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domingo, 10 de abril de 2022

FALA MAIS, LULA! - Augusto Nunes

 Revista Oeste

O dono do PT pode transformar-se no adversário que todo candidato pede a Deus 

Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Max Haack/Futura Press
Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Max Haack/Futura Press 

Divulgado no domingo, esse registro audiovisual inaugurou a constrangedora sequência de vídeos que se estenderia até esta sexta. Na segunda-feira, o candidato a uma terceira temporada na chefia do governo avisou que, de volta ao Planalto, mudará dramaticamente as relações exteriores. Usou como exemplo a guerra decorrente da invasão da Ucrânia por tropas russas. “Vou pedir pra vocês pra gente avisar pro Putin, avisar pro presidente da Ucrânia, avisar pro Biden, avisar pros presidentes dos países europeus: parem com essa guerra!”, caprichou na bravata durante outra discurseira para plateias amestradas.[Luladrão sempre foi um imbecil, só que antes era um imbecil interessante e enganava os incautos, agora é um imbecil ridículo que não convence a ninguém; quanto a que chamam de mulher dele, é apenas uma caloteira tentando fama de alguém que não está mais sob holofotes e foge das ruas e do contato com o povo.]

Sempre aos berros, explicou que o povo precisa de paz e quer nesta ordem emprego, salário, educação, cultura e vida. Morte o povo não quer. Em deferência ao espírito pacífico dos brasileiros, o orador informou que toparia até retomar um hábito nada recomendável que jura ter abandonado há 48 anos. “A última vez em que bebi mesmo foi quando o Brasil perdeu para a Holanda de 2 a 0 na Copa do Mundo de 1974”, garantiu numa entrevista publicada pela Folha em 14 de outubro de 2007. Pois agora se dispõe a acabar com o conflito nos confins da Europa com uma bebedeira de bom tamanho.

“Por tudo o que eu compreendo, que eu leio e que eu escuto”, caprichou na bazófia, “essa guerra seria resolvida aqui no Brasil numa mesa tomando cerveja”. E foi em frente: “Se não na primeira cerveja, na segunda. Se não desse na segunda, na terceira. Se não desse na terceira, até acabá as garrafa a gente iria fazer um acordo de paz”. Em oito anos na Presidência, por intrometer-se em confusões internacionais, Lula consolidou a política externa da canalhice. Nesta semana, virou parteiro da diplomacia de botequim. Se insistir em acabar com a guerra entre Israel e os palestinos, não escapará da cirrose.

Na terça-feira, no meio de um falatório na CUT, o pajé da esquerda nativa do País do Carnaval impressionou com outra ousada inovação especialistas no aliciamento, compra ou aluguel de parlamentares. Disso ele entende. “Existe no Congresso uma maioria de uns 300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses”, afirmou em 1993. Dez anos mais tarde, instalado no gabinete presidencial, dedicou-se à ampliação da bancada da bandidagem. Com o Mensalão, comprou o apoio de uma multidão de congressistas. 

Na década seguinte, arrendou partidos inteiros com o dinheiro de empreiteiros envolvidos no assalto à Petrobras. Essas fórmulas caducaram, avisou o vídeo da terça. E de nada adiantam manifestações nas cercanias da Praça dos Três Poderes. Bem mais eficaz é a montagem de patrulhas incumbidas de cercar fisicamente a residência de deputados ou senadores recalcitrantes e pressionar os familiares do alvo, sobretudo mulheres e filhos. “A gente tem de incomodar os deputados”, incitou. Mesmo que ocupasse uma vaga na Câmara, o pai da ideia não estaria exposto a esse assédio criminoso. Lula nunca teve casa ou apartamento. Tudo pertenceu ou pertence a algum amigo dele.

Na quarta-feira, a figurinha carimbada da internet decidiu substituir Marilena Chauí no comando da guerra contra milhões de brasileiros que não são pobres nem ricos. “Nós temos uma classe média que ostenta um padrão de vida que em nenhum lugar do mundo a classe média ostenta”, decolou o palanque ambulante. “Na Europa, as pessoas são mais humildes. É uma pena que a gente num nasce e não tem uma aula ‘o que qui é necessário para sobrevivê’. Tem um limite que pode contentá qualquer ser humano. Eu quero uma casa, eu quero casá, eu quero ter um carro, eu quero uma televisão… Não precisa tê uma televisão em cada sala. Uma já tá boa.” Faz 40 anos que Lula tem mais de um televisor em cada endereço. Mas continua a incluir-se na classe média.

