“A crise venezuelana estava se transformando no epicentro da
disputa dos Estados Unidos com a Rússia e a China, muito distante das
fronteiras quentes em que ocorre desde a guerra fria”
A queda do presidente da Venezuela, Nícolas Maduro
, é uma espécie de
troféu para a nova política externa do governo Jair Bolsonaro.
Traduziria no plano internacional a ruptura política que sua eleição
representou. Ocorre que a política externa brasileira, desde o barão do
Rio Branco, é uma política de Estado. Quando tudo parecia que a
disjuntiva entre uma coisa e outra era um fato consumado, a realidade
começou a se impor com toda a força à nossa diplomacia. O Brasil meteu a
colher na política interna da Venezuela como nunca antes, pero no
mucho.
Os militares cuidaram de jogar um balde de água fria na
estratégia de confronto com Maduro.
Há razões para isso. O Brasil não está preparado para uma guerra de
verdade e não tem uma cultura militar intervencionista. Uma coisa é
mobilizar as Forças Armadas e a população para se defender de uma
agressão
. Outra coisa, muito diferente, é participar de uma intervenção
militar ou mesmo apoiá-la num país vizinho. A paz nas nossas fronteiras
da Amazônia foi uma conquista diplomática, não foi um estatuto
estabelecido militarmente, com exceção do Acre. Os militares sabem muito
bem disso, assim como o Itamaraty, mas parece que foi preciso o
vice-presidente Hamilton Mourão, que foi adido militar brasileiro na
Venezuela, explicar aos parceiros da nova diplomacia do chanceler
Ernesto Araújo que nosso alinhamento aos Esta- dos Unidos tem um limite.
Ontem, durante o encontro do Grupo de Lima, em Bogotá (Colômbia),
Mourão afirmou que o governo brasileiro defende uma solução
“sem
qualquer medida extrema”. O Grupo de Lima foi criado em 2017, por
iniciativa do governo peruano, com o objetivo de pressionar Maduro a
restabelecer a democracia na Venezuela. Além de:
“O Brasil acredita
firmemente que é possível devolver a Venezuela ao convívio democrático
das Américas sem qualquer medida extrema que nos confunda com aquelas
nações que serão julgadas pela história como agressoras, invasoras e
violadoras das soberanias nacionais”, disse Mourão.
Em termos geopolíticos, para ser bem claro
, a crise venezuelana
estava se transformando no epicentro de uma disputa dos Estados Unidos
com a Rússia e a China, muito distante das fronteiras quentes em que
historicamente ela ocorre desde a guerra fria. Há muito petróleo em
jogo, como no
Oriente Médio, e também uma espécie de simetria com os
casos da
Ucrânia e da Síria, onde a Rússia teve seus interesses
estratégicos ameaçados pelos Estados Unidos.
A guerra comercial com a
China põe mais lenha na fogueira. Para os adversários de Trump, a crise
venezuelana é uma espécie de feitiço contra o feiticeiro.
Intervenção
Os militares brasileiros não estão nessa, não vão riscar um palito de
fósforo perto de um barril de pólvora. Pode ser que Maduro caia mais
rapidamente do que se imagina, mas o fato é que ele tem todas as
condições de se manter no poder por mais tempo com o apoio das Forças
Armadas venezuelanas e a ajuda da Rússia e da China, a não ser que haja
uma intervenção militar norte- americana que arrase suas instalações e
tropas militares.
Qual seria a repercussão disso nos demais países do continente? Seria a
volta da política de
“Big Stick” do presidente Theodore Roosevelt, como
corolário da Doutrina Monroe, segundo a qual os Estados Unidos deveriam
exercer a sua política externa como forma de deter as intervenções
europeias. Por ironia, o canal do Panamá, construído para consolidar a hegemonia
norte- americana, hoje serve aos interesses comerciais chineses, que
ainda pretendem construir na Nicarágua um canal três vezes maior, com
80km, ao custo de US$ 40 bilhões
(cerca de R$ 85 bilhões),
aproximadamente quatro vezes o PIB nicaraguense. A escalada
intervencionista protagonizada pelos Estados Unidos, a partir da ajuda
humanitária articulada pelo
“presidente interino” Juan Guaidó, que
atravessou a fronteira para a Colômbia com objetivo de liderar a entrada
de caminhões com alimentos e kits de primeiros socorros, é uma jogada
de alto risco. Se foi um erro ou não, só saberemos quando tentar voltar,
mas o fato é que a maioria dos generais está com Maduro.
O caminho para superação do problema não é a intervenção militar. É a
negociação política no plano internacional e no plano interno, com a
convocação de novas eleições e uma anistia geral. O comprometimento com a
corrupção e o tráfico de drogas por parte dos líderes militares da
Venezuela são um complicador para qualquer acordo que não lhes garanta a
uma certa impunidade. É aí que está o grande entrave à saída de Maduro,
por mais que sua cabeça tenha sido posta a prêmio.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB