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quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Bolsonaro, Moraes e militares armam um faroeste eleitoral às vésperas da eleição - Malu Gaspar

Os gabinetes de Brasília andam agitados com a possibilidade de uma trégua na guerra pública entre Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes em torno da segurança das urnas eletrônicas
Os líderes do Centrão dizem que a negociação é promissora. 
Moraes colocou assessores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que ele passará a presidir na semana que vem, para avaliar como atender a um ou outro pedido das Forças Armadas e tentar desanuviar o ambiente.

Os militares já cantam vitória nos bastidores. “Quando um não quer, dois não brigam”, me disse ontem um empolgado auxiliar militar do presidente a quem questionei sobre o assunto. Na superfície, a situação parece bem encaminhada. Nas internas, porém, é como se estivéssemos assistindo a uma cena de duelo em filme de caubói.

Só que, neste caso, os protagonistas mantêm uma das mãos com a arma engatilhada, enquanto a outra fica desimpedida, para o caso de um acordo. O desfecho ninguém é capaz de prever, mas nem o contexto e nem o histórico dos envolvidos autorizam otimismo. Um dos políticos que mais conhecem Jair Bolsonaro, o filho e senador Flávio (PL-RJ), já disse aos mais chegados que não acredita em acordo porque não confia em Moraes. [COMENTÁRIO: entendemos ser bom ter em conta que o ministro Moraes está assumindo a presidência do TSE - um órgão colegiado - e não a função e os poderes de  Kim Jong-un.]

Versado em análises de pesquisas, ele sabe que o eleitor médio não quer saber de ataques às urnas e ameaças golpistas, e sim de ter mais emprego, pagar as dívidas e colocar comida na mesa da família.     Mas acha coincidência demais que o sorteio do TSE tenha delegado o processo de registro da candidatura do presidente justamente a Moraes, que também comanda o inquérito das fake news e das milícias digitais no Supremo Tribunal Federal (STF).

É como se Flávio e outros bolsonaristas vissem nesse movimento um sinal de que, em vez de acordo, os “surdos de capa preta” estão na verdade preparando uma cilada para o presidente da República.

Também existe no núcleo ideológico do governo um profundo incômodo com a ideia do armistício com seu inimigo público número um. Não tanto pela possível reação dos seguidores do presidente, que já aceitaram outras guinadas igualmente estranhas no passado. O que eles não querem é desmobilizar a tração golpista que alimenta o bolsonarismo e certas alas das Forças Armadas às vésperas dos atos de 7 de setembro. [a última leva mais jeito de 'narrativa', quando cogita de algo inexistente: "ameaça golpista".]

A esta altura, não dá mais para comprar sem um belo desconto o repisado discurso de que os militares são majoritariamente antigolpe e, se necessário, conteriam os impulsos autoritários de Bolsonaro. Não é desprezível a parcela dos fardados que realmente acredita que as urnas eletrônicas estão sujeitas a fraudes e considera que Supremo e TSE fazem parte de um grande conluio para facilitar a volta de Lula ao poder. [se apenas os fardados acreditassem ..., quanto ao citado grande conluio é pacífico que as instituição, da mesma forma que as pessoas, são julgadas pelos seus atos, comportamentos, decisões.]

O coronel que integrava o grupo do Exército que fiscalizou o código-fonte das urnas, ao mesmo tempo que disseminava fake news grosseiras contra o sistema, representa o arquétipo desse tipo de militar.É por isso que, há algumas semanas, quando Moraes topou conversar com os emissários de Bolsonaro incluindo o ministro da Defesa —, a apreensão maior do Centrão e de figurões do meio jurídico já nem era só que o presidente da República arquitetasse um golpe.

Para defender a necessidade de buscar um consenso, falou-se muito naqueles dias no risco de que os próprios militares tentassem assumir o poder por conta própria, deixando Bolsonaro para trás, a pretexto de “limpar” um processo eleitoral contaminado por fraudes. Pode ser que o pessoal esteja vendo assombração demais no Planalto, mas o fato de esse argumento ter se repetido várias vezes em jantares e conversas reservadas já mostra com que tipo de situação estamos lidando.

Tudo isso só complica ainda mais o cálculo de Moraes. Primeiro, porque não há garantia de que fazer novas concessões realmente desanuviará o clima político. Afinal, foi uma concessão feita lá atrás — o convite às Forças Armadas para participar da comissão sobre a segurança do sistema — que fez com que eles se sentissem empoderados para levantar infindáveis questionamentos e firulas técnicas que não levam a lugar algum, mas alimentam a narrativa do golpe.

Entre os interlocutores de Moraes, prospera a versão de que ele atenderia a um ou outro pedido banal para não parecer inflexível e conceder argumento para um recuo dos militares. Mas quem pode afiançar que, mesmo depois de seus pedidos serem atendidos, eles não encontrarão novos motivos para questionar o sistema eleitoral?

Até agora, o TSE informou publicamente que todos os pleitos que poderiam ter sido atendidos já o foram. Sendo assim, não haveria mais o que ceder. É por isso que também há quem esteja soprando aos ouvidos de Moraes que abrir novos flancos agora seria cometer a distração que falta para o adversário sacar a arma e puxar o gatilho.

Malu Gaspar, colunista - O Globo


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