“Na medida em que você não impõe limite”, flutuou na estratosfera, “você faz com que as pessoas, sabe… compre um barco de US$ 400 milhões e outro barco pra pousar o helicóptero.” Quem compra barcos com tal preço está longe da classe média. É mais que rico. É bilionário. Frequentam o clube que tem como sócios, por exemplo, os empreiteiros que reduziram Lula a facilitador de negócios bandidos
Se tivesse juízo, o falastrão passaria o restante da semana ajoelhado no milho. Em vez disso, chapinhou na mesma quarta-feira no pântano das controvérsias de que todo político com juízo prefere manter distância: em outro vídeo, declarou-se favorável à liberação do aborto. No dia seguinte, teve de mudar de ideia. Reapareceu na internet para dizer que houve um mal-entendido. Ele é contra o aborto. [ele é tão contra o aborto que em 1990, Collor provou em debate realizado nas eleições presidenciais, que o Luladrão tentou promover um aborto.]
 
A continuar assim, algum ministro do Supremo Tribunal Federal não demorará a atribuir esse besteirol a marqueteiros infiltrados pelo atual presidente da República na cúpula da seita que vê num ladrão seu único deus. Aos olhos dos alexandresdemoraes e dos edsonsfachins, parece coisa de um gabinete do ódio audiovisual
Mas os humanos normais sabem que tudo saiu da cabeça baldia do chefão. 
O que já fez e disse ameaça transformar o ex-presidiário no adversário que todo candidato pede a Deus e ter os vídeos que anda protagonizando exibidos, com destaque e sem cortes, no horário eleitoral do presidente que disputa o segundo mandato. Pior: pelo andar da carruagem, os partidários de Jair Bolsonaro logo estarão gritando nas ruas e repetindo na internet uma palavra de ordem que ninguém previu: FALA MAIS, LULA!

Leia também “A esperança do convertido”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste 

 


domingo, 6 de março de 2022

Devagar, malfeito e complicado - Revista Oeste

Vladimir Putin discursa na TV sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, no dia 22 de fevereiro de 2022 | Foto: Rokas Tenys/Shutterstock
Vladimir Putin discursa na TV sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, no dia 22 de fevereiro de 2022 -  Foto: Rokas Tenys/Shutterstock

Como não houve avanço militar decisivo por parte da Rússia, a ação passou a visar mais e mais os alvos civis, e de forma mais e mais pesada — com os custos políticos que isso sempre tem. É uma situação em que o país invadido não pode ganhar militarmente do invasor, nem fazer com que ele volte para o seu próprio território. Ao mesmo tempo, os invasores não conseguiram em nenhum momento assumir o controle real do território invadido. O resultado é uma guerra que arruína os dois lados. Mais de 50 anos atrás, Israel, um país do tamanho de Sergipe, precisou de apenas seis dias de guerra para derrotar todos os seus vizinhos árabes juntos. Os russos, na Ucrânia, ficaram muito longe disso.

A Ucrânia mostrou uma resistência muito maior do que a Rússia esperava

Além dos problemas na invasão em si, a Rússia sofreu, desde que disparou seu primeiro míssil contra a Ucrânia, a maior barragem de represálias econômicas jamais lançada contra um país em qualquer época. Do ponto de vista diplomático, está sendo punida, junto com o seu líder, Vladimir Putin, com uma condenação mundial inédita em sua extensão e em sua quase unanimidade; fora a China, que decidiu falar pouco no momento da invasão, e menos ainda quando ficou claro que a Ucrânia não se rendeu de imediato, quase todos os países se colocaram contra Moscou — ficaram a favor da invasão aqueles cujo apoio só atrapalha, como a Venezuela do ditador Nicolás Maduro. 

