Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador equação. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador equação. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Decisão do STF sobre incursões policiais em favelas do Rio é um tiro no pé

Consultor Jurídico 

A recentíssima decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 pode criar um precedente gravíssimo no enfrentamento da criminalidade ao usurpar a competência constitucional dos órgãos da Administração Pública vinculados ao Poder Executivo.  
Ela mantém restrições a incursões policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia e as condiciona à apresentação de um plano ao STF.

A decisão dos ministros do STF revela o absoluto desconhecimento da atividade policial e, ainda, reforça o estigma de que as ações dos policiais do estado do Rio de Janeiro não estariam revestidas de nenhum planejamento. E destaca, em sua essência, um suposto sentimento desses agentes de segurança de total desprezo pela vida dos cidadãos.

A história recente do país já nos revelou o desastre que foi o Poder Judiciário tentar se apresentar como o ator principal do "combate à corrupção", especialmente no caso da criminalidade do "colarinho branco". De início, relembremos, o STF referendou diversas medidas que, até então, só aumentaram o poder de um determinado grupo de juízes e membros do Ministério Público, tendo como resultado o próprio tribunal reconhecer que boa parte daquelas medidas deveria ser anulada, porque desrespeitaria diversos direitos e garantias fundamentais. Alimentaram um "monstro", que se autodenominou "lava jato", para, ao final, reconhecerem que esta esteve em absoluta dissonância com a ordem jurídica do nosso país, como bem assentado no brilhante voto do ministro Gilmar Mendes.

Mais uma vez, ao colocar-se como ator principal de um tema extremamente complexo, de absoluto desconhecimento dos ministros da mais alta corte do país, é certo que o resultado da decisão trará efeitos perversos e irreversíveis, que tendem a piorar a situação da segurança pública do Rio de Janeiro, que já se encontra insustentável.

Primeiro, porque estamos tratando de agentes de segurança que são mal remunerados, com uma escala de trabalho exaustiva, submetidos à pressão dos superiores hierárquicos
Não por outro motivo, o número de policiais afastados por doenças psiquiátricas é recorde. 
Somado a essa informação macabra, temos o número significativo de suicídios e mortes no exercício da atividade policial.
 
Segundo, de um lado a sociedade exige policiamento ostensivo, investigações que revelem a autoria e materialidade da prática de crimes em tempo real e, ao mesmo tempo, cobra punições a esses mesmos agentes de segurança no primeiro alarido da imprensa.  
Exigem o emprego de força policial, mas, quando algo dá errado, são os primeiros a exigir uma punição sumária.

O resultado dessa equação é o afastamento gradual dos agentes policiais das atividades diárias nas ruas, o que, no curto e médio prazos, nos levará ao caos total, pois eles são a última barreira entre a criminalidade e a sociedade, queiramos ou não.

A bem da verdade, o agente de segurança pública não espera o reconhecimento da sociedade ou dos superiores hierárquicos, não almeja o enriquecimento pessoal, confia, cada dia menos, que em algum momento possa ser respeitado e que não seja punido pelo simples exercício de sua atividade, prevista na ordem jurídica de nosso país.

Paulo Klein,  advogado - Consultor Jurídico

 

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

A cantora Adele é acusada de transfobia por dizer que ama ser mulher - Gazeta do Povo

Luciano Trigo

Já virou rotina, o que não quer dizer que seja algo normal. Durante a cerimônia de premiação dos BRIT Awards, em Londres, na última terça-feira, a cantora Adele, a grande vencedora das categorias “Álbum do Ano”, “Música do Ano” e “Artista do Ano”, declarou: “Eu realmente amo ser mulher e ser uma artista feminina. Eu amo. Estou muito orgulhosa de nós, realmente estou”.

Pronto. Isso bastou para a cantora ser acusada de transfobia. Imediatamente, as milícias do "ódio do bem" se mobilizaram para atacá-la nas redes sociais. Adele também foi classificada como TERF (“trans-exclusionary radical feminist”), termo pejorativo que designa as feministas que teriam preconceito contra pessoas trans. (O mesmo rótulo, aliás, foi usado no cancelamento da escritora J.K.Rowling, autora de “Harry Potter”, que cometeu o crime de criticar o uso da expressão “pessoas com vagina” no lugar de “mulheres” para designar... Mulheres, isto é, pessoas com vagina.)

