"O que importa não é a identidade do cadáver, mas seu impacto sobre o público."
1) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella” porque é
ato de resistência. Na antipolítica cultural do governo Jair Bolsonaro,
artistas e produtores de cinema são atacados ao limite da asfixia. O
lançamento de “Marighella” foi adiado em dois anos e meio, por censura
travestida de burocracia.
2) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella” para
reencontrar a História, porque há empenho oficial em recontá-la
atenuando o legado nefasto da ditadura militar. O filme retrata o
ambiente de censura à imprensa e escancara a brutalidade do regime com
cenas cruas — às vezes, insuportáveis — de tortura e execuções. A
barbárie foi anistiada, mas está documentada. “Marighella” tampouco
esconde a radicalização e a violência dos opositores, empenhados em
enfrentar, enfraquecer, derrubar o regime via luta armada, mesmo sem
apoio popular. Em tempos de escalada autoritária, de ameaça à democracia
tão duramente reconquistada, é preciso lembrar o passado, para não
repeti-lo.
3) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella” para
testemunhar a estreia de Wagner Moura na direção. O grande ator conduziu
uma produção segura, a serviço do elenco. Escolheu um homem preto para
encarnar o personagem principal, mestiço; fez o avesso do
embranquecimento que grassa na produção cultural brasileira. Batizou
personagens com o nome real dos atores, caso de Humberto Carrão,
Henrique Vieira e Bella Camero, como a explicitar o compromisso de cada
indivíduo com a produção. Atos políticos. A impressão é de confinamento,
de segredo, tanto na ação do regime quanto dos opositores. É obra
impregnada da atmosfera de tensão daqueles dias.
4) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella” para ver
Seu Jorge brilhar como protagonista. O cantor e compositor se assenta na
carreira de ator ao encarnar um Carlos Marighella idealista e violento,
radical e engraçado, amedrontado e amoroso, pretensioso e ingênuo,
ambicioso e isolado. Humano, portanto. Luiz Carlos Vasconcelos também se
destaca como Almir, o Branco, companheiro leal do início ao fim.
5) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella”, porque a
ditadura pavimentou muito do modelo de segurança pública e de abordagens
policiais, ora debatidos no Brasil. Na saída do filme, encontrei Mônica
Cunha, coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, fundadora
do Movimento Moleque (de mães de vítimas da violência), cujo filho
Rafael foi assassinado aos 20 anos, em 2006. Ela chorava por enxergar no
longa a linha do tempo que veio dar no arbítrio, ainda hoje,
característico da relação do Estado com jovens negros de favelas e
periferias. A narrativa de “Marighella” guarda a gênese do Capitão
Nascimento, personagem eternizado pelo ator Wagner Moura num par de
filmes de José Padilha.
6) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella” para
reviver a beleza de cantar com paixão o Hino Nacional, sequestrado por
autodeclarados patriotas que preferem autoritarismo à democracia,
radicalismo ao diálogo, intolerância à inclusão. E para ouvir versos de
Gonzaguinha: “Memória de um tempo onde lutar / Por seu direito / É um defeito que mata”. São cenas comoventes do filme.
7) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella” em
reconhecimento ao trabalho do jornalista Mário Magalhães, que dedicou
quase uma década a apurar e escrever a biografia do líder da Aliança
Libertadora Nacional (ALN), até então condenado à invisibilidade. O
filme é um corte nos cinco últimos anos de vida do guerrilheiro,
ex-deputado, pai, marido, filho de Oxóssi, morto desarmado em 1969, em
São Paulo, por agentes do Dops. O roteiro partiu do livro de Magalhães,
Prêmio Jabuti de melhor biografia em 2013.
8) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella” para
reencontrar as salas de cinema, após o hiato imposto pelas medidas de
enfrentamento à Covid-19. O setor foi dos mais prejudicados pelas
restrições às atividades econômicas: primeiro a parar, último a retornar
à normalidade. Diante do cenário atual da pandemia (queda de casos,
internações e óbitos) e do avanço da vacinação, Vitor Mori,
pós-doutorando em engenharia biomédica e membro do Observatório Covid-19
Brasil, afirmou em série de posts no Twitter: “Mesmo sendo local
fechado, as pessoas se mantêm em silêncio a maior parte do tempo, e há
boa aderência ao uso de máscara”. No Rio, são obrigatórios apresentação
do certificado de vacinação e uso de máscara nos cinemas, medidas de
segurança sanitária. Negacionistas fora.