A paisagem do equilíbrio mundial, enfim, mudou da noite para o dia. A Rússia, depois de um longo período de progressiva normalidade em suas relações junto à comunidade internacional, com a dissolução da URSS comunista iniciada há pouco mais de 30 anos e o fim da “Guerra Fria”, voltou a ser o inimigo da Europa, dos Estados Unidos e dos países próximos a eles. A “segurança da Europa”, coisa considerada do passado, voltou a ser coisa do presente. O mundo, com a invasão da Ucrânia, está de novo rachado — e parece ter pela frente uma caminhada longa, incerta e complexa para retornar ao sossego que acreditava ter conseguido.

Passada a explosão inicial, e com a partida inteira pela frente, os fatos que ocorreram com certeza, até o momento, são os seguintes:

1 – A Ucrânia mostrou uma resistência muito maior do que a Rússia esperava. Os Estados Unidos, a Europa e o resto do mundo também foram surpreendidos; manifestaram apoio aos ucranianos desde o começo, mas não acreditavam na sua capacidade de continuar de pé após os primeiros bombardeios. Para a Rússia cumprir o objetivo imediato que tinha ao lançar a invasão — liquidar as Forças Armadas ucranianas, derrubar o governo do presidente Volodymyr Zelensky e colocar em seu lugar um regime que obedeça à sua orientação e aos seus interesses —, a operação teria de dar certo em 24 horas. Não aconteceu isso — e agora é duvidoso que um governo-fantoche, imposto sem eleições livres e sem que a Rússia tenha o efetivo controle do país, consiga funcionar de verdade. A cada momento, em consequência, foi se criando a necessidade do tipo de ação militar que menos interessa à Rússia — a escalada nos ataques, que deixa o comando sem opção a não ser aumentar cada vez mais a ofensiva, sem a perspectiva de uma data para terminar as operações. Colocar em “alerta” as forças nucleares russas não impressionou ninguém — nem a convocação de Putin para os ucranianos derrubarem o seu governo, com a promessa de se entender com eles logo em seguida. Cada dia sem solução é um dia a mais de baixas militares, de sanções econômicas, de entrada de armas europeias na Ucrânia e de custos cada vez mais pesados. Virou uma guerra de desgaste na qual, tipicamente, encontrar uma saída, e encontrar logo, passou a ser mais importante do que vencer.

2 – O presidente Zelensky mostrou ser um homem de coragem, coisa pouco comum, hoje em dia, na cena internacional. Ao contrário do que fariam nove em dez presidentes latino-americanos, a começar pelos do “campo progressista”, Zelensky não fugiu. (E o primeiro-ministro do Canadá, então? Esse ficou assustado com um movimento de motoristas de caminhão.) O presidente da Ucrânia não correu para Miami ou Havana ao ouvir o barulho da primeira vidraça quebrada, nem se refugiou na Embaixada dos Estados Unidos; não aceitou, nem mesmo, renunciar a seu cargo em favor de algum “governo de união nacional”. Quando os americanos lhe ofereceram transporte para deixar a Ucrânia, disse que não estava precisando de carona, e sim de armas. Até agora, continua onde estava antes da invasão começar.

3 – Oficialmente, como dizem os comunicados de Moscou, a invasão se destina a “desmilitarizar” a Ucrânia, ou seja, a zerar a sua capacidade de atacar ou se defender militarmente. A Ucrânia, obviamente, não ameaça a segurança da Rússia, ou de qualquer outro país — não se trata, portanto, de uma ação de defesa prévia, mas simplesmente uma tentativa de incluir o território ucraniano no perímetro de “segurança” que Putin considera adequado. Esse objetivo já tinha de estar cumprido. Até o momento, entretanto, a invasão tem sido uma série de operações que não decidiram nada de essencial do ponto de vista militar. A Ucrânia, com oito dias de guerra, mantinha controle parcial de seu espaço aéreo. O tráfego na maioria das rodovias foi interrompido por bombardeios, mas uma parte do sistema ferroviário continua a operar. A central de energia elétrica da capital, uma das primeiras coisas a ir para o espaço em qualquer invasão bem-sucedida, permanece em funcionamento há mais de uma semana. Nenhuma grande cidade foi ocupada de fato. O palácio presidencial ainda não foi destruído.

Os russos esperavam que a Europa iria protestar muito e fazer pouco

A performance militar dos russos no campo de batalha, nos dias iniciais da invasão, está sendo muito inferior ao que se esperava. As tropas parecem mal treinadas, mal comandadas, mal motivadas, com logística ruim, planejamento confuso e profissionalismo deficiente. Há perdas pesadas de material e baixas acima do previsto. Segundo o governo da Ucrânia, “9.000 soldados russos” já morreram — o que pode ser propaganda, mas com certeza revela problemas sérios no campo de batalha. A expectativa era de que a Rússia, depois do desmanche de suas Forças Armadas no começo dos anos 1990, teria passado por um processo de modernização em regra, tornando seus efetivos mais tecnológicos, eficazes e enxutos. Não se viu isso até o momento.

A Rússia enfrenta os conhecidos ônus de fazer uma guerra dentro de limites — não está claro o que os oficiais e soldados podem fazer, o que devem fazer e o que estão proibidos de fazer. O certo é que o invasor tem, todos os dias, de se segurar — destrói tudo aqui, não destrói nada ali, espera ordens contraditórias e assim por diante. Os ucranianos, militares e civis, mostraram capacidade de resistir a ataques e atacar de volta, o que não estava previsto. O resultado das incertezas e da resistência é uma multiplicação diária de dificuldades — e o ataque, cada vez mais, a alvos civis. Deveria, em suma, ter sido rápido, eficaz e simples. Está sendo devagar, malfeito e complicado.

4 – A Rússia cometeu um erro de cálculo sério ao subestimar a reação dos países da Europa. Confiantes na sua vantagem como fornecedores de 40% do gás europeu, sobretudo nestes momentos de inverno, os russos esperavam que a Europa iria protestar muito e fazer pouco. Foi o contrário. Alemanha, França e Inglaterra, mais o restante da União Europeia como um todo, responderam à invasão com união inédita, extrema rapidez e intensidade sem precedentes. Mais que os Estados Unidos, que tiveram a reação vacilante, desordenada e fraca que tem marcado as ações do governo do presidente Joseph Biden, a Europa cresceu na frente da Rússia. Junto com os norte-americanos, que vieram vindo no seu embalo, cortou parte dos bancos russos do Swift, o sistema internacional de pagamentos bancários indispensável para mover dinheiro através do mundo. Limitou a movimentação que a Rússia pode fazer dos seus US$ 650 bilhões em reservas de moeda forte. Fez o rublo desabar 40% e os juros na Rússia voarem para 20% ao ano. O alvo não foi só a economia. Fechou-se o espaço aéreo da Europa e dos Estados Unidos para qualquer avião russo — inclusive os jatinhos dos milionários amigos do presidente Vladimir Putin, e uma das suas mais fiéis fontes de apoio. A UE tem mandado armas, munição e equipamento militar para a Ucrânia todos os dias. A Alemanha, principalmente, que a Rússia imaginava numa posição de quase neutralidade por sua dependência energética, tornou-se a militante mais ativa da Europa em favor dos ucranianos. Nenhum líder político europeu mostrou simpatia, compreensão ou espírito de conciliação com a Rússia; a opinião pública, da qual todos dependem para sobreviver politicamente, também é na grande maioria pró-Ucrânia. As represálias europeias e norte-americanas, na verdade, vão muito além da hostilidade econômica em si — a cada dia, elas cortam mais e mais os laços da Rússia em suas conexões com o mundo. Da suspensão de grandes projetos industriais de empresas privadas até a colaboração em programas espaciais, tudo está passando pela tesoura.

5 – A Ucrânia, claramente, não foi demolida no primeiro tiro, mas é igualmente claro que não tem condições de aguentar pelo resto da vida o castigo que está recebendo. O pior aspecto da invasão é o custo para a população civil — ameaçada nas suas vidas, na sua propriedade e nos seus direitos mínimos. Há milhares de mortos e feridos — menos que a guerra-padrão de Terceiro Mundo, mas um choque para a Europa. Faltam alimentos. Famílias estão separadas. Estima-se até agora um total de 800.000 refugiados, que só tende a aumentar a cada dia. Até o momento, curiosamente, os dois países que mais receberam refugiados ucranianos foram a Polônia e a Hungria, justo os dois regimes mais à direita da Europa; os “globalistas” como Alemanha, França e países da Comunidade Europeia em geral adotaram represálias pesadas, mas até agora não começaram a distribuir vistos de entrada. O que existe é uma proposta da Comissão da União Europeia, a ser aprovada por cada um dos membros da comunidade, para conceder aos ucranianos moradia, plano médico, escola, permissão para trabalhar e assistência social durante um período de um ano — com a possibilidade de uma extensão para dois anos, ou três.