Esta foi, aliás, a primeira edição dos BRIT Awards que não premiou um Artista do Ano masculino e uma Artista do Ano feminina: a intenção da mudança era não excluir “pessoas não-binárias” e reconhecer todos os artistas “exclusivamente pela sua música e seu trabalho, em vez de por como eles escolhem se identificar ou por como outros podem vê-los.” [grifo meu]

Adele ainda fez a concessão de dizer que entende por que o prêmio mudou, mas não adiantou nada: foi sumariamente cancelada. Em questão de minutos, internautas “do bem” se mobilizaram para pregar o boicote às músicas da cantora, que teria ofendido gravemente pessoas “não-binárias” e “transgênero”: "Quem pensaria que Adele era transfóbica e usaria a plataforma do prêmio para pedir a destruição da comunidade trans?", perguntou um usuário do Twitter.

Pois é. Uma mulher dizer que ama ser mulher está pedindo a destruição da comunidade trans. 
É este o nível da argumentação da militância identitária. 
O que isso sinaliza?

Tem uma questão de fundo aí. Mas antes observem como o texto de justificativa da mudança do prêmio reduz sutilmente o fato de ser homem ou mulher a uma questão de escolha, como se homem fosse quem optasse se identificar como homem e mulher fosse quem optasse por se identificar com mulher. Obviamente, não é: qualquer um é livre para se identificar como quiser, é claro, mas a biologia e a genética importam.

A dificuldade começa quando o horizonte deixa de ser uma sociedade harmônica, onde todos tenham direitos iguais e se tratem com respeito, e passa a ser uma sociedade dividida em grupos que se odeiam e que buscam um tratamento especial às custas dos direitos dos outros
 
E qual é a questão de fundo? Para princípio de conversa, há uma contradição óbvia na decisão de abolir premiações específicas para homens e mulheres para apoiar a diversidade, mas essa contradição parece passar despercebida para todos os envolvidos no debate. A luta legítima da minoria trans é pelo respeito à diversidade, mas, paradoxalmente, o que se fez foi eliminar a diversidade, tornando todos os artistas sexualmente indiferenciados. 
Respeitar a diversidade de verdade seria criar novas categorias para os grupos que se sentem preteridos ou excluídos e buscam reconhecimento, e não jogar todos no mesmo saco da "neutralidade" sexual, como se isso existisse.

Como se não bastasse afirmar que gosta de ser mulher, Adele cometeu a ousadia de encerrar seu discurso dedicando a vitória à sua família: “Queria dedicar esse prêmio ao meu filho. E a Simon, pai dele. Por toda nossa jornada, não apenas a minha.”

E aqui a equação fecha. Defender a instituição da família nuclear, com pai, mãe e filhos, também é percebido como algo ofensivo pela militância progressista. A família é hoje percebida como uma instituição fascista, heteronormativa e machocêntrica, que só serve para reproduzir valores e práticas que precisam ser abolidas da sociedade.

Mas esse episódio, como tantos outros, revela outras duas contradições: A primeira contradição é lutar pela tolerância praticando e pregando a intolerância. Raras vezes se viu tanto ódio quanto o dos grupos que se apropriam de bandeiras de minorias, legítimas em sua origem, para perseguir e esfolar desafetos. Os linchamentos morais e os cancelamentos, cada vez mais frequentes, são prova inequívoca de que aqueles que dizem combater a intolerância são os mais intolerantes.

A segunda contradição é lutar não por direitos iguais, mas por direitos diferenciados. Por óbvio, nenhuma pessoa “trans”, como nenhuma pessoa pertencente a qualquer minoria, pode ser desrespeitada ou ser vítima de preconceito, o que significa dizer: nenhuma pessoa pode ser tratada de forma diferente das demais por ser trans ou pertencente a qualquer minoria.

Mas afirmar que ninguém pode ser prejudicado por suas escolhas ou suas origens implica afirmar também que ninguém pode ser beneficiado por suas escolhas ou suas origens. A dificuldade começa, justamente, quando o horizonte deixa de ser uma sociedade harmônica, onde todos tenham direitos iguais e se tratem com respeito, e passa a ser uma sociedade dividida em grupos que se odeiam e que buscam um tratamento especial às custas dos direitos dos outros.

Uma sociedade assim não tem com dar certo: uma sociedade na qual os oprimidos buscam não a igualdade de direitos, mas tomar o lugar dos opressores, repetindo as suas piores práticas e adotando a mesma premissa do modelo de sociedade que afirmam combater, qual seja: aquele no qual pessoas são tratadas de formas diferentes com base em sua identidade e sua origem.

