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domingo, 6 de março de 2022

Devagar, malfeito e complicado - Revista Oeste

Vladimir Putin discursa na TV sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, no dia 22 de fevereiro de 2022 | Foto: Rokas Tenys/Shutterstock
Vladimir Putin discursa na TV sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, no dia 22 de fevereiro de 2022 -  Foto: Rokas Tenys/Shutterstock

Como não houve avanço militar decisivo por parte da Rússia, a ação passou a visar mais e mais os alvos civis, e de forma mais e mais pesada — com os custos políticos que isso sempre tem. É uma situação em que o país invadido não pode ganhar militarmente do invasor, nem fazer com que ele volte para o seu próprio território. Ao mesmo tempo, os invasores não conseguiram em nenhum momento assumir o controle real do território invadido. O resultado é uma guerra que arruína os dois lados. Mais de 50 anos atrás, Israel, um país do tamanho de Sergipe, precisou de apenas seis dias de guerra para derrotar todos os seus vizinhos árabes juntos. Os russos, na Ucrânia, ficaram muito longe disso.

A Ucrânia mostrou uma resistência muito maior do que a Rússia esperava

Além dos problemas na invasão em si, a Rússia sofreu, desde que disparou seu primeiro míssil contra a Ucrânia, a maior barragem de represálias econômicas jamais lançada contra um país em qualquer época. Do ponto de vista diplomático, está sendo punida, junto com o seu líder, Vladimir Putin, com uma condenação mundial inédita em sua extensão e em sua quase unanimidade; fora a China, que decidiu falar pouco no momento da invasão, e menos ainda quando ficou claro que a Ucrânia não se rendeu de imediato, quase todos os países se colocaram contra Moscou — ficaram a favor da invasão aqueles cujo apoio só atrapalha, como a Venezuela do ditador Nicolás Maduro. 

A paisagem do equilíbrio mundial, enfim, mudou da noite para o dia. A Rússia, depois de um longo período de progressiva normalidade em suas relações junto à comunidade internacional, com a dissolução da URSS comunista iniciada há pouco mais de 30 anos e o fim da “Guerra Fria”, voltou a ser o inimigo da Europa, dos Estados Unidos e dos países próximos a eles. A “segurança da Europa”, coisa considerada do passado, voltou a ser coisa do presente. O mundo, com a invasão da Ucrânia, está de novo rachado — e parece ter pela frente uma caminhada longa, incerta e complexa para retornar ao sossego que acreditava ter conseguido.

Passada a explosão inicial, e com a partida inteira pela frente, os fatos que ocorreram com certeza, até o momento, são os seguintes:

1 – A Ucrânia mostrou uma resistência muito maior do que a Rússia esperava. Os Estados Unidos, a Europa e o resto do mundo também foram surpreendidos; manifestaram apoio aos ucranianos desde o começo, mas não acreditavam na sua capacidade de continuar de pé após os primeiros bombardeios. Para a Rússia cumprir o objetivo imediato que tinha ao lançar a invasão — liquidar as Forças Armadas ucranianas, derrubar o governo do presidente Volodymyr Zelensky e colocar em seu lugar um regime que obedeça à sua orientação e aos seus interesses —, a operação teria de dar certo em 24 horas. Não aconteceu isso — e agora é duvidoso que um governo-fantoche, imposto sem eleições livres e sem que a Rússia tenha o efetivo controle do país, consiga funcionar de verdade. A cada momento, em consequência, foi se criando a necessidade do tipo de ação militar que menos interessa à Rússia — a escalada nos ataques, que deixa o comando sem opção a não ser aumentar cada vez mais a ofensiva, sem a perspectiva de uma data para terminar as operações. Colocar em “alerta” as forças nucleares russas não impressionou ninguém — nem a convocação de Putin para os ucranianos derrubarem o seu governo, com a promessa de se entender com eles logo em seguida. Cada dia sem solução é um dia a mais de baixas militares, de sanções econômicas, de entrada de armas europeias na Ucrânia e de custos cada vez mais pesados. Virou uma guerra de desgaste na qual, tipicamente, encontrar uma saída, e encontrar logo, passou a ser mais importante do que vencer.