A Ucrânia não pode vencer a Rússia no campo de batalha, mas não ficou claro até agora como a Rússia pode ganhar

6 – A opinião majoritária sobre quais as razões centrais que a Rússia teve para invadir a Ucrânia é a decisão, por parte do presidente Putin, de devolver o seu país à situação de superpotência militar e política que exibia em público até os anos 1980. Este é, segundo a maioria das análises, o objetivo estratégico de Putin, que governa com um status de presidente vitalício: uma nova Rússia, equivalente à antiga União Soviética das “15 repúblicas” — na verdade, intendências governadas por Moscou e das quais a Ucrânia fazia parte até o regime começar a se desmanchar com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Putin quer a Rússia que alegava ter o mesmo poder dos Estados Unidos, era capaz de impor sua política aos vizinhos da Europa e exercia uma voz de influência no resto do mundo, incluindo a China.

As realidades, até o momento, indicam que esses planos estão muito mais no terreno da imaginação do que de um programa político viável do ponto de vista prático. Voltar à URSS das “15 repúblicas” é mais ou menos como pretender que a Argélia volte a ser da França, ou que a Inglaterra volte a governar a Índia — não dá mais, simplesmente, em 2022. As complicações da invasão da Ucrânia, por outro lado, mostraram os limites dessas teorias geopolíticas grandiosas. A Ucrânia não pode vencer a Rússia no campo de batalha, mas não ficou claro até agora como a Rússia pode ganhar. Mesmo que Putin realize os seus objetivos declarados, a Ucrânia não vai ser anexada de volta ao território russo. Pode perder partes do seu território, mas não voltará a ser o que era — nem o próprio Putin, em qualquer uma de suas manifestações, disse algo assim. URSS, outra vez? No momento não está dando para ter de novo nem a Ucrânia; imagine-se, então, remontar o mapa inteiro. Também não se explicou o que adianta ser uma superpotência se não dá para ganhar no ato nem uma guerra com a Ucrânia — um país pouco maior que o Estado de Minas Gerais, e com um PIB dez vezes menor que o do Brasil. Se a Rússia tem trabalho com a Ucrânia, como seria com a Alemanha, por exemplo?

Fica em aberto, junto com essas dúvidas, uma outra questão objetiva: o que a Rússia vai efetivamente ganhar com essa guerra, mesmo com vitória oficial a curto ou médio prazos. Daqui um ano, por exemplo: a Rússia estará mais forte, mais segura ou mais rica do que hoje? 
Terá mais aliados? 
Tirar um pedaço do território da Ucrânia resolve alguma coisa? 
Para a população russa, especificamente: melhora o quê, na vida real? 
Os magnatas que controlam a economia russa e fornecem uma clara base de apoio para Putin, junto com as Forças Armadas e o seu partido político, vão ficar mais milionários do que já são? 
No momento não estão mais conseguindo nem ter um time de futebol na Premier League.

7 – Invasões armadas são coisas difíceis de fazer hoje em dia. Já foi o tempo em que a Rússia invadia a Hungria ou a Checoslováquia e tudo se resolvia com a passagem do primeiro tanque. Não mais. Antes de se desfazer como URSS, por sinal, a Rússia invadiu o Afeganistão, no começo dos anos 1980; ficou lá durante anos a fio e perdeu a guerra. Ainda agora, em 2014, invadiu a mesma Ucrânia. Não resolveu nada, já que oito anos depois está tendo de invadir de novo. Guerras que se podem fazer à vontade, em nosso tempo, são apenas nos fins do mundo que não incomodam ninguém. Em países da Europa não existe mais solução imediata.