Luciano Trigo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 


sábado, 20 de fevereiro de 2021

Austrália enfrenta as big techs - Alon Feuerwerker

Facebook e Google decidiram adotar respostas diferentes para a iniciativa legislativa da Austrália que determinou às big techs compartilhar com produtores de conteúdo noticioso a receita obtida em publicidade e outras modalidades de remuneração nesses materiais (leia).

O Google topou adaptar-se, mas o FB não. E inclusive retirou do ar páginas de veículos de comunicação australianos. Uma briga boa, e ela vai se espalhar planeta afora. Pois a equação de uns terem os custos com a produção mas outros faturarem com a exposição não fecha. E as disputas pelo mundo envolvendo as big techs não ficarão restritas ao faturamento.  Essa polêmica se acoplará àquela outra, sobre liberdade de expressão, já quente desde quando Donald Trump foi literalmente limado das redes sociais depois de apoiadores dele invadirem o Capitólio em 6 de janeiro.

Hoje, as big techs abocanham a parte do leão do mercado publicitário sem precisar produzir nada de material noticioso, e além disso decidem por conta própria quem pode e quem não pode frequentar o espaço público praticamente monopolizado por elas.
Está na cara que não continuará sendo assim indefinidamente.
 

 Alon Feuerwerker,   jornalista e analista político

 

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Radicalização - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S.Paulo
 
Será que a radicalização e a ideologização não levam à cegueira?

Quando a insegurança e a instabilidade reinam, apelos autoritários passam a se fazer ouvir

A radicalização de setores da sociedade não é, certamente, a expressão de um corpo sadio, mas de um já infectado por vírus desagregadores. Expõe ela uma fratura social importante, na medida em que os segmentos polarizados não se reconhecem em valores comuns, em regras aceitas por todos. Passa a vigorar a política de cunho autoritário do “nós” contra “eles”, tão popularizada na narrativa petista. Acontece que ela veio a tomar conta da esfera política em sua totalidade, suscitando reações contrárias de sinal oposto, o que ficou claro na vitória do atual presidente da República e, agora, naquilo que se convencionou chamar de bolsonarismo.

Estamos vivenciando um período em que as distinções e as nuances desaparecem, da mesma forma que posições de centro e de apaziguamento perdem importância, embora sem prejuízo de poderem vir a ser recuperadas. Observe-se que a polarização se faz igualmente presente no juízo que se faz da Operação Lava Jato e de seus eventuais excessos, [sic] como se não houvesse espaço para uma posição que possa aceitar e elogiar os seus feitos, sem fazer vista grossa para ações em que seguir a lei se tornou não uma diretriz central, mas algo que deveria estar subordinado a uma noção abstrata e redentora de justiça.

É-se, assim, contra ou a favor de tal promotor, procurador, ministro do Supremo Tribunal, desembargador, como se a justificativa fosse por si mesmo evidente em ser a favor ou contra tal indivíduo. A questão central de saber se tal ação se conforma ou não ao Estado de Direito é relegada a segundo plano. A situação pode chegar a extremos, como quando um ex-procurador-geral da República, visto por muitos como um combatente contra a corrupção, observador da lei, lutando pela “justiça”, se mostra, por confissão própria, um psicopata, que revela a intenção de assassinar um ministro de Supremo, por este ter ferido a honra de sua filha.

Imaginem se a moda pega! Qualquer pessoa ofendida estaria autorizada a matar o próximo, sempre e quando o nome de sua filha estivesse em questão. A questão é da maior gravidade por estar precisamente inserida na polarização reinante. O referido procurador-geral foi eleito por seus pares em duas listas tríplices e, então, escolhido pelo presidente da República. Será que ninguém percebeu de quem se tratava? Será que a eleição pelos pares é o melhor método de escolha de um procurador-geral? Será que a radicalização e a ideologização não levam à cegueira?[felizmente, o presidente Bolsonaro detonou o sistema de subordinados escolherem o chefe.]

A política contemporânea, com sociedades democráticas encontrando dificuldades crescentes para fortalecer as suas instituições, vai se caracterizando cada vez mais por polarizações, como se os meios-termos da vida democrática, as negociações, as conciliações e as mediações fossem atributos desnecessários. O Brasil atual não inova, porém potencializa tal tendência.

Mediar e negociar são termos que, frequentemente, são identificados com traficar e corromper, como se a solução estivesse na escolha binária entre opções políticas que se excluem mutuamente. Políticos são desmerecidos como se fossem meros agentes de negociatas defendendo interesses particulares, fazendo com que a política deixe de lado a sua dignidade. Em seu lugar surgem, então, “opções” que primam pela radicalização e simplificação de posições, fazendo com que as instituições propriamente democráticas percam sua legitimidade. Se a política se degrada, a primeira vítima é a democracia.

A política do confronto faz com que a sociedade seja permanentemente mobilizada, provocada a embates constantes, como se desse processo viesse a surgir uma nova política, não maculada pela velha, a do diálogo, da persuasão e do convencimento. O parceiro do diálogo e da negociação, algo próprio da vida parlamentar, passa a ser, no ambiente extralegislativo, considerado não somente como um adversário a ser vencido, numa contenda eleitoral por exemplo, mas também como um inimigo a ser abatido. Tal política do confronto é, ademais, potencializada pelas redes sociais, cujo modo de funcionamento se adapta perfeitamente a escolhas simples entre bons e maus, impolutos e corruptos, redentores e condenados. Alguns as veem mesmo como substitutas das ruas, o lugar de manifestações raivosas lideradas pelos que assumem a radicalização como modo de fazer política. A rua digital tomaria o lugar da rua real, como se a realidade tivesse encontrado um substitutivo.

A distinção amigo/inimigo ganha, assim, os mais amplos contornos, seu significado político se estendendo a acepções morais e religiosas, a arena passando a ser não somente a política no seu sentido restrito, mas os costumes e os valores religiosos. Tudo se torna motivo de polarização, numa narrativa que, incessante, não admite trégua. A questão não se resume aí a ser de esquerda ou de direita, mas de adotar, em qualquer uma dessas posições, a política do enfrentamento e a de considerar o outro como inimigo. A equação torna-se, então, propostas autoritárias versus democráticas.

Não florescem tais políticas em terrenos sadios, mas degradados. A sua fertilidade depende da corrupção reinante, da falta de perspectivas dos cidadãos, da decadência dos costumes, da perda de balizas, do desemprego, da criminalidade reinante, da crise econômica e do enfraquecimento das instituições. Fosse a situação econômica, política, social e cultural outra, tais políticas pouca adesão suscitariam entre os cidadãos, muito menos mobilizações de massas, reais ou digitais. As pessoas certamente prefeririam continuar em suas condições de segurança e bem-estar social, não se arriscando a nenhuma aventura política. Estando contentes com suas instituições, não veriam razões para abandoná-las. O cenário muda de figura quando a insegurança reina e a instabilidade começa a tomar conta de todos os poros da sociedade. Nesse contexto, os apelos autoritários começam a se fazer ouvir.

Denis  Lerrer Rosenfield e-mail: DenisRosenfield@terra.com.br Professor de filosofia na UFGRS - Publicado no Estado de S. Paulo
 
 

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

A difícil equação

A difícil equação

Exige-se uma política que siga padrões de moralidade pública. Exige-se do novo governo que se diferencie do anterior

A Lava-Jato segue o seu inexorável curso. É como um cataclismo natural que se abate sobre a classe política. As delações da Odebrecht, acompanhadas de suas respectivas provas materiais, atingirão a base parlamentar do governo e muito provavelmente muitos de seus ministros. Governar será ainda mais difícil em um contexto de devastação da classe política. 

Por outro lado, o país foi praticamente levado ao abismo pelos governos petistas, com o PIB caindo vertiginosamente, o desemprego alcançando 12 milhões de pessoas, o que equivale, na verdade, a 40 milhões, considerando quatro pessoas por família. As expectativas da população em geral são muito ruins. O impasse é grande.  Urge, portanto, que o governo tome medidas para tirar o país deste buraco, o que pressupõe a aprovação da PEC do teto, a reforma da Previdência e a modernização da legislação trabalhista. Sem elas, o país continuará patinando no marasmo, senão na decadência. 

O problema, porém, que se coloca consiste no timing da aprovação destas reformas, tendo como pano de fundo o avanço da Lava-Jato e o vazamento de suas investigações. As reformas devem ser priorizadas sob o risco de serem inviabilizadas. O que está em questão é o país. A difícil equação consiste precisamente nesta correlação. Quanto antes essas reformas forem aprovadas, menor impacto terá a Lava-Jato sobre elas. Quanto mais tardarem, mais a Lava-Jato poderá atingi-las, vindo, mesmo, a inviabilizá-las, dada a desordem política daí resultante. 

