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quarta-feira, 8 de abril de 2020

Hamburgo, 1892 - No século 19, negacionismo dos notáveis de Hamburgo durou pouco, até elite ser vítima da doença - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

O andar de cima sabia mais, e assim a cólera matou 10.000 pessoas na última epidemia do bacilo na Europa


No século 19, negacionismo dos notáveis de Hamburgo durou pouco, até elite ser vítima da doença     

Há os conservadores e há os atrasados, mas os comerciantes e banqueiros de Hamburgo achavam que eram conservadores iluminados, mas eram também atrasados. Em agosto de 1892, a cidade era administrada pela plutocracia local. Tinha o maior porto da Alemanha e macaqueava os ingleses. Morreu gente nos bairros pobres, mas não podia ser cólera, pois essa peste já teria sido controlada na Europa. 

A cidade tinha lindos prédios, mas não havia começado a obra para tratar sua água. Em 1871 seus notáveis haviam recusado a obrigatoriedade da vacina contra a varíola, porque ofenderia o direito das pessoas. (33 anos depois, Rui Barbosa usou o mesmo argumento, estimulando a rebelião de alguns militares e a maior revolta popular do Rio de Janeiro.) Tudo em nome dos princípios do liberalismo político e econômico que administrava a cidade.

Os plutocratas de Hamburgo acreditavam que a cólera disseminava-se por miasmas do ambiente, mais perigosos nos bairros de gente pobre e suja. Nove anos antes, o médico Robert Koch havia demonstrado que a cólera era transmitida por um bacilo e circulava com a água. Como eles acreditavam nos vapores, recusaram-se até a endossar a obrigatoriedade de fervê-la. (Em 1904, quando Oswaldo Cruz fumegava as casas do Rio para matar o mosquito da febre amarela, vários médicos ilustres insistiam na teoria do miasma.)

Até o verão de 1892 os plutocratas de Hamburgo entendiam que tudo dependia da higiene individual. O negacionismo dos notáveis durou pouco, até que começou a morrer gente no andar de cima. A imprensa havia evitado o assunto e a imediata instituição de uma quarentena foi descartada, pois prejudicaria os negócios. Quando as ruas estavam tomadas por cadáveres, o governo de Berlim mandou Robert Koch a Hamburgo e ele contou: “Senhores, eu esqueci que estava na Europa”. Oito anos antes, Nápoles, velha cidade insalubre com seu porto, havia derrubado a cólera com uma quarentena.

Uma médica americana que estava em Hamburgo escreveria: “Treze epidemias leves não haviam conseguido mostrar aos governantes da cidade que deveriam botar a casa em ordem.” A história dessa epidemia, com dez mil mortos, foi contada pelo historiador inglês Richard Evans (“Death in Hamburg: Society and Politics in the Cholera Years, 1830–1910.” De 1988, infelizmente só existe em papel.)

Sir Richard evitou atribuir o desastre a um mero interesse econômico. Ele foi mais fundo, mostrando que as opiniões dos médicos não são autônomas, mas têm raízes e funções sociais. Os donos das teorias do miasma eram médicos, como o doutor Osmar Terra. Aos 72 anos, numa entrevista ao repórter Isaac Chotiner, Evans rebarbou a teoria segundo a qual ditaduras e democracias lidam com epidemias de maneiras diferentes.

“[Epidemias] exigem grandes intervenções dos governos. Seja qual for a sua forma, seja qual for o tipo do Estado ou o partido que está no poder. De certa maneira, é a epidemia quem dá as cartas.”  Hoje, na praça em frente à Bolsa e à prefeitura de Hamburgo, um monumento lembra os mortos da epidemia de cólera. Ele foi esculpido em 1896. Oito anos depois, no Brasil, ainda se falava em miasma. O presidente Rodrigues Alves e o médico Oswaldo Cruz tiveram que enfrentar uma revolta contra a vacina obrigatória. Grande presidente, esse Rodrigues Alves.

