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sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Casos de antissemitismo e de islamofobia triplicam com guerra Israel-Hamas

Fúria e ressentimentos são continuamente atiçados e se espalham pelo mundo. A solução só virá quando se abrir uma brecha no império do rancor 

A member of the Israeli security forces scuffles with a protestor as Palestinian and Israeli peace activists demonstrate at the entrance of Huwara in the occupied West Bank, on March 3, 2023, following deadly violence by Israeli settlers. Late on February 26, the Palestinian town of Huwara came under attack by Israeli settlers, hours after two settlers were shot dead as they drove through the northern West Bank town. Credito: Jaafar ASHTIYEH/AFP

 DO LADO DE CÁ - Violência: soldado de Israel usa a força para reprimir manifestante palestino na Cisjordânia (Jaafar Ashtiyeh/AFP)
 
As guerras são a mais extrema expressão da barbárie e desgraçadamente não faltam exemplos de horrores e mortandade ao longo da história. 
 Mas poucas vezes a violência sem limites escalou de maneira tão vertiginosa quanto a que se observa no duelo atual entre a força militar de Israel e os militantes do Hamas, que acaba de completar um mês. 
A trágica contabilidade de mortos partiu do altíssimo patamar de 1 400 pessoas massacradas no dia 7 de outubro, quando o grupo palestino cruzou os limites da Faixa de Gaza em um devastador ataque-surpresa. 
A resposta israelense foi deslanchar uma ofensiva para aniquilar o inimigo que, na conta do Ministério da Saúde da superpovoada Gaza, já matou mais de 10 000 pessoas, quase metade delas crianças.  
Os sangrentos trinta dias de confronto desembocaram em uma agressividade de proporção inédita no campo de batalha da opinião pública, com o disparo maciço nas redes sociais de cenas de execuções, bombardeios de escolas, colapso de hospitais e bebês sem vida.

O mundo se repartiu entre contra e a favor, sufocando o meio-termo e abrindo espaço para o mais virulento preconceito. “A mente está cheia até a borda com nossa própria dor e não sobra espaço nem para reconhecer a dor dos outros”, escreveu o historiador e filósofo israelense Yuval Harari. Pairando sobre tudo, o ódio, sentimento que cega e escraviza, vai cumprindo seu papel de aprofundar as históricas desavenças entre árabes e judeus, fazendo delas uma questão pessoal, de indivíduo contra indivíduo, com ecos em toda parte e sem solução à vista.

DO LADO DE LÁ - Mais violência: suástica na fachada da casa em Lyon, na França, onde uma judia foi esfaqueada
DO LADO DE LÁ – Mais violência: suástica na fachada da casa em Lyon, na França, onde uma judia foi esfaqueada (Reprodução/Twitter)

Nos últimos dias, tanques e tropas cercaram a cidade de Gaza, a maior do enclave, e iniciaram a incursão pela rede de túneis controlada pelo Hamas. “Estamos em uma nova etapa da guerra”, declarou o porta-voz do Exército Daniel Hagari, ao mesmo tempo em que o secretário-geral da ONU, António Guterres, subia o tom, afirmando que Gaza está se tornando “um cemitério de crianças”. Discute-se a implantação de “pequenas pausas humanitárias” nos combates — as forças israelenses deram quatro horas para moradores da Cidade de Gaza deixarem o local —, e as listas para a saída de estrangeiros e feridos graves pelo Egito são divulgadas a conta-gotas (34 brasileiros estão na fila).

Não se sabe o que será de Gaza após a ofensiva militar. Negociações estão em curso para que a mais moderada Autoridade Palestina, que administra a Cisjordânia, assuma o território, mas ela terá que conviver com a presença israelense — o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu antecipou que o país “será responsável pela segurança por um período indefinido”. A marcha da insensatez se acelerou com a declaração de Amihai Eliyahu, ministro do Patrimônio — cargo criado para acomodar a extrema direita religiosa que faz parte do governo —, de que o uso de bombas nucleares em Gaza “seria uma opção”. Foi afastado e desautorizado, mas o estrago estava feito. 

Nada do que se discute agora sinaliza um caminho para a paz — pelo contrário, são ações que, como já aconteceu outras vezes, cristalizam raiva e ressentimentos que se espalham pelo planeta.