2 – O presidente Zelensky mostrou ser um homem de coragem, coisa pouco comum, hoje em dia, na cena internacional. Ao contrário do que fariam nove em dez presidentes latino-americanos, a começar pelos do “campo progressista”, Zelensky não fugiu. (E o primeiro-ministro do Canadá, então? Esse ficou assustado com um movimento de motoristas de caminhão.) O presidente da Ucrânia não correu para Miami ou Havana ao ouvir o barulho da primeira vidraça quebrada, nem se refugiou na Embaixada dos Estados Unidos; não aceitou, nem mesmo, renunciar a seu cargo em favor de algum “governo de união nacional”. Quando os americanos lhe ofereceram transporte para deixar a Ucrânia, disse que não estava precisando de carona, e sim de armas. Até agora, continua onde estava antes da invasão começar.

3 – Oficialmente, como dizem os comunicados de Moscou, a invasão se destina a “desmilitarizar” a Ucrânia, ou seja, a zerar a sua capacidade de atacar ou se defender militarmente. A Ucrânia, obviamente, não ameaça a segurança da Rússia, ou de qualquer outro país — não se trata, portanto, de uma ação de defesa prévia, mas simplesmente uma tentativa de incluir o território ucraniano no perímetro de “segurança” que Putin considera adequado. Esse objetivo já tinha de estar cumprido. Até o momento, entretanto, a invasão tem sido uma série de operações que não decidiram nada de essencial do ponto de vista militar. A Ucrânia, com oito dias de guerra, mantinha controle parcial de seu espaço aéreo. O tráfego na maioria das rodovias foi interrompido por bombardeios, mas uma parte do sistema ferroviário continua a operar. A central de energia elétrica da capital, uma das primeiras coisas a ir para o espaço em qualquer invasão bem-sucedida, permanece em funcionamento há mais de uma semana. Nenhuma grande cidade foi ocupada de fato. O palácio presidencial ainda não foi destruído.

Os russos esperavam que a Europa iria protestar muito e fazer pouco

A performance militar dos russos no campo de batalha, nos dias iniciais da invasão, está sendo muito inferior ao que se esperava. As tropas parecem mal treinadas, mal comandadas, mal motivadas, com logística ruim, planejamento confuso e profissionalismo deficiente. Há perdas pesadas de material e baixas acima do previsto. Segundo o governo da Ucrânia, “9.000 soldados russos” já morreram — o que pode ser propaganda, mas com certeza revela problemas sérios no campo de batalha. A expectativa era de que a Rússia, depois do desmanche de suas Forças Armadas no começo dos anos 1990, teria passado por um processo de modernização em regra, tornando seus efetivos mais tecnológicos, eficazes e enxutos. Não se viu isso até o momento.

A Rússia enfrenta os conhecidos ônus de fazer uma guerra dentro de limites — não está claro o que os oficiais e soldados podem fazer, o que devem fazer e o que estão proibidos de fazer. O certo é que o invasor tem, todos os dias, de se segurar — destrói tudo aqui, não destrói nada ali, espera ordens contraditórias e assim por diante. Os ucranianos, militares e civis, mostraram capacidade de resistir a ataques e atacar de volta, o que não estava previsto. O resultado das incertezas e da resistência é uma multiplicação diária de dificuldades — e o ataque, cada vez mais, a alvos civis. Deveria, em suma, ter sido rápido, eficaz e simples. Está sendo devagar, malfeito e complicado.

4 – A Rússia cometeu um erro de cálculo sério ao subestimar a reação dos países da Europa. Confiantes na sua vantagem como fornecedores de 40% do gás europeu, sobretudo nestes momentos de inverno, os russos esperavam que a Europa iria protestar muito e fazer pouco. Foi o contrário. Alemanha, França e Inglaterra, mais o restante da União Europeia como um todo, responderam à invasão com união inédita, extrema rapidez e intensidade sem precedentes. Mais que os Estados Unidos, que tiveram a reação vacilante, desordenada e fraca que tem marcado as ações do governo do presidente Joseph Biden, a Europa cresceu na frente da Rússia. Junto com os norte-americanos, que vieram vindo no seu embalo, cortou parte dos bancos russos do Swift, o sistema internacional de pagamentos bancários indispensável para mover dinheiro através do mundo. Limitou a movimentação que a Rússia pode fazer dos seus US$ 650 bilhões em reservas de moeda forte. Fez o rublo desabar 40% e os juros na Rússia voarem para 20% ao ano. O alvo não foi só a economia. Fechou-se o espaço aéreo da Europa e dos Estados Unidos para qualquer avião russo — inclusive os jatinhos dos milionários amigos do presidente Vladimir Putin, e uma das suas mais fiéis fontes de apoio. A UE tem mandado armas, munição e equipamento militar para a Ucrânia todos os dias. A Alemanha, principalmente, que a Rússia imaginava numa posição de quase neutralidade por sua dependência energética, tornou-se a militante mais ativa da Europa em favor dos ucranianos. Nenhum líder político europeu mostrou simpatia, compreensão ou espírito de conciliação com a Rússia; a opinião pública, da qual todos dependem para sobreviver politicamente, também é na grande maioria pró-Ucrânia. As represálias europeias e norte-americanas, na verdade, vão muito além da hostilidade econômica em si — a cada dia, elas cortam mais e mais os laços da Rússia em suas conexões com o mundo. Da suspensão de grandes projetos industriais de empresas privadas até a colaboração em programas espaciais, tudo está passando pela tesoura.

5 – A Ucrânia, claramente, não foi demolida no primeiro tiro, mas é igualmente claro que não tem condições de aguentar pelo resto da vida o castigo que está recebendo. O pior aspecto da invasão é o custo para a população civil — ameaçada nas suas vidas, na sua propriedade e nos seus direitos mínimos. Há milhares de mortos e feridos — menos que a guerra-padrão de Terceiro Mundo, mas um choque para a Europa. Faltam alimentos. Famílias estão separadas. Estima-se até agora um total de 800.000 refugiados, que só tende a aumentar a cada dia. Até o momento, curiosamente, os dois países que mais receberam refugiados ucranianos foram a Polônia e a Hungria, justo os dois regimes mais à direita da Europa; os “globalistas” como Alemanha, França e países da Comunidade Europeia em geral adotaram represálias pesadas, mas até agora não começaram a distribuir vistos de entrada. O que existe é uma proposta da Comissão da União Europeia, a ser aprovada por cada um dos membros da comunidade, para conceder aos ucranianos moradia, plano médico, escola, permissão para trabalhar e assistência social durante um período de um ano — com a possibilidade de uma extensão para dois anos, ou três.

A Ucrânia não pode vencer a Rússia no campo de batalha, mas não ficou claro até agora como a Rússia pode ganhar

6 – A opinião majoritária sobre quais as razões centrais que a Rússia teve para invadir a Ucrânia é a decisão, por parte do presidente Putin, de devolver o seu país à situação de superpotência militar e política que exibia em público até os anos 1980. Este é, segundo a maioria das análises, o objetivo estratégico de Putin, que governa com um status de presidente vitalício: uma nova Rússia, equivalente à antiga União Soviética das “15 repúblicas” — na verdade, intendências governadas por Moscou e das quais a Ucrânia fazia parte até o regime começar a se desmanchar com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Putin quer a Rússia que alegava ter o mesmo poder dos Estados Unidos, era capaz de impor sua política aos vizinhos da Europa e exercia uma voz de influência no resto do mundo, incluindo a China.

As realidades, até o momento, indicam que esses planos estão muito mais no terreno da imaginação do que de um programa político viável do ponto de vista prático. Voltar à URSS das “15 repúblicas” é mais ou menos como pretender que a Argélia volte a ser da França, ou que a Inglaterra volte a governar a Índia — não dá mais, simplesmente, em 2022. As complicações da invasão da Ucrânia, por outro lado, mostraram os limites dessas teorias geopolíticas grandiosas. A Ucrânia não pode vencer a Rússia no campo de batalha, mas não ficou claro até agora como a Rússia pode ganhar. Mesmo que Putin realize os seus objetivos declarados, a Ucrânia não vai ser anexada de volta ao território russo. Pode perder partes do seu território, mas não voltará a ser o que era — nem o próprio Putin, em qualquer uma de suas manifestações, disse algo assim. URSS, outra vez? No momento não está dando para ter de novo nem a Ucrânia; imagine-se, então, remontar o mapa inteiro. Também não se explicou o que adianta ser uma superpotência se não dá para ganhar no ato nem uma guerra com a Ucrânia — um país pouco maior que o Estado de Minas Gerais, e com um PIB dez vezes menor que o do Brasil. Se a Rússia tem trabalho com a Ucrânia, como seria com a Alemanha, por exemplo?