Folha de S. Paulo - O Globo - Elio Gaspari, jornalista


quarta-feira, 18 de março de 2020

De Rodrigues.Alves@com para Bolsonaro - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo


A varíola foi extinta, mas a ambição dos homens é mal incurável

É o presidente quem desafia as autoridades sanitárias, buscando fortalecer-se politicamente pelo menoscabo de uma pandemia 

Senhor presidente,
No domingo esteve aqui o Oswaldo Cruz, assombrado. Ele viu como o senhor vem se comportando diante da pandemia do coronavírus. Repito o que ouvi dele: “Coisa de pajé, de benzedeira”. O Oswaldo, com sua formação alemã, é um homem de palavras duras, mas creio que ele não exagera.


Escrevo-lhe com autoridade. Vosmecê está na cadeira em que estive de 1902 a 1906. Eu deveria ter voltado à Presidência em 1918, mas peguei a Gripe Espanhola e morri. Durante meu governo, com a ajuda do Oswaldo, instituí a vacina obrigatória contra a varíola e livrei o Rio de Janeiro dessa moléstia. Hoje isso pode lhe parecer coisa trivial. Havendo uma doença, vacina-se o povo, e está tudo resolvido. Vosmecê não tem ideia do que enfrentamos. Misturaram-se pajés de segunda, médicos renomados, políticos oportunistas e até mesmo militares indisciplinados, formando aquilo que veio a ser chamado de a “Revolta da Vacina”. Atente, capitão, em 1904 nosso Brasil teve uma revolta popular contra uma vacina.

Seria razoável supor que a plebe não entendesse a importância da medida, mas lembro-lhe que jornalistas de prestígio e até mesmo Rui Barbosa combateram a iniciativa. Faziam-no porque tinham interesses políticos. Queriam enfraquecer, ou até mesmo derrubar o presidente. Planejaram dinamitar meu trem, e chegaram a recrutar um cadete para o atentado. Em novembro eles tentaram um golpe, e duas colunas de soldados aproximaram-se do palácio. Houve quem me propusesse abandoná-lo. Dispensei meus familiares e mandei atirar. Morreram 30 pessoas, e a revolta esvaiu-se.

Para Vosmecê, que não gosta de ativismos populares, vale a memória de que a maior revolta popular ocorrida no Rio de Janeiro derivou de uma articulação oportunista que manipulou a ignorância. A vacina era um pretexto. O que eles queriam era o poder. A varíola foi extinta, mas a ambição dos homens é mal incurável.  Agora, pelo que me mostrou o Oswaldo, estamos numa situação inversa, é o presidente quem desafia as autoridades sanitárias, buscando fortalecer-se politicamente pelo menoscabo de uma pandemia. Regredimos, capitão. Duvido que o senhor tenha tomado suas atitudes por conhecimentos médicos. O senhor deve entender de vírus tanto quanto os pajés entendiam de vacina.

O Oswaldo era um homem de ideias modernas. Eu não, nunca fui abolicionista nem republicano, mas isso não significava que fosse um ignorante. Tinha perdido duas filhas, uma para o tifo e outra para a febre. Muitos anos antes, o tifo matara o Marquês de Paraná, e a febre levara Bernardo Pereira de Vasconcelos, dois brasileiros maiores que nós.  Quis o Padre Eterno que eu morresse numa epidemia. Logo eu, que dei mão forte ao Oswaldo para sanear o Rio de Janeiro. A vacina abateu a varíola. Os mata-mosquitos, autorizados a entrar nas casas, controlaram a febre amarela. Em um ano o número de vítimas caiu de 548 para 54.

É verdade que, aos 70 anos, eu era um velhinho e vivia resfriado. No seu Brasil, gente como eu precisa de orientação e isolamento. Pelo que me contam, os governadores e seu ministro da Saúde estão agindo direito. A única voz dissonante tem sido a sua.

Despeço-me respeitosamente, do seu

Francisco de Paula Rodrigues Alves.

