[Qual o interesse do Sistema S em esconder seus gastos milionários?]
Para CNI, que responde por Sesi e Senai, medida é inconstitucional; Sescoop também questiona
O governo Jair Bolsonaro deu o primeiro passo para abrir o que chama de caixa-preta do Sistema S. Decreto assinado pelo presidente obriga as entidades a detalhar gastos com salários e serviços prestados à sociedade.
Pegas de surpresa, organizações do sistema reclamam da falta de diálogo. Três das nove entidades —Senai, Sesi e Sescoop— estudam questionar as normas na Justiça.
Com
o decreto de Bolsonaro publicado na sexta-feira (3), elas terão de
obedecer às mesmas regras de transparência do setor público impostas
pela LAI (Lei de Acesso à Informação). As regras entram em vigor em 90
dias.
As entidades deverão apresentar, em seus sites, todas as informações
antes mesmo de um pedido formal de esclarecimentos. Senai e Sesi, por
meio da CNI (Confederação Nacional da Indústria), dizem que a medida é
inconstitucional. O decreto foi feito por orientação dos ministros Paulo Guedes
(Economia) e Wagner de Campos Rosário (Controladoria-Geral da União). Auxiliares do presidente dizem acreditar que a abertura dos dados
poderá revelar que algumas dessas entidades pagam salários muito
elevados. Essas remunerações são custeadas com contribuições compulsórias. Os tributos incidem sobre as folhas de pagamentos das empresas.
Guedes já avisou que pretende cortar parte desses encargos. Ele disse que é preciso “meter a faca” na Sistema S. O Ministério da Economia trabalha na formulação de contratos de gestão para participar da administração desses recursos. Em 2018, a Receita Federal repassou R$ 17,1 bilhões às entidades. Integrantes do governo afirmam que as organizações deveriam seguir os
limites impostos aos órgãos públicos, como o teto do funcionalismo (R$
39 mil) e a vedação de nepotismo.
A publicação do decreto é mais um capítulo da guerra travada entre a equipe econômica e as entidades.
Elas alegam que os recursos são privados, pagos pelas empresas a
organizações que as representam. Especialistas, porém, discordam desse
argumento e elogiam a iniciativa do governo. “Óbvio que o dinheiro é público, o repasse é obrigatório. Há natureza
tributária”, diz Vanessa Canado, diretora do C.CiF (Centro de Cidadania
Fiscal), pesquisadora do Insper e professora de direito tributário da
FGV. Ela lembra que o Estado impôs a cobrança das contribuições. A maior parte das entidades foi criada nos anos 1940.
“Se o dinheiro fosse privado, as empresas teriam a liberdade de
recolher ou não”, afirma Canado. “A importância do decreto para a
transparência é fundamental.”
Por pressão do governo, o TCU (Tribunal de Contas da União) baixou,
no dia 30 de abril, uma norma determinando que o Sistema S adote, em um
ano, o padrão do serviço público em sua contabilidade. As entidades alegam que já prestam contas, expõem seus dados, estão
adequadas às decisões do tribunal e cumprem boa parte das regras
contidas no decreto de Bolsonaro.
O que está em jogo no Sistema S
Consultor e especialista em transparência, Fabiano Angélico afirma,
no entanto, que a divulgação de informações pode não ser suficiente. “Existe uma confusão entre transparência e comunicação institucional,
entre transparência e prestação de contas. Transparência é muito mais
do que isso”, diz Angélico.
Segundo ele, não basta publicar um relatório com balanços e
atividades. “O conceito de transparência é aquilo que permite a um
outsider [leigo] observar, controlar e compreender bem as ações de um
insider [gestor]”, explica.
Além de buscar mais publicidade para os recursos do Sistema S, a
equipe do ministro Guedes pretende direcionar o trabalho dessas
entidades e reduzir seu tamanho. A ideia é fazer um corte de 30% nas contribuições das empresas. As
entidades que não aderirem aos contratos de gestão poderão sofrer
restrições maiores, de até 50%. O governo quer aproveitar o acesso amplo às informações para mapear
custos de serviços considerados essenciais, prestados pelas entidades.
A equipe econômica, com isso, pretende evitar que o corte afete a
prestação de serviços e fique circunscrito ao que integrantes da equipe
econômica chamam de gordura. Pelo decreto, o Sistema S deverá apresentar informações sobre licitações realizadas e em andamento.