Como se isto não bastasse, os fatos que levaram à demissão do agora ex-ministro Geddel expõem outro flanco delicado do governo ao expor as complexas relações entre moral e política, sobretudo à luz do cenário atual. Suas repercussões são tanto mais graves por acontecerem neste momento de devastação da classe política pelas operações da Lava-Jato, quando a sociedade civil clama por moralidade pública. A classe política e setores do governo parecem não ter compreendido que a sociedade brasileira já não mais admite uma política cínica, voltada para o atendimento particular de políticos e corporações dos mais diferentes tipos, sejam as do funcionalismo público em geral, sejam as das corporações patronais e sindicais. 

Os interesses corporativos não podem se sobrepor aos do Brasil. O Judiciário e o Ministério Público, que tão relevantes serviços têm prestado ao Brasil, não podem, por exemplo, neste momento de crise aguda, exigir aumentos salariais e benefícios dos mais diferentes tipos enquanto outros não têm o que comer. Exige-se, hoje, uma política que siga padrões de moralidade pública. Exige-se do novo governo que ele se diferencie do anterior. Se isto não for feito, poderá ser fortalecida a percepção de que a mudança seria, apenas, mais do mesmo. O país poderia ser paralisado.  O fosso entre a sociedade, de um lado, e a classe política e o governo, de outro, só tende a aumentar se as brigas da Corte e da classe política primarem sobre o bem coletivo.  Difunde-se, na sociedade, a ideia de que o governo está se dissociando da sociedade.

Os políticos e as corporações, por sua vez, continuam em um jogo particular, pequeno, como se o precipício não estivesse logo ali. Há um ensimesmamento extremamente perigoso, pois nasce da falta de consciência da gravidade da crise.  A nação clama por transformações e por um esforço coletivo, devendo a classe política e o governo tomarem esta vanguarda. Ora, esta liderança não está se exercendo a contento, os interesses menores prevalecendo sobre os maiores. 

Mostra disso reside no projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados com o intuito de anistiar os crimes do caixa dois. A insensibilidade parlamentar é total. A sua falta de oportunidade é completa. A sociedade clama pela punição dos mais diferentes tipos de crime, enquanto a classe política procura preventivamente isentar-se desta responsabilidade.
Mesmo que devamos distinguir entre os crimes eleitorais e os de corrupção e propina, o momento não poderia ser mais inadequado. Aos olhos da sociedade, aparece esta iniciativa como uma anistia antecipada, uma precaução diante dos desdobramentos da Lava-Jato. [pedimos encarecidamente aos nossos dois leitores - ninguém e todo mundo - que não deixem de ler o POST imediatamente posterior a este.]

A classe política está brincando com fogo. O povo foi às ruas, em especial a classe média, para protestar contra um governo corrupto que se caracterizou por práticas ilícitas e imorais. O mensalão e o petrolão mostraram isto à saciedade.


As manifestações populares disseram não ao governo Dilma e indiretamente sim ao então vice-presidente Michel Temer, na expectativa de que este se mostrasse diferente do ponto de vista da moralidade. A sua biografia o respalda. Agora, poderão voltar essas manifestações enquanto expressão de uma aguda indignação moral, podendo, então, cair elas no colo do próprio presidente. Seria o pior dos cenários. Deve ele, portanto, dissociar-se publicamente deste projeto de lei de anistia, anunciando, desde já, que não o sancionará caso seja aprovado. 

Acrescente-se, ainda, que essas manifestações, caso venham a ocorrer, teriam uma face nitidamente social, com os desempregados também delas participando. Expressariam toda a sua indignação e desamparo.  Juízes também poderiam juntar-se a essas manifestações, protestando contra o projeto de lei da anistia, respaldados pelos movimentos sociais, como o MBL e o Vem para a Rua. 

A demissão do ministro Geddel tira um pouco o fogo do caldeirão, porém este indigesto caldo de cultura permanece. O governo deverá avançar tanto nas reformas quanto moralmente, escutando a sociedade e apoiando-se nela. A pauta do governo não pode ser um apartamento na Bahia. O governo deverá mostrar mais claramente que o seu diferencial consiste em ser moralmente diferente do anterior, o que exige uma reformulação das práticas políticas correntes. Não há mais tergiversação possível. É o futuro do país que está em jogo.

Fonte: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - O Globo