Folha de S. Paulo - O Globo - Elio Gaspari, jornalista




quarta-feira, 4 de março de 2020

Tereza e Mandetta, dois êxitos - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo 


Tereza e Mandetta, dois êxitos num governo que vive em loucas cavalgadas para nada 

Eles são apenas normais. Cuidam do expediente e evitam brigas públicas

Tereza Cristina e Luiz Henrique Mandetta são dois ministros de Jair Bolsonaro que abrem a quitanda às seis da manhã com berinjelas para vender e troco para as freguesas. Ela, desde os seus primeiros dias no Ministério da Agricultura. Ele, na Saúde, administrando o problema do coronavírus. Pode-se discordar de algumas de suas ideias, ou mesmo de todas, mas deve-se reconhecer que fazem seus serviços. Ambos pertencem à escola do centroavante Dario (o preferido do general Emílio Médici para a seleção de 1970). Numa época em que se falava muito em problemática, ele informou: “Eu dou a solucionática”.




A biografia e o comportamento de Tereza Cristina e Mandetta são uma aula de política e de administração. Começando pela biografia. Ela vem da cepa oligárquica dos Corrêa da Costa. Desde a Regência, eles governaram Mato Grosso 11 vezes. Sabe-se lá quando a primeira Corrêa da Costa conseguiu um diploma universitário, mas Tereza Cristina formou-se em Engenharia Agronômica e tocou sua empresa. Mandetta vem de uma cepa neo-oligárquica, primo de senador, de deputado e do prefeito de Campo Grande. Um irmão meteu-se em negócios com o rei do jogo no estado. Ele formou-se em Medicina, é ortopedista, trabalhou em hospitais e dirigiu a Unimed de seu estado.

Os dois foram deputados. A atividade parlamentar obriga a ouvir e negociar. Um deputado pode saber que tem razão e que está sendo contraditado por um larápio ignorante, mas aprende a se comportar como se estivesse diante de Rui Barbosa. O Congresso educa, mesmo não se podendo dizer que o deputado Bolsonaro tenha aprendido muita coisa. Lá, o vencedor tonitruante é um bobo. (Eduardo Cunha ganhou todas, está em Curitiba.) [Eduardo Cunha foi esperto demais, não encontraram em seus atos nenhuma bobagem, só que ele roubou, forneceu munição aos adversários políticos.
Bolsonaro, não conseguiram acusá-lo de nenhum roubo, apesar de todo o esforço que os inimigos fizeram, fazem e pretendem continuar fazendo.
Bolsonaro enquanto todos computam que ele perdeu, ele consegue exatamente o que quer = o que o Brasil precisa.]
Esses dois ministros bem-sucedidos trabalharam em rotas diferentes. Ela, costurando por dentro, acalmou os ânimos com a China e reabriu o mercado americano para a carne brasileira. Carrega o piano sabendo que tem agrotrogloditas por perto e um ministro do Meio Ambiente que repete coisas que não deveria nem ouvir.

Diante do coronavírus, Bolsonaro entrou em campo dizendo que custaria muito caro repatriar os brasileiro que estavam na China. Fez isso depois de se reunir com quatro ministros. Mandetta (que não estava na reunião) coordenou com clareza as ações do seu ministério e valorizou os profissionais dos estados. Além disso, passou mais tempo diante das câmeras falando do coronavírus do que o general da reserva Augusto Heleno e o doutor Paulo Guedes em todas as suas vidas. Não criou atritos e satisfez quem o ouviu. [Por essas e outras é que defendemos que o presidente da República só se manifeste via porta-voz; entrevistas sempre com hora marcada e perguntas por escrito.
Bolsonaro foi eleito para presidir, governar o Brasil - sem que o Congresso e o STF, atrapalhem.
Um comentário nosso, errado, não atrapalha e nem tem influência nos rumos do Brasil - mesmo assim, tentamos, com razoável êxito,  não errar. 
Uma vírgula errada,  em um frase do presidente Bolsonaro, pode causar sérios prejuízos do Brasil - especialmente nas entrevistas de corredor. ]

