Mas o relógio do traficante correu mais rápido. André do Rap fugiu assim que colocou os pés fora da cadeia. 
No endereço fornecido por ele no momento da liberdade, a polícia não encontrou nem as pegadas. 
De lá para cá, são quase dois anos de buscas frustradas da polícia pelo líder do PCC. “Quando a gente atua com a exposição pública, ficamos sujeitos à crítica”, disse Marco Aurélio, que se aposentou da Corte em junho do ano passado, ao afirmar que não se sente culpado pela decisão. “Paciência. As garantias legais não são acionadas por homens comuns, mas pelos que cometem condutas irregulares.”

Enquanto traficantes de grande porte conseguem pagar advogados para reverterem suas prisões, a maior parte dos detidos no sistema carcerário brasileiro não consegue esse tipo de benefício

Apesar de a decisão pela liberdade ter sido monocrática, Marco Aurélio Mello não agiu sozinho. A tinta da caneta com que ele assinou o habeas corpus foi fornecida pelo Congresso Nacional, a quem cabe realizar uma mudança no Código de Processo Penal. Foi com base no artigo 316 da legislação, que prevê que a cada 90 dias o juiz que pediu prisão preventiva deve reavaliar o caso, que o ministro do STF alegou ter tomado a fatídica decisão em favor do narcotraficante. 
Os próprios congressistas admitiram que foram, também, responsáveis pela sucessão de falhas que colocou André do Rap em liberdade, quando autorizaram a medida de revisão da prisão preventiva no Pacote Anticrime. Aprovado pelo Congresso Nacional em 2019 e sancionado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, em dezembro do mesmo ano, a alteração legislativa fez o tiro sair pela culatra. “Obviamente que é um texto que deixa lacunas para juízes garantistas proferirem sentenças como essa, beneficiando marginais, beneficiando pessoas que estavam presas e que jamais deveriam estar na sociedade, colocando em risco toda a população”, disse, na época, o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP), líder da Bancada da Bala.

Outros beneficiários da canetada suprema
O Primeiro Comando da Capital não foi a única organização criminosa beneficiada com a liberdade de seus integrantes por meio de decisões assinadas enquanto Marco Aurélio compunha a Corte. Antônio Ilário Ferreira, o Rabicó, chefe do tráfico no Complexo do Salgueiro, no Rio de Janeiro, também conseguiu um habeas corpus que lhe garantiu a liberdade, em 2019. 
Considerado uma liderança do Comando Vermelho (CV), ele figura como um dos traficantes mais procurados pela Polícia do Rio de Janeiro. A recompensa de R$ 1 mil, estampada nos cartazes que trazem a foto do traficante, é insuficiente para ajudar os policiais nas buscas. Embora o criminoso continue aterrorizando o Estado do Rio de Janeiro, a consciência do ministro está em paz. “Nossa atuação é vinculada ao direito aprovado pelo Congresso”, disse. “Se eles aprovam, o problema é deles. Tive 55 anos de vida pública e 31 anos no Supremo. Tenho minha consciência tranquila.”

Ainda que os arbítrios dos ministros que colocam integrantes de organizações criminosas em liberdade sejam tomados com embasamentos legais, eles geram divergências, sobretudo por deixar ainda mais fragilizada a estrutura social, ampliando a criminalidade no país. Enquanto traficantes de grande porte conseguem pagar advogados para reverterem suas prisões, a maior parte dos detidos no sistema carcerário brasileiro não consegue esse tipo de benefício.

Até mesmo entre as mulas, como são conhecidas as pessoas presas por transportar drogas, as diferenças são visíveis. Quanto maior o peso da carga, mais acessível fica a saída das pessoas da prisão.

 Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) revelam que 28% das pessoas detidas no país foram levadas para trás das grades pelo tráfico de drogas. Ainda que a Lei Antidrogas estabeleça que, enquanto a posse de substâncias ilícitas para uso pessoal é considerada um delito ínfimo, com potencial ofensivo, e o tráfico de drogas é um delito passível de punição maior, a proporcionalidade em relação ao peso não costuma ser regra para a liberdade.

Um exemplo ocorreu em fevereiro de 2021, quando a Segunda Turma do STF manteve uma decisão do ministro Gilmar Mendes que substituiu a prisão de um homem preso com 188 quilos de cocaína por medidas cautelares. Na decisão, o ministro alegou que o homem é réu primário e tem bons antecedentes.

“Trata-se de réu primário e com bons antecedentes. Embora efetivamente a quantidade de droga apreendida seja expressiva, nos termos da jurisprudência da Segunda Turma do STF, isso, por si só, não afasta a aplicação do redutor de tráfico privilegiado, se o caso caracterizar uma situação de ‘multa’, o que pode ser a hipótese dos autos”, afirmou Mendes, na decisão. “Assim, resta desproporcional a imposição de prisão preventiva”.

À reportagem, o ministro afirmou que a decisão ocorreu com base em alegações que já haviam sido defendidas também pelo Ministério Público Federal no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O homem chegou a ficar 13 meses detido. “O próprio MPF reconheceu, no STJ, que era uma mula e que não deveria estar preso”, afirmou Mendes.

Outro traficante colocado em liberdade, esse com carga ainda maior, foi o piloto de avião Nélio Alves de Oliveira. Depois de ter sido condenado, em 2014, por tráfico internacional de cocaína, ele foi solto em 2018, por uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski. De volta à ativa, cometeu o mesmo crime. Em 2020, Oliveira foi preso novamente, após caças da Força Aérea Brasileira interceptarem uma aeronave que ele pilotava, com 516 quilos de cocaína, em Mato Grosso do Sul.

Além de piloto e traficante, Nélio foi vereador nos anos 1980, em Ponta Porã, período em que presidiu a Câmara dos Vereadores. Também foi vice-prefeito da cidade. Em 1998, posou em uma foto ao lado do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, hoje pré-candidato do PT à Presidência. Na foto, também aparece o ex-governador do Estado Zeca do PT, que neste ano deve concorrer a deputado estadual pela legenda.

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Iara Lemos, jornalista - Revista Oeste


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