Fica em aberto, junto com essas dúvidas, uma outra questão objetiva: o que a Rússia vai efetivamente ganhar com essa guerra, mesmo com vitória oficial a curto ou médio prazos. Daqui um ano, por exemplo: a Rússia estará mais forte, mais segura ou mais rica do que hoje? 
Terá mais aliados? 
Tirar um pedaço do território da Ucrânia resolve alguma coisa? 
Para a população russa, especificamente: melhora o quê, na vida real? 
Os magnatas que controlam a economia russa e fornecem uma clara base de apoio para Putin, junto com as Forças Armadas e o seu partido político, vão ficar mais milionários do que já são? 
No momento não estão mais conseguindo nem ter um time de futebol na Premier League.

7 – Invasões armadas são coisas difíceis de fazer hoje em dia. Já foi o tempo em que a Rússia invadia a Hungria ou a Checoslováquia e tudo se resolvia com a passagem do primeiro tanque. Não mais. Antes de se desfazer como URSS, por sinal, a Rússia invadiu o Afeganistão, no começo dos anos 1980; ficou lá durante anos a fio e perdeu a guerra. Ainda agora, em 2014, invadiu a mesma Ucrânia. Não resolveu nada, já que oito anos depois está tendo de invadir de novo. Guerras que se podem fazer à vontade, em nosso tempo, são apenas nos fins do mundo que não incomodam ninguém. Em países da Europa não existe mais solução imediata.

Leia também “A Ucrânia resiste”

Revista Oeste - Edição 102 

 


quarta-feira, 6 de novembro de 2019

O dia em que a história desembestou - Blog do Noblat - VEJA

Ricardo Noblat

A unificação da Alemanha


Em junho de 1989 Mikhail Gorbachev, então presidente da União Soviética, visitou a Alemanha Ocidental, sendo aclamado por onde passou. Todos lhe fizeram a mesma pergunta: quando a Alemanha seria unificada? Diplomaticamente, o pai da perestroika dizia que o problema teria de ser resolvido um dia, mas não naquele momento. Isto havia sido combinado com o então primeiro-ministro alemão, Helmut Kohl: a unificação alemã era uma questão a ser equacionada apenas no século 21.

O mesmo ponto de vista tinha François Mitterrand, presidente da França, para quem a Europa deveria respirar por meio de dois pulmões: o da comunidade europeia e o do leste europeu renovado pela perestroika. A unificação da Alemanha deveria se dar pela renovação do bloco socialista, de forma lenta, gradual e segura.  Mas a história desembestou no outono de 1989, para utilizar uma expressão do próprio Gorbachev. Em 9 de novembro uma multidão derrubou o Muro de Berlim, pondo fim à fronteira física que separava os alemães em dois países de sistemas diferentes. Um capitalista e democrático e outro socialista e de ditadura do partido único.

Símbolo maior da guerra-fria, o muro era também o atestado de que os povos do leste europeu rejeitavam o modelo socialista implantado na esteira dos tanques do exército vermelho, após o fim da 2ª guerra mundial. Em toda a região o “socialismo real” foi uma imposição da União Soviética e só se sustentou por quarenta anos porque reprimiu a ferro e fogo os povos que tentaram se sublevar. Hungria em 1956, Polônia várias vezes, Checoslováquia em 1968 e a própria Alemanha Oriental em 1952.
Se deve a Gorbachev o mérito de liberar o gênio da garrafa. Sem ele, a queda do muro dificilmente aconteceria ou se daria muito tempo depois.