Tereza Cristina e Mandetta estão fora da linha de exibicionismo e evangelização que enferruja o governo. Com jeito de quem não queria nada, o ministro da Saúde disse que a construção relâmpago de um hospital na China foi um exagero e que lavar as mãos é proteção mais eficaz do que o uso de máscaras.
Ao estilo Guedes-Heleno, poderia ter dito o seguinte:
“O que os chineses fizeram foi uma palhaçada típica dos regimes comunistas (Heleno) e social-democratas (Guedes). Brasileiro tem que aprender a lavar as mãos (ambos).”
Isso para não se falar no que diria Abraham Weintraub: “Petistas estão indo aos hospitais simulando sintomas para provocar pânico na população”. [Um esclarecimento e um mea culpa: 
- é típico dos militontos petistas, a quase totalidade adepta do 'quanto pior, melhor', fazer tudo para atrapalhar o governo Bolsonaro.
São capazes de espancar a própria mãe, para ela ocupar uma vaga, já escassa, em um hospital.
- O 'mea culpa': temos opinião contrária a recambiar brasileiros que porventura estejam contaminados com o coronavírus e nossa posição tem amparo no péssimo atendimento da Saúde Pública no Brasil. O pior no Rio e o segundo o de Brasília/DF, mas no que depender do Ibaneis logo toma o lugar do Rio.
A última do ainda governador do DF: está prometendo construir um hospital público para os servidores do GDF, só que há mais de um ano ele prometeu construir um hospital em Ceilândia e até hoje sequer começou as obras de terraplanagem, devido a que ainda não sabe onde construir o nosocômio.]
Já o ministro Sergio Moro chegaria para a entrevista coletiva dirigindo uma ambulância. Pode parecer que Tereza Cristina e Mandetta são excêntricos, mas excêntricos são os tempos em que se vive. Eles são apenas normais. Cuidam do expediente e evitam brigas públicas. Num governo que vive em loucas cavalgadas para nada, isso até espanta.

Folha de S. Paulo - O Globo - Elio Gaspari, jornalista




segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

O futuro do Supremo - O Estado de S. Paulo



Por Luiza Oliver 

O Estado de Direito sentirá falta de ministros terrivelmente corajosos e garantistas

Quando o general Villas Bôas, em abril de 2018, ameaçou uma intervenção do Exército caso o Supremo Tribunal Federal (STF) concedesse determinado habeas corpus, o ministro Celso de Mello repudiou veementemente as falas, qualificando-as de “claramente infringentes do princípio da separação de Poderes” e alertando: “Parecem prenunciar a retomada, de todo inadmissível, de práticas estranhas (e lesivas) à ortodoxia constitucional”. [o general Villas Bôas não ameaçou ninguém, apenas lembrou,  aos que estavam propensos a privilegiar um garantismo sem sentido,  a vontade do povo brasileiro;
Felizmente seu lembrete foi ouvido pelos próprios pares do decano do STF, que limitou a resmungar sobre uma suposta, e improvável, falta de receptividade ao oportuno recado do então Comandante em Chefe do Exército Brasileiro.]
Também quando Eduardo Bolsonaro ameaçou fechar o Supremo, o decano da Corte veio a público para dizer que “essa declaração, além de inconsequente e golpista, (...) só comprometerá a integridade da ordem democrática e o respeito indeclinável que se deve ter pela supremacia da Constituição da República”. Já quando o mesmo Eduardo Bolsonaro ameaçou com a edição de um “novo AI-5”, o ministro Marco Aurélio Mello alertou para os “tempos mais do que estranhos quando há essa tentativa de esgarçamento da democracia. Ventos que querem levar os ares democráticos”. [todas as manifestações acima destacadas das supremas excelência apenas seguem o lugar comum de: tudo que é dito pelo presidente Bolsonaro, por seus filhos e por ministros do atual Governo sempre procura acusar a manifestação de ilegal, de golpista, etc, etc.]
Mais recentemente, quando o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, tuitou um vídeo comparando o STF a uma hiena, o ministro Celso de Mello, em carta pública, lembrou que “nem mesmo o presidente da República está acima da autoridade da Constituição e das leis da República”, por não ser “um monarca presidencial (...) com poderes absolutos e ilimitados”.  Ambos os ministros se aposentam nos próximos anos. A saída de juízes de tamanha envergadura, coragem e técnica seria lamentosa em qualquer cenário. Mas no contexto atual é alarmante. 

