Empresários e doleiros sumiram de cena e provocaram
até crise diplomática
Um
pequeno grupo de empresários e doleiros lançou um desafio à força-tarefa da Operação
Calicute (versão da Lava-Jato no Rio): prenda-me se for capaz. São
17 investigados que desapareceram de cena, passando à condição de foragidos
desde que o juiz Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Federal Criminal do
Rio, assinou os seus pedidos de prisão. Da
relação, só há certeza sobre o paradeiro de três deles: Arthur Soares, o Rei
Arthur, empresário que o governo americano reconheceu estar em seu território,
e Felipe Paiva e José Carlos Lavouras, ambos refugiados em Portugal por terem
cidadania lusitana. Paiva e Lavouras, inclusive, são pivôs de uma crise entre
as autoridades brasileiras e portuguesas porque, até o momento, o país europeu
não tomou providências contra eles com base nas provas remetidas pela
força-tarefa.
No
esforço de levar o grupo para trás das grades, a Lava-Jato incluiu os 17 nomes
na difusão vermelha da Interpol (alerta internacional para fins de extradição)
e busca acordos de cooperação internacional. Os casos mais frustrantes são
justamente os que envolvem foragidos com paradeiro conhecido, mas que seguem a vida
sem incômodos. Os procuradores da República no Rio cobram dos colegas
portugueses o cumprimento da Convenção de Palermo (IT) sobre o crime organizado
transnacional, que estabelece como dever dos estados colaborar amplamente, em
especial sobre extradições, ou, não sendo possível, a deflagração da
investigação no país onde a pessoa está refugiada.
Com
cidadania portuguesa, José Carlos Lavouras estava no país europeu quando a
operação aconteceu. Foi preso pela Interpol, mas solto pela Justiça local sob o
compromisso de se apresentar diariamente. Lavouras, empresário do setor de
transportes, e Paiva, dono de um badalado restaurante carioca, dividem com Rei
Arthur, o empreiteiro que fez fortuna no governo Cabral, e o doleiro Dario
Messer, apontado como o “doleiro dos doleiros”, a condição de nomes mais
expressivos da lista de foragidos. Outro personagem que chama a atenção é o
doleiro Chaaya Moghrabi, o Monza, ex-funcionário do Banco Safra delatado pelo
doleiro-colaborador Cláudio Barbosa, o Tony, que, em parceria com Vinícius
Claret, o Juca Bala, lavava do Uruguai o dinheiro de Cabral.
O APELIDO
MONZA
A
investigação, sustentada por provas fornecidas pelo colaborador, já demonstrou
que Moghrabi é o campeão da movimentação de dólares no sistema de contabilidade
paralelo gerenciado por Juca e Tony. Pelos dados apreendidos pelo Ministério
Público Federal (MPF), estão atribuídos a seu nome cerca de US$ 240 milhões. No
sistema, Moghrabi é apelidado pelos doleiros de Monza porque, em 1997,
envolveu-se numa operação suspeita de compra de um carro desse modelo do
ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta.
No caso
de Arthur Soares, dono da Facility e amigo de Cabral, as autoridades dos
Estados Unidos já admitiram a presença do empresário em território americano.
Porém, não houve avanço em acordo de cooperação. Na força-tarefa brasileira,
também não há certeza sobre quem, em Portugal, estaria cuidando do paradeiro de
Lavouras e Paiva. Até agora, o país europeu não informou se designou uma equipe
responsável pela atuação, não bloqueou ativos ou abriu investigação. O GLOBO
entrou em contato com o Ministério Público português, que não quis se
manifestar sobre o assunto. A
localização dos demais foragidos, a maioria doleiros, está a cargo da Polícia
Federal (PF). A demora em agir aumenta a tensão entre os procuradores da
República, delegados e agentes.
Foragido
desde 6 de setembro de 2017, alvo da Operação Unfair Play, Rei Arthur é
suspeito de integrar o esquema criminoso de Cabral e teria ajudado o
ex-governador a corromper autoridades internacionais na escolha do Rio como
sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Arthur Soares ganhou notoriedade durante os
dois mandatos do ex-governador (2007-2014) à frente do grupo Facility,
posteriormente rebatizado de Prol, formado por empresas que fecharam R$ 3
bilhões em contratos para fornecer serviços de limpeza, segurança, alimentação
e na área da saúde.
Arthur
Soares tem contra ele e sua sócia, Eliane Pereira Cavalcante, mandados de
prisão preventiva. Os dois são acusados de lavar parte do dinheiro do esquema a
partir de uma sofisticada operação envolvendo offshores nas Ilhas Virgens
Britânicas e contas nos Estados Unidos e Antígua e Barbuda. Já Dario
Messer, foragido desde abril, é o principal alvo da Operação Câmbio, Desligo —
que mandou prender 44 doleiros e empresários acusados de participar de uma rede
que movimentou ilegalmente US$ 1,6 bilhão por meio de 3 mil offshores sediadas
em 52 países. A suspeita é que ele esteja no Paraguai, onde tem cidadania. O
presidente paraguaio, Horacio Cartes, é amigo de Messer e já o chamou de “irmão
de alma”. O nome do doleiro foi incluído na lista da Interpol. José
Carlos Lavouras, ex-conselheiro da Fetranspor e considerado o foragido mais
longevo da força-tarefa desde a deflagração da Operação Ponto Final, em julho
de 2017, chegou a ser preso em Portugal, mas logo em seguida foi beneficiado
por ser cidadão português.
Em acordo
de delação premiada, o doleiro Álvaro José Novis contou que, em 1990 ou 1991,
foi procurado por Lavouras para ajudar no recolhimento dos valores. Ele seria o
responsável por organizar a arrecadação dos recursos, pagos pelos empresários
ligados à Fetranspor. Um dos
alvos da operação Pai Nosso, deflagrada em março deste ano, Carlos Felipe
Paiva, dono do Esch Café, é apontado pelos investigadores como coordenador dos
pagamentos de propina em troca de contratos para o fornecimento de alimentação
aos presídios do estado.
UMA LONGA
LISTA:
Outros 14
foragidos da Lava-Jato no Rio: Carlos Felipe da Costa Almeida de Paiva, dono da
rede de cafés Esch; Bruno Farina, doleiro que está foragido no Paraguai e mora
no mesmo condomínio de Dario Messer; Claudine Spiero, que já foi condenada por
operação ilegal de moeda; doleiro René Maurício Loeb, que deixou o Brasil em
abril em um cruzeiro rumo à Alemanha; além dos doleiros Ernesto Matalon,
Patricia Matalon,Bella Kayreh Skinazi, Chaaya Moghrabi (Monza), Diego Renzo
Candolo (Zorro), Wu Yu Cheng (Molleja), Richard Oterloo (Xou), Carlos Alberto
Braga de Castro (Algodão), Alberto Cesar Lisnovetzky (Telê) e Wander Bergman
Vianna.