A anulação de condenações só esbarra num tipo de obstáculo. Quando há algo muito evidente, um rastro impossível de apagar
Agora que o Judiciário está numa onda de anular sentenças da Lava-Jato, em especial, e de processos de corrupção, em geral, o ex-senador Fernando Collor enfrenta no STF um julgamento na direção contrária. Na próxima semana, o Supremo retoma a análise de um caso que vem lá da Lava-Jato, um subpetrolão, em que Collor é acusado de receber propinas em contratos da BR Distribuidora de 2010 a 2014.
A defesa alega inocência. O relator, ministro Edson Fachin, ainda não votou, mas deu sinais de que condenará o ex-senador, por receber e lavar cerca de R$ 26 milhões. E lavar em carros de luxo — Ferrari, Lamborghini, Bentley, Land Rover e Porsche —, casa e obras de arte. Os carros chegaram a ser apreendidos — o processo vem de 2017 —, mas já foram devolvidos.
Continuam, entretanto, sendo um problema para Collor. O atual movimento de anulação de condenações só esbarra num tipo de obstáculo. Ocorre quando há algo muito evidente, um rastro impossível de apagar.
Lembram-se das fotos mostrando malas e caixas de papelão abarrotadas de dinheiro no bunker de Geddel Vieira Lima, em Salvador? Somavam nada menos que R$ 51 milhões. Geddel foi condenado a 14 anos, cumpriu quatro, ganhou liberdade condicional, a condenação foi anulada, ele voltou à política, mas continua um réu condenado. Questão: o que fazer com aquela montanha de dinheiro?
Sérgio Cabral já está solto, a Lava-Jato do Rio foi desmontada, sentenças vêm sendo anuladas, mas tem problema: o ex-governador confessou e, pior, devolveu dinheiro. Uma casa foi leiloada, e o estado embolsou quase R$ 7 milhões. Se for tudo anulado, o que se faz? Devolve-se tudo para Cabral?
Há outro caso importante e pendente no STF: a ação penal contra o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, por suspeita de corrupção passiva. Aceita em 2019, a ação está parada desde novembro de 2020, quando o ministro Dias Toffoli pediu vista. Pelas novas regras da Corte, o processo deverá voltar à pauta até junho.
O caso, visto hoje, é fraco. Começa quando um ex-assessor parlamentar foi pego transportando pouco mais de R$ 106 mil em dinheiro vivo. O montante deveria ter sido entregue a Lira, diz a acusação. O dinheiro existe, mas seu destino fica na condicional, deveria... teria... Tanto nos meios políticos quanto jurídicos, se dá como praticamente certo que o processo será anulado. A defesa pede exatamente isso, anulação pela circunstância de o caso ter sido levantado em delação premiada.
Sem qualquer juízo de valor sobre este processo — problema do STF —, as delações, prática desenvolvida com a Lava -Jato, estão hoje em desuso. Os métodos da Lava-Jato foram desmoralizados com o fracasso da operação. O “ativismo jurídico” de promotores e juízes da Lava-Jato deu lugar à ênfase no “devido processo legal”.
É evidente que, numa democracia de verdade, todo mundo deve ser julgado conforme as regras sagradas do Direito.
Mas resta um problema: como essas regras e normas são praticadas? Como é possível que se passe de uma onda de processos contra corrupção, com tantos casos evidentes, para uma onda de anulações, com base no devido processo legal? Dá uma impressão estranha. Parece que, se não nas normas, na prática o Direito Penal brasileiro tem favorecido uma situação bastante frequente. São os processos que acabam assim: o réu não é nem culpado nem inocente, simplesmente seu caso é anulado.
Acrescente-se outra circunstância: juízes de diversas instâncias mudando radicalmente de opinião, da punição à anulação. Sim, quando os fatos mudam, as interpretações também mudam. Tanto assim?
Dizem: havia muitos inocentes processados indevidamente. Certo. Mas também deve haver muitos culpados que se safaram nesse ambiente, não é mesmo?
Quando grandes empresários começaram a ser apanhados, um deles, do setor financeiro, advertiu numa reunião de diretoria:
— Cuidado, porque agora todos podem ser presos.
E acabou detido.
Está solto, também.