Caminhamos a passos largos para o negligenciar de garantias básicas pelo Poder Judiciário. Princípios consagrados há décadas vêm, repetida e crescentemente, sendo desrespeitados e flexibilizados em prol de um discurso punitivista midiático. A Operação Lava Jato, em que pesem os inegáveis avanços que possibilitou, abriu as portas para toda sorte de abusos. Criou-se uma “casta” de promotores, procuradores e juízes que, travestindo-se da figura de heróis, vão na contramão do que o ministro Marco Aurélio lembra há tempos: no processo penal os fins jamais justificam os meios.[uma 'casta' de promotores, procuradores, juízes, ministros, até que é aceitável e podemos dizer que seria bons frutos da Operação Lava Jato;
o que entristece, é ver que o Supremo criou também uma 'casta', a dos criminosos intocáveis, que mesmo condenados até em 3ª instância continuam em liberdade.]

Garantir que a lei seja cumprida e que os direitos individuais sejam respeitados virou ofensa, pecha de mau juiz ou de conivente com a corrupção. O Judiciário teme a opinião pública e tem se tornado refém dela. Ao longo dessa perigosa escalada de autoritarismo, o Supremo tem tido o papel fundamental de frear os excessos do Estado. Os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello são expoentes desse movimento e vozes firmes na manutenção do Estado de Direito. Ainda em 2013, no rumoroso caso do mensalão, o decano da Corte declarava: “Em 45 anos de atuação na área jurídica, como membro do Ministério Público e juiz do STF, nunca presenciei um comportamento tão ostensivo dos meios de comunicação social buscando, na verdade, pressionar e virtualmente subjugar a consciência de um juiz”. 

De lá pra cá a coisa só piorou. O Supremo tem enfrentado a fúria punitivista das ruas, é alvo de protestos e de passeatas que, sob o slogan “vem para a rua salvar a Lava Jato”, bradam contra a Corte, contra os ministros que julgam de maneira diversa de parte da opinião pública, ainda que na estrita aplicação da lei e da Constituição. [será que os integrantes dos protestos e passeatas não são apenas pessoas de bem, brasileiros, trabalhadores, contribuintes e que estão apenas cansados de tanta impunidade, de ver que os criminosos endinheirados sempre se dão bem?
será que eles não são apenas brasileiros que se sentem a vítima do 'discurso das nulidades', de Rui Barbosa?]
De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus... Frase de Rui Barbosa.

O STF e seus membros se tornaram, assim, alguns dos principais alvos do “ódio cego e visceral”, da “irracionalidade do comportamento humano e do fundamentalismo político”, como ressaltou Celso de Mello ao responder a manifestação de uma advogada que, por discordar de uma decisão do pleno do Supremo, pedia: “Estuprem e matem as filhas dos ordinários ministros do STF”. Parte da população busca, no grito e pela via do Judiciário, alterar leis democraticamente votadas por representantes do povo inteiro. Num cenário fervente como esse, mais do que nunca é necessário ter o que o ministro Gilmar Mendes qualificou como a mais importante característica de um magistrado: coragem. Conforme lembrou quando ainda exercia a presidência da Corte (2008), a “jurisdição constitucional é um modelo antimajoritário. Quem quiser exercer essa função tem que ter coragem de arrostar aquilo que se chama de opinião pública em um dado momento”. 

Foram muitos os exemplos de coragem dados por ambos os ministros ao longo de toda a sua judicatura, mais especialmente nos rumorosos feitos julgados nos últimos anos pela Suprema Corte, sob o escrutínio fervoroso da mídia e da opinião pública, que, ao vivo e em cores, acompanham os julgamentos pela TV Justiça. Basta lembrar seus votos nos casos relativos às conduções coercitivas, à competência da Justiça Eleitoral, à prisão em segundo grau, ao sigilo dos dados do Coaf e à necessidade de respeitar a ordem das alegações finais. Em que pese a enorme pressão popular por decisões contrárias ao texto da lei e da Constituição, os votos de ambos pautaram-se pela tecnicidade e pela serenidade. Tiveram a coragem de julgar de acordo com a lei. Coisa rara atualmente. 

