J. R. Guzzo
Mais interessante que tudo, para os ladrões, é a jurisprudência criada pela Justiça: se roubar era lícito ontem, também tem de ser lícito hoje ou amanhã
O
Brasil dos três últimos anos, ou pouco mais que isso, transformou-se
decididamente num assombro.
Poucos países do mundo têm uma vida pública
tão corrupta – não porque alguém acha que é assim, mas pelo espetacular
acúmulo de provas materiais da corrupção
que foi praticada. É como uma fotografia de alta resolução, que mesmo
as nações mais experientes e bem equipadas no combate ao roubo do erário
teriam dificuldade de obter.
Há
confissões dos corruptos, ativos e passivos, feitas com a assistência
de seus advogados.
Há delações entre eles, em cima de fatos comprovados.
Há, mais do que tudo, a devolução voluntária de dinheiro roubado
por parte dos acusados.
É coisa jamais vista antes, em matéria de
prova: quem devolveria milhões que não roubou?
Mas com tudo isso, e mais
ainda, não há no Brasil um único preso por corrupção – salvo em algum
caso de bala perdida com um ou outro infeliz da arraia miúda. Ou seja:
tecnicamente o Brasil é um país sem nenhum corrupto. Sensacional, não é?
Quem deixou as coisas assim foi o sistema Judiciário brasileiro – nosso STF,
seguido naturalmente pelo resto da máquina judicial, eliminou a
corrupção no Brasil eliminando as condenações dos corruptos.
O passo
inicial desta nova era foi o veto às prisões de condenados em segunda
instância; seu efeito principal foi tirar o presidente Lula da cadeia,
onde cumpria pena pela prática dos crimes de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro.
A partir daí, derrubaram todas as comportas.
As
ações penais contra Lula foram anuladas, com a estreia da
“descondenação” no direito brasileiro.
A Operação Lava Jato
foi eliminada com uma explosão nuclear; não sobrou, ali, nenhuma forma
de vida.
Um a um, os condenados por corrupção foram sendo absolvidos e
soltos da prisão – mesmo réus confessos com 400 anos de cadeia nas costas, como o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral.
Virou uma espécie de princípio jurídico. O sujeito é acusado de
corrupção? Então está automaticamente absolvido na Justiça brasileira – e
caso já tenha sido condenado, a condenação não vale mais.
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Ultimamente o Ministério Público se juntou a esse esforço nacional para eliminar os crimes de ladroagem – inventou a “desistência” da acusação, novidade pela qual o promotor denuncia o ladrão, mas depois diz ao juiz que não quer denunciar mais. É a “desdenúncia”.
Mais interessante que tudo, para os ladrões, é a jurisprudência criada
pela Justiça: se roubar era lícito ontem, também tem de ser lícito hoje
ou amanhã.
Que juiz ou promotor vai ser louco de levar adiante uma ação
penal contra Lula, ou quem tenha a sua bênção?
Corre o risco de ser
preso no ato.
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S.Paulo
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