POLARIZAÇÃO - Atos pró-Palestina em Tulane (à esq) e em Harvard: o conflito entre árabes e judeus se espalha pelas universidades americanas
POLARIZAÇÃO - Atos pró-Palestina em Tulane (à esq) e em Harvard: o conflito entre árabes e judeus se espalha pelas universidades americanas (Reprodução/Joseph Prezioso/AFP)
Os casos de antissemitismo e de islamofobia mais do que triplicaram na Europa e nos Estados Unidos no último mês. No estado de Illinois, o menino de origem palestina Wadea Al Fayun, 6 anos, foi esfaqueado pelo dono do apartamento onde ele morava com a família, um septuagenário que, segundo sua mulher, “escuta talk shows conservadores no rádio” e andava obcecado pelo conflito no Oriente Médio. 
Em Lyon, na França, uma mulher judia foi ferida a facadas por um homem que bateu à sua porta e, para não deixar dúvida quanto à motivação do crime, pichou uma suástica na entrada da casa.
Estrelas de Davi apareceram pintadas na fachada de prédios habitados por judeus em Paris. 
No longínquo Daguestão, país muçulmano às margens do Mar Cáspio, uma turba invadiu o saguão de um aeroporto pretendendo linchar passageiros que desembarcavam de Tel Aviv. “No mundo conectado em que vivemos, quem já têm inclinação para a violência reforça sua visão. As pessoas estão buscando motivos para confirmar seus preconceitos”, diz Wendy Via, cofundadora do Global Project Against Hate and Extremism.
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As expressões de ódio despertadas pelo conflito entre árabes e judeus derramaram-se, com força nunca vista, pelas universidades americanas, um terreno minado pela polarização política e pelo racha talhado pela cultura woke, que leva às últimas consequências o conceito do politicamente correto. Em Harvard, trinta organizações estudantis não só condenaram Israel como abraçaram o execrável slogan “Do rio ao mar, a Palestina será livre— à primeira vista inocente, mas que embute a sumária destruição total do Estado judeu (por repetir o desatino, Rashida Tlaib, única deputada de origem palestina dos Estados Unidos, recebeu um raríssimo voto de censura da Câmara). 

Em Cornell, outra instituição de elite, um aluno disparou nas redes sociais ameaças de morte a estudantes judeus. Tulane, em Nova Orleans, foi palco de agressões generalizadas entre apoiadores dos dois lados quando um manifestante tentou incendiar uma bandeira de Israel. Em Stanford, na Califórnia, a polícia investiga como crime de ódio a morte de um judeu nas proximidades de um ato pró-Palestina. “O discurso, no meio universitário, repisa que os dois povos não podem viver naquela região porque um lado representa o domínio imperialista e o outro rejeita a civilização ocidental. É a islamofobia batendo boca com o antissemitismo”, resume Michel Gherman, professor de história da UFRJ nascido em Israel e tachado de antissemita em um debate na PUC carioca.

O antissemitismo observado nos dias de hoje é uma chaga que teve origem no fim do século XIX, concentrado principalmente na Europa. 
As aceleradas mudanças políticas e econômicas da época, um processo repleto de conflitos que iriam descambar em duas guerras mundiais, desagradaram a nacionalistas que, em busca de um bode expiatório, atribuíram os problemas surgidos à minoria religiosa que controlava parte das instituições financeiras — início de uma perseguição movida pela intolerância que culminou no Holocausto e nos 6 milhões de mortos pelas atrocidades nazistas.
 A fogueira da islamofobia se acenderia meio século depois, quando árabes começaram a migrar para países europeus em busca de vida melhor. Ela explodiria neste século, em que as imensas levas de imigrantes ilegais, associadas à violência latente nas periferias pobres das grandes cidades, desencadearam um turbilhão antimuçulmano. “O antissemitismo e a islamofobia têm a mesma raiz ideológica e é justamente isso que impede que as duas vítimas se reconheçam em pé de igualdade e possam dialogar”, ressalta Arlene Clemesha, professora de história árabe da USP.
TERROR - Ruínas do World Trade Center: civis chacinados em plena Nova York
TERROR - Ruínas do World Trade Center: civis chacinados em plena Nova York (Beth A. Keiser/AFP)

O clima de animosidade entre árabes e judeus se fez presente já na origem dos dois povos: como era comum na convivência das tribos naquela época, as escrituras relatam choques entre os descendentes dos dois filhos de Abraão — Ismael, que viria a formar a nação árabe, e Isaac, tronco do judaísmo. “Os dois povos semitas entraram em conflito por terras já em XVII a.C.”, relata o teólogo Jacir de Freitas, autor de A História de Israel e as Pesquisas Mais Recentes. Apesar dessas diferenças, árabes e judeus repartiram o que é hoje a Palestina com relativa civilidade durante milênios. 