Como disse o ministro Celso de Mello em seu voto proferido no julgamento relacionado às prisões em segunda instância, o STF constitui, “por excelência, um espaço de proteção e defesa das liberdades fundamentais” e seus julgamentos, “para que sejam imparciais, isentos e independentes, não podem expor-se a pressões externas, como aquelas resultantes do clamor popular e da pressão das multidões, sob pena de completa subversão do regime constitucional dos direitos e garantias individuais e de aniquilação de inestimáveis prerrogativas essenciais que a ordem jurídica assegura a qualquer réu mediante instauração, em juízo, do devido processo penal”. A importância institucional de ambos os ministros vai muito além dos votos que proferem. O Estado de Direito sentirá falta de ministros terrivelmente corajosos e garantistas. 

Luiza Oliver, advogada criminalista - O Estado de S. Paulo

 

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Criatividade da Segundona - Merval Pereira

O Globo

Segunda Turma foi criativa ao beneficiar Bendine

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal exerceu o direito de errar por último, como Rui Barbosa definiu ser prerrogativa do STF. Mas o Supremo é composto por 11 ministros, onze ilhas, na definição de Sepultada Pertence, “Os Onze” retratados com maestria pelo livro desse nome dos jornalistas Felipe Recondo e Luis Weber.

Portanto, os três votos que inovaram a interpretação da lei para anular o primeiro julgamento da Lava-Jato, usando uma criatividade que até o momento era atribuída apenas ao “direito de Curitiba”, na expressão jocosa do ministro Gilmar Mendes, não representam a opinião do pleno, e em algum momento o caso deverá ser enfrentado pelo conjunto do Supremo. Ou então a própria Segunda Turma, diante da má repercussão da medida na opinião pública, pode explicitar no acórdão que os efeitos da decisão só se produzem nos processos posteriores, não tendo efeito retroativo para os casos em que a defesa não alegou cerceamento em recurso ainda na primeira instância.

Essa interpretação de que os réus delatores são parte da acusação, e por isso o réu delatado deve ter o direito de se defender por ultimo, deve servir para basear pedidos de anulação de uma série de processos, pois nunca os juízes separaram delatores e delatados, sempre considerados réus igualmente. [a interpretação do inicio deste parágrafo só serve para criar um círculo vicioso e levar o julgamento para uma duração infinita.

A condição de os RÉUS delatores serem parte da acusação não elide o fato que também são réus e sendo réus terão o direito de se manifestar por último, levando a novo pedido dos delatados de serem os últimos e, por óbvio cada vez que for concedido ao delatado (réu)  o direito de falar por último, o delator (réu) vai requerer o mesmo direito.

Natural que os 'supremos' ministros, especialmente os integrantes do 'jardim do Eden' tem a solução para essa situação 'suprema' - esse aprendiz de escriba, só pensa em uma: prazo único e simultâneo para todos os réus - delatores e delatados - e, mesmo assim vai dar um rolo.]
A anulação com base nessa nova interpretação da Segunda Turma, porém, só seria possível em situações como a de Bendine, em que a defesa dos réus pediu que falassem depois dos delatores. [uma pergunta que não quer calar: conceder ao réus delatados o direito de falar por último, não estará cerceando a defesa dos réus delatores?] Os que assim fizeram, antes da primeira condenação, tiveram seus recursos negados pelo juiz de primeira instância, pelo TRF-4 e pelo STJ, e agora podem ser beneficiados.

Como salientei ontem, o advogado Cristiano Zanin não fez esse recurso no julgamento de primeira instância nos dois julgamentos em que Lula foi condenado, o do triplex, e o do sítio de Atibaia, mas tenta se aproveitar da nova interpretação no julgamento em curso do processo sobre o terreno do Instituto Lula dado pela Odebrecht. A decisão do juiz Luiz Antonio Bonat ainda não foi divulgada mas, como de praxe, ele deu aos réus o mesmo prazo, fossem delatores ou não. Como o julgamento não terminou na primeira instância, basta que o juiz que substituiu Moro siga a nova instrução do Supremo, refazendo essa parte do processo, concedendo à defesa de Lula o direito de ser a última a falar.

A única possibilidade de que a decisão da Segunda Turma atinja a todos os condenados seria mais uma interpretação criativa. Devido à controvérsia que a decisão causou, era provável que o recurso da Procuradoria-Geral da República fosse encaminhado pelo relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, para decisão do plenário do Supremo. Foi o que ele fez, ontem à noite, usando outro processo. Será a única maneira de esclarecer se essa criatividade jurídica conta com o respaldo da maioria do STF. Se a Segunda Turma recebesse o recurso, dificilmente o resultado seria diferente. Pode até ser que a ministra Carmem Lucia, que surpreendeu a todos votando junto com Gilmar Mendes e Lewandowski, defendesse  a tese de que a decisão se restringe ao caso de Bendini. Os dois outros teriam interpretação diferente, provavelmente, e o resultado seria um empate de 2 a 2, que beneficiaria o réu.

O ministro Celso de Mello está internado, e provavelmente não retornará ao trabalho tão cedo. A defesa de Lula poderia se aproveitar dessa baixa na Segunda Turma para apresentar o recurso, alargando sua interpretação. Esta é a primeira grande derrota da Operação Lava-Jato no Supremo, pois resultou na anulação de uma condenação. As outras derrotas, como o fim da condução coercitiva, ou a contenção da prisão preventiva, foram superadas na prática do dia a dia. Agora, depois da divulgação de "diálogos" [????] entre Sergio Moro e Dallagnol, e entre os procuradores de Curitiba entre si, foram revelados detalhes pessoais dos investigadores que reforçaram uma rejeição que já havia latente em muitos dos ministros do Supremo, e expressada por outros, sendo o mais contundente o ministro Gilmar Mendes.

Mesmo que as conversas não revelem nenhuma irregularidade jurídica nas decisões tomadas, mostram uma faceta nada edificante das investigações. São questões morais que não deveriam interferir no julgamento, mas interferem.    Muitos atribuem a esse incômodo o voto da ministra Carmem Lucia.
Merval Pereira, jornalista - O Globo
 
 

domingo, 5 de maio de 2019

Presidente do STF critica excessos do Judiciário, em jantar com advogados

Toffoli critica excessos do Judiciário, mas volta a defender as ações do Supremo
Em São Paulo, presidente do STF afirma que não se pode ‘superar limites legais e constitucionais’ e juízes e população precisam compreender isso

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli , afirmou em um jantar de advogados em desagravo à corte, que não se pode ter excessos no Judiciário. No jantar que reuniu a cúpula da advocacia paulista, o tom  do presidente do STF era crítico em relação ao que os profissionais consideram desmandos que se popularizaram com a Operação Lava Jato , como condução coercitiva de testemunhas, restrição dos autos aos advogados e prolongamento de prisões preventivas.
"É preciso defender a democracia, é preciso sim defender o Supremo Tribunal Federal, é preciso sim defender o Judiciário brasileiro, é preciso sim defender o Ministério Público, a advocacia privada, a advocacia pública, a Defensoria Pública", afirmou Toffoli no fim de seu discurso, que durou mais de 30 minutos. [que tal reconhecer que também é preciso defender o POVO BRASILEIRO? inclusive dos abusos de autoridade cometidos por ministros do Supremo, que muitas vezes decidem absurdos apenas baseados em uma interpretação da lei, feita pelo próprio autor do absurdo.]

O jantar com advogados foi marcado após a abertura do inquérito, por determinação de Toffoli, para investigar ameaças e fake news contra o tribunal e seus ministros. O inquérito  gerou controvérsia na comunidade jurídica  e não foi considerado uma unanimidade nem entre os ministros da própria Corte. O ministro Alexandre de Moraes chegou a censurar uma reportagem da revista “Crusoé” que citava Toffoli. O episódio foi criticado por entidades de defesa da liberdade e a decisão acabou sendo revogada.

Durante o jantar, Toffoli fez uma forte defesa da liberdade, da Constituição e da democracia. Ele disse que defender a Corte é defender a democracia e elogiou o STF. "O Brasil deveria se orgulhar de sua Suprema Corte. A Suprema Corte brasileira é a que mais trabalha no mundo", disse.
 [talvez por aceitar decidir sobre assuntos que muitas vezes sequer mereciam ir ao Poder Judiciário;
respeitosamente, lembro ao presidente do Supremo que o STF é a única Corte Supremo de todo o planeta Terra que aceita julgar uma questão que cuida da legalidade, ou ilegalidade, da implantação de banheiros públicos unissex coletivos - permitindo que um cidadão que tem todos os acessórios de um individuo do sexo masculino, chegue em um banheiro unissex, entre na ala das senhoras (que, por óbvio, também é a ala das meninas de 8, 10 anos,  adolescentes, etc) abra a barguilha, saque o pênis e comece a urinar ao lado de uma garota de 10 anos.
Nossa Suprema Corte costuma também decidir sobre o mesmo assunto, em decisões plenárias, que se anulam - em uma sessão diz que pode prender, dias depois em outra sessão, as vezes cuidando do mesmo assunto, diz que tem que soltar e por aí vai.
Se só fosse para a Suprema Corte assuntos de real importância, matéria constitucional e outras que reflitam em TODA a sociedade e se as decisões tomadas tivessem uma validade de pelo menos uns dois anos, o trabalho seria substancialmente reduzido e mais confiabilidade jurídica passaria a existir.] 

 Diante de uma plateia de 230 advogados que pagaram R$ 250 para aderir ao jantar no restaurante Figueira Rubaiyat um dos mais exclusivos da capital paulistana —, Toffoli gerou forte empatia nos advogados ao defender o habeas corpus que muitas vezes tem sido negado nos casos de corrupção. Para ele, não faz sentido negar que o STF analise a medida.
"A doutrina do habeas corpus é a doutrina da Suprema Corte", disse ele, afirmando que o tribunal foi formado em uma discussão sobre o tema com Rui Barbosa e outros ministros. [Toffoli é tão favorável ao 'habeas corpus' que já concedeu até mesmo em casos que remédio não solicitado - 'habeas corpus' de ofício para o Zé Dirceu, quem em função do mesmo ainda permanece solto, aguardando não se sabe o que para ser recolhido ao cárcere para cumprir os mais de 30 de cadeia a que foi condenado.]

Citando diversos exemplos de livros recentes que alertam contra os riscos à democracia, o fascismo e a intolerância, Toffoli disse que “não podemos deixar que o medo e o ódio” dominem a sociedade.
"O ataque às instituições, o ataque à democracia, o ataque ao estado democrático de direito também não é privilégio do Brasil. São questões que vem ocorrendo em todo o mundo . O ataque que vem ocorrendo ao Supremo Tribunal Federal especificamente também não é algo recente, é algo que vem ocorrendo há algum tempo, assim como o ataque à advocacia, assim como ataque às instituições, assim como o ataque ao parlamento, assim como o ataque a quem esteja no poder, no momento em que esteja, mesmo tendo a legitimidade do voto", afirmou.

O discurso de Toffoli foi precedido de uma dura fala do presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz, que não poupou críticas à Lava Jato.
"Nos últimos cinco anos, o direito penal no Brasil viveu retrocessos piores que os que passou na ditadura" disse ele.
Após a palestra, o presidente do STF não falou com a imprensa. Questionado a esclarecer as críticas que fez aos excessos que superam as leis e a Constituição, 
apenas respondeu que tudo o que tinha a dizer estava em seu discurso.

ÚltimoSegundo - iG