Os ventos da renovação e o sopro de liberdade daquele outono abalaram muito mais do que os alicerces do Muro de Berlim. Como peças de dominó, as ditaduras do leste europeu foram caindo uma a uma. Os escombros do muro enterraram a ilusão do comunismo como ideário libertário, sinônimo do paraíso terrestre.  Mais do que desembestar, a história atropelou quem quis detê-la.  Em 7 de outubro de 1989 a fina flor do “Pacto de Varsóvia” lotou a tribuna no desfile do aniversário dos quarenta anos da República Democrática Alemã. Os burocratas do “socialismo real” não percebiam a mudança dos ventos. E ela saltava a olhos nus. A multidão que desfilava olhava para Gorbachev e clamava: “ajude-nos, ajude-nos!” Espantado com o que via, o então premiê da Polônia, Mieczyslaw Rakovski, disse a Gorbachev: “você não percebe que isso aqui acabou?”

Indiferente ao clamor da multidão, o Secretário Geral do Partido Comunista e presidente da Alemanha, Erich Honecker, jactava-se que via no desfile a prova da vitalidade do socialismo na Alemanha Oriental. Ultra ortodoxo, dizia que seu país não precisava de nenhuma perestroika. Nada a estranhar. Dois anos antes, Honecker tinha rechaçado o conselho dos soviéticos de demolir o Muro de Berlim. Toda nomenclatura aboletada na tribuna iria cair em pouco mais de dois anos. Não sobrou ninguém. A começar pelo stalinista Honecker, destronado do poder um mês depois do desfile.

Nem a temida Stasi, polícia política com mais de 25 mil informantes, foi capaz de deter a avalanche da história. Em 9 de outubro, 70 mil pessoas participam de um ato público em Leipzig, exigindo democracia. As pessoas tinham perdido o medo e a ditadura não tinha mais condições de reprimir. Ironicamente acontecia o vaticínio de Lenin para o desaparecimento de um regime: “quando os de baixo já não querem e os de cima já não podem”.E já não podiam em todo o bloco socialista. Cinco meses antes da queda do Muro de Berlim, o Solidarność ganhou a primeira eleição livre na Polônia.  

Em agosto, dois milhões de pessoas formaram a maior corrente do mundo para abraçar os países bálticos. Por fim, a Hungria derrubou a cerca de arame farpado de sua fronteira com a Áustria, criando um enorme corredor para a fuga de alemães orientais.



Simbolicamente a queda do Muro de Berlim representou também a vitória da democracia como o grande valor do século 20.  Esse valor está em jogo hoje em países do antigo bloco socialista, como na Hungria de Victor Orban e  na Polônia. E também na antiga  Alemanha socialista, com o crescimento  da AFD – partido de extrema direita. A história tem dessas ironias.

 
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Blog do Noblat - Publicado na edição 2659, de VEJA, 06/11/2019

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Lições para Maduro: o fim de dois ditadores comunistas

O desfecho foi amargo para o homem do Muro de Berlim e o Gênio dos Cárpatos, mas o tirano da Romênia teve menos tempo para refletir


Nenhum deles teve um fim tranquilo, mas um morreu na cama e o outro foi metralhado. Ambos viraram símbolos do fim da era comunista na Europa Oriental.
Derrubado pelo próprio partido único quando já era tarde demais, Erich Honecker se refugiou na casa de um pastor – uma ironia, considerando-se o tratamento reservado à religião na Alemanha Oriental. Depois, em outra ironia, pediu ajuda a Mikhail Gorbachev, o homem que havia recusado seus apelos para que descesse a tropa soviética e salvasse o comunista agonizante.

A fuga secreta para Moscou não resolveu seus problemas. Devido aos pedidos de extradição da Alemanha reunificada, Honecker e a mulher, Margot, pediram asilo na embaixada do Chile.  Um pedido irrecusável: o embaixador era Clodomiro Almeyda, o líder do Partido Socialista chileno recém-reabilitado, ele próprio asilado na Alemanha Oriental durante o regime militar.

Nem assim Honecker se livrou da extradição. Recebido em Berlim aos gritos de “Assassino”, Honecker foi submetido a um confuso julgamento, encerrado a pretexto de que ele estava muito doente. Viajou para o Chile e morreu um ano depois, de câncer no rim. Evitou-se, assim, que fosse revirado a fundo o envolvimento de muitos convertidos às virtudes da democracia. E a Alemanha pode celebrar até hoje o milagre do Muro de Berlim, o fim pacífico de um regime que parecia inexpugnável.