Leia também “A Ucrânia resiste”

Revista Oeste - Edição 102 

 


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

A viagem de Bolsonaro à Rússia e a normalidade burocrática - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo

Visita do presidente estava marcada há muito tempo. Mas tentaram fazer as pessoas acreditarem nas possibilidades mais extravagantes

Não é a primeira vez em tempos recentes, e nem deve ser a última, que a opinião pública mundial é levada a acreditar, por força de algum repente neurótico de governos em busca de causas, que o mundo vai acabar daqui a quinze minutos. A assombração que levantam é de mais uma “guerra” nos 
Estados Unidos, na Europa e de preferência no planeta inteiro.
Trata-se de uma impossibilidade material; guerra de verdade, no século XXI, é coisa privativa de país subdesenvolvido. Mas nada detém o impulso de criar pânico, e por conta disso temos essa gritaria histérica que se
formou em torno da “invasão” da “Ucrânia” pela “Rússia”.
Alguém invadiu alguém, com tropa, tanque e bomba atômica? Não. Poderia ter invadido? Não. Resultado: quem se preocupou com isso perdeu completamente o seu tempo.

Foi a mesma coisa, tempos atrás, quando a Coreia do Norte ia disparar o seu “arsenal nuclear” em cima de Nova Iorque e Donald Trump ia apertar um botão capaz de detonar não só a Coreia e vizinhanças, como o resto da Terra. Na ocasião, os “analistas internacionais”, esses que a televisão chama para falar depois do horário nobre, garantiam, com caras de agente funerário, que a “guerra mundial” estava ali, batendo na porta. A humanidade, lamentavam, estava à beira de ser destruída por dois débeis mentais que para a nossa desgraça, comandavam sabe lá Deus quantos mísseis e outras armas de “destruição em massa”.  Não aconteceu rigorosamente coisa nenhuma, como não poderia mesmo ter acontecido, e hoje ninguém se lembra mais do assunto. Coreia do Norte? Trump?

Foi a vez da Rússia e da Ucrânia, nesses últimos dias. Os “peritos em política externa” vem prometendo, com toda a seriedade do mundo, uma guerra mundial — mais uma — por divergências militares na Europa. A Ucrânia quer entrar na organização armada que existe para “conter” a Rússia. A Rússia não quer que ela entre; levou tropas para fronteira, exibiu fotos de tanques de guerra andando pelas estradas, e o resto do roteiro que se escreve para esse tipo de ocasião. É óbvio que a Ucrânia se declarou disposta a mudar de ideia, a Rússia deu uma recuada nas tropas e o que sobrou foi o presidente Joe Biden, que passou os últimos dias tentando representar o papel do xerife que vai defender os coitadinhos, dizendo que a invasão “ainda pode acontecer”. Daqui a pouco ele desiste, a mídia vai mudando de assunto e o público em geral fica no prejuízo — ameaçado, mais uma vez, por um monte de nadas.

A excitação nervosa, nesta guerra anunciada e não entregue, ganhou um reforço particularmente cômico, com a visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia. Até uma criança de dez anos de idade sabe que uma viagem dessas não é marcada de véspera, com a intenção expressa de coincidir com um bate boca militar entre governos; tem de ser preparada longamente, e estava marcada há muito tempo. Mas tentaram fazer as pessoas acreditarem nas possibilidades mais extravagantes. Bolsonaro seria um irresponsável, ao “jogar o Brasil” no meio de uma “guerra entre potências estrangeiras”. Ou, ao contrário, seria um demagogo, querendo fingir que sua visita à Rússia segurou a barra geral, e evitou um “conflito armado” — mais ou menos como Lula e o seu “acordo de paz”, anos atrás, entre o Irã e ninguém. Falaram, com todas as letras, que “se” não estourasse a guerra durante a visita — assim mesmo, com esse “se” — o Brasil teria tido muita sorte, e outras bobagens do mesmo tamanho. Como seria possível pensar a sério que a Rússia, ou qualquer outro país, vai se preocupar com Bolsonaro para começar ou não uma guerra?

É óbvio que a visita se passou na normalidade burocrática de sempre. É esperar, agora, pela próxima crise mundial.

J. R.Guzzo,  colunista - O Estado de S.Paulo