O conflito do qual a guerra atual é a mais recente e mais mortífera consequência tem como ponto de partida as movimentações que resultaram na proposta, apresentada pela ONU em 1947, de divisão da Palestina para a formação do Estado de Israel.  
Nacionalistas palestinos e sionistas se mobilizaram contra e a favor da partilha, a Liga Árabe tomou partido e os tiros começaram a ser disparados. 
Três guerras entre israelenses e alianças militares árabes, inúmeros e horripilantes atentados terroristas e seguidas revoltas sufocadas a bala e bombas depois, judeus e palestinos vivem no mesmo espaço, mas separados por uma montanha de fúria e desconfiança. “O ódio não é a causa dos acontecimentos históricos, mas sim seu subproduto. Frequentemente políticos e ideólogos incitam esse sentimento para ganhar poder e influência”, ensina Norman Naimark, professor de história da Universidade de Stanford.
HORROR - Judeus sendo levados de trem para campo de concentração nazista: barbárie movida pela disseminação do ódio
HORROR - Judeus sendo levados de trem para campo de concentração nazista: barbárie movida pela disseminação do ódio (Austrian Archives/IMAGNO/APA-PictureDesk/AFP)

Sentimento inerente à condição humana, o ódio se situa entre a raiva e o nojo, duas das seis emoções básicas universais descritas pelo psicólogo americano Paul Ekman. Ambas têm lá sua justificativa: enquanto a raiva pressupõe ação diante de algo percebido como errado ou injusto, o nojo serve para evitar contato com perigos e ameaças — na evolução, manteve humanos longe de comidas venenosas ou estragadas. “Mas a combinação é destrutiva”, explica Robert Sternberg, professor de psicologia da Universidade Cornell. “Seu estímulo provém de narrativas falsas, que convencem as pessoas de que o outro está roubando seus recursos e seu destino.” O psicólogo social Aharon Levy completa: “Em uma situação de ódio entre grupos, cada lado acredita que está moralmente correto, ao passo que o inimigo é imoral e não pode mudar”.

SEM PAZ - Salman Rushdie: cabeça a prêmio, anos escondido e, três décadas depois, facadas que lhe tiraram a visão
SEM PAZ - Salman Rushdie: cabeça a prêmio, anos escondido e, três décadas depois, facadas que lhe tiraram a visão (Arne Dedert/Getty Images)
A dinâmica do ódio já serviu de base para episódios estarrecedores de massacres de populações. Em 1995, 8 000 muçulmanos foram brutalmente assassinados por forças sérvias em Srebrenica, na Bósnia e Herzegovina. Um ano antes, os hútus executaram 800 000 tútsis, só por serem tútsis, em Ruanda. 
No mais impactante ato de terrorismo jamais visto, dois aviões lotados derrubaram as torres gêmeas do World Trade Center, em plena Nova York, matando cerca de 3 000 pessoas, todas civis
Individualmente, o escritor indo-britânico Salman Rushdie passou anos escondido, com a cabeça posta a prêmio por citar o profeta Maomé no romance Os Versos Satânicos
Voltou a circular e em 2022, mais de três décadas depois, um fanático o esfaqueou. 
Sobreviveu, mas perdeu a visão de um olho e teve o fígado perfurado. 
Por outro lado, conflitos que pareciam impossíveis de ser contornados deixaram de existir: franceses se reconciliaram com ingleses após séculos de enfrentamentos, japoneses fizeram as pazes com americanos, depois da II Guerra, alemães assumiram a responsabilidade e se penitenciaram pelos crimes nazistas. No sofrido Oriente Médio, resta torcer para que uma brecha se abra e a voz da razão possa um dia ser ouvida.
 

 

Publicado em VEJA, edição nº 2867, de 10 de novembro de 2023


sexta-feira, 23 de junho de 2023

Justiça para todos? - Fica difícil falar em justiça quando se fala do Judiciário brasileiro, que amplia a injustiça de