O Muro, cuja construção foi comandada por Honecker e duraria “mais cem anos”, simbolizou a derrocada em série dos regimes vassalos na Polônia, Checoslováquia, Hungria e demais satélites soviéticos, culminando com o fim da própria União Soviética.  A única exceção no dominó do extraordinário ano de 1989 foi a Romênia, onde Nicolae

VAIAS, VAIAS
Ceausescu acreditava que poderia reprimir à bala a onda de manifestações de protesto que havia começado pela cidade de Timisoara.  O mundo construído por Ceausescu e sua mulher, a implacável Elena, secretária-geral do Partido Comunista Romeno e vice-primeira-ministra, parecia tão invulnerável que ele vivia à parte até da União Soviética.

Para reafirmar a própria autonomia, Ceausescu, que se brindou com o título de Gênio dos Cárpatos e Condutor, queria zerar a dívida do país. Praticamente toda a produção agrícola e industrial da Romênia era exportada.  Os romenos viviam em privação, passavam fome, a eletricidade e a calefação eram cruelmente racionadas em pleno inverno. Um diplomata americano conta ter chegado ao país em 1988 e verificado que nas prateleiras dos mercados havia “pouco mais que latas de sardinha da China e repolho”.

Crente no próprio poder, na doutrinação incessante do povo e no regime ultrarrepressivo onde a Securitate, a polícia política, controlava tudo, Ceausescu ignorou o vento de mudança e apareceu na sacada do hediondo palácio no centro de Bucareste.  Achava que tinha um público seguro, transportado em massa numa armada de ônibus, e habituado às arengas autoelogiosas. De repente, começaram as vaias. E mais vaias. E gritos deTimisoara! Timisoara!”.

Comparado a Nicolás Maduro, o motivo dessas rememorações todas, Ceausescu era de uma austeridade sepulcral. A expressão de incredulidade no rosto severo do déspota, tentando bater palmas para controlar a massa que o vaiava, entrou para a história. Os mais espertos perceberam que a coisa tinha acabado ali e trataram de mudar rapidamente de lado. A onda de deserções começou pela base e chegou rapidamente aos generais.
O ministro da Defesa apareceu com um tiro na cabeça – suicidou-se ou foi suicidado, supostamente por se recusar a mandar massacrar os rebelados. Um mar de velas surgia nos lugares onde agentes da polícia política matavam cidadãos desarmados. Num deles, a elegante pichação “Vox Populi, Vox Dei!”.

Protegidos pelos leais até o fim, os Ceausescu estavam na casa de campo quando viram que tinham que fugir. Elena fez uma mala incongruente, cheia de joias e roupões de banho. Pegaram um helicóptero e depois um carro. Acabaram, inevitavelmente, presos numa base militar. Era fim de dezembro e fazia muito frio. Elena usava um tailleur de lã bege, casaco igual com uma grande gola de pele e lenço estampado. Ceausescu ia de sobretudo preto, cachecol e gorro de astracã.
Submetidos a julgamento sumário por um tribunal militar, saíram revoltados. Até hoje são impressionantes as cenas de Elena retorcendo-se e tentando morder o soldado encarregado de amarrar suas mãos.

MATÉRIA COMPLETA em Mundialista - Vilma Grizinsky - Veja




quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Fachin e Cármen decidem peitar o Congresso, e senadores adiam caso Aécio: a desonra e a guerra

Assim está o Congresso Nacional e nisso devem pensar os senhores parlamentares quando dizem não querer guerra com o Ministério Público e com o Supremo: se escolherem a desonra, terão a guerra

O Senado adiou para o dia 17 a decisão sobre o caso Aécio Neves. Em tese, ao menos, escolheram o caminho da paz. Vão continuar a ter a guerra. Vamos ver.  Brasa escondida é a que queima. Quem é caipira, como sou, sabe bem a verdade desse ditado. Até porque já passou dias de frio à beira de um fogão a lenha e tentou avivar o fogo, remexendo as cinzas. De repente, a brasa escondida. Você olha, está pretinha de tudo, como se o fogo dali já houvesse se despedido. E pimba! Queima mesmo. Um sopro mais vigoroso, e o que era negro se incendeia. Vamos ser claros? Vamos!