Será exigida a divulgação de editais, anexos e resultados. Terão de ser expostos ainda contratos e notas. Além dos salários divulgados individualmente, também ficará mais
fácil o acesso público a dados sobre auxílios, ajudas de custo, jetons e
quaisquer vantagens financeiras. As novas regras de enquadramento na LAI não isentarão as entidades de
prestar contas aos órgãos de controle a que já estão submetidas, como a
CGU e o TCU. Segundo o decreto, um ato conjunto de Guedes e Rosário “disporá sobre
o detalhamento mínimo exigido para a divulgação das informações
previstas”.
Organizações dizem já apresentar dados transparentes
O Sistema S diz que tem informações transparentes, com amplo acesso à sociedade.
As entidades afirmam que publicam dados detalhados em seus portais da
transparência, independentemente do novo decreto do presidente Jair
Bolsonaro. As organizações também dizem atender a leis e determinações da CGU
(Controladoria-Geral da União) e do TCU (Tribunal de Contas da União). A CNI (Confederação Nacional da Indústria), que responde por Senai e
Sesi, afirma, em nota, que já estão sob análise “medidas judiciais
cabíveis” contra o decreto.
Segundo a confederação, o decreto é ilegal e fere a Constituição. A
CNI, porém, diz que está aberta ao diálogo com o governo Bolsonaro. Confederações podem ajuizar ações diretamente no STF (Supremo Tribunal Federal). Segundo a CNI, o decreto extrapola a regulamentação da LAI (Lei de
Acesso à Informação) e “acaba por desrespeitar o princípio da separação
dos Poderes”, ao tratar de matéria reservada ao Legislativo.
O Sesi e o Senai, para a confederação, são entidades privadas e não
pertencem à estrutura estatal. A CNI diz que seus recursos, apesar de
compulsórios, não integram o Orçamento da União. As duas entidades, “com a máxima transparência”, diz a CNI, divulgam
informações sobre orçamentos, receitas, execução de despesas, estrutura
remuneratória, relação de empregados e dirigentes, licitações, contratos
e balanços.
O Sescoop, ligado à OCB (Organização das Cooperativas do Brasil),
também estuda ações judiciais contra as novas regras. Segundo a
entidade, não houve negociação para se debater o decreto.“O mote da LAI é a transparência, é um dos princípios. Já cumprimos
grande parte do que está no decreto”, diz o assessor jurídico do Sescoop
Aldo Guedes. Segundo ele, a entidade publica contratos, balanços e
serviços prestados. O Sest e o Senat (entidades da área dos transportes), em nota, dizem
que, “em uma sociedade democrática, o cidadão tem direito à informação
de interesse público”.
“Todavia, o governo poderia ter estabelecido um diálogo aberto com as
entidades envolvidas, justamente para sacramentar o aspecto democrático
do decreto”, afirmam.
Trimestralmente são atualizados dados sobre orçamento, gestão,
demonstração contábil, transferências de recursos, licitações e editais,
contratos (os dez maiores firmados no período), serviços gratuitos
prestados, relação de membros, entre outros.
Apesar da crítica à falta de diálogo, Sest e Senat dizem que vão se esforçar para cumprir as novas regras.
A CNC (Confederação Nacional do Comércio), que responde por Sesc e
Senac, também diz que não foi consultada pelo governo Bolsonaro sobre a
medida e ainda está analisando o assunto. A entidade afirma que as instituições têm natureza privada e cumprem
as exigências de prestação de contas. Segundo a CNC, as informações
também estão sujeitas “a rigorosos controles internos dos conselhos
fiscais e de auditorias”.
O Sebrae (micro e pequena empresas) informa, em nota, que também não
participou da discussão sobre o decreto. A entidade vai se ajustar às
regras definidas pelo decreto. "O Sebrae realizará estudos para identificar a melhor forma de
disponibilizar as informações que ainda não são disponibilizadas, mas
seguirá o que diz a lei”, afirma.
A entidade diz ainda “adotar as melhores práticas de transparência e
compliance, inclusive apoia os pequenos negócios neste sentido”.
O Sistema S também é composto pelo Senar (agricultura), que não
respondeu à reportagem. A entidade está ligada à CNA (Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil).
Folha de S. Paulo