Cármen Lúcia estava nos planos das forças que resolveram depor Michel Temer em uma semana. A articulação envolveu Rodrigo Janot, um grupo de comunicação, Edson Fachin e, sim, Cármen Lúcia. Ela endossou parte das ilegalidades que estavam na raiz da operação. Quando o ministro se faz relator de um caso que não era seu, evitando o sorteio, violava-se o princípio do juiz natural. Sigamos.

Edson Fachin fez o que dele se esperava. Negou mandado se segurança impetrado pelo PSDB e pela defesa de Aécio Neves (PSDB-MG). O pedido chegava a ser singelo: que se suspendessem as punições ao menos até o dia 11, quando o Supremo julga, ou começa a julgar, uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que vai definir se medidas cautelares impostas a parlamentares devem ou não ser submetidas à respectiva Casa: Senado ou Câmara. Não há resultado bom: há o ruim e o pior. Explicarei em outro post. Mas sigamos.

Os mandados de segurança, como já escrevi aqui, eram um ponto intermediário, negocial, entre a decisão destrambelhada do Trio do Barulho — Roberto Barroso, o da champanhe; Luiz Fux, o beija-pés, e Rosa Weber, a do olhar perdido e uma votação do plenário que pode anular as medidas. Buscar-se-ia um consenso.   Eis que se fez o sorteio, e a relatoria cai justamente com Edson Fachin. Ora, qualquer um em seu lugar se declararia impedido — na verdade, suspeito —, uma vez que tudo começou com ele: na condição de relator de um caso que não era seu, impôs as medidas cautelares a Aécio, decisão depois revogada por Marco Aurélio. É evidente que não poderia ser ele o relator, ora essa! Afinal, sua posição era mais do que conhecida.

Fachin, que compõe o Quarteto do Barulho, resolveu, mais uma vez, dar um truque. Caso se declarasse suspeito, o recurso cairia em outras mãos. Mas ele preferiu enviar o pedido a Cármen Lúcia. Ah, foi o sopro na brasa. Afirmou a doutora:
A se adotar a tese defensiva do afastamento do ministro Edson Fachin, chegaríamos ao absurdo de não poder ser julgada a impetração pelo plenário deste Supremo Tribunal, pois os cinco ministros da  Primeira Turma estariam impedidos e mais um da Segunda turma, inviabilizando o quórum mínimo de seis ministros”.
O que isso significa? Nada! Querem que eu demonstre? Demonstro: e se Fachin tivesse declinado da tarefa, Cármen?
Ora…
A ministra vai além e diz que a causa de suspeição já se desfez quando Fachin entregou o caso para redistribuição. Segundo ela, o que se contesta agora é a decisão dos três da Primeira Turma.

É mero truque retórico. É tolice achar que aquela que havia sido escalada para suceder Temer por intermédio da eleição indireta quer a paz. Não é a primeira vez que ela deixa claro que gosta mesmo é de guerra. O que o Senado tem de fazer? Acho que deve se lembrar das palavras de Churchill quando Chamberlain e Daladier celebraram com Hitler e Mussolini o Tratado de Munique, em 1938. Para evitar a guerra, os governos do Reino Unido e da França concordaram com a anexação, pela Alemanha, de um pedaço da Checoslováquia. Foram recebidos como heróis quando voltaram a seus respectivos países por terem selado a suposta paz. Até parecia que Hitler iria se contentar com aquele pedacinho de terra…

E Churchill foi definitivo sobre Chamberlain e Daladier: “Entre a desonra e a guerra, escolheram a desonra e terão a guerra”.
Assim está o Congresso Nacional e nisso devem pensar os senhores parlamentares quando dizem não querer guerra com o Ministério Público e com o Supremo: se escolherem a desonra, terão a guerra. [quando mais o Senado Federal abaixar a cabeça mais fácil fica para a turma do MP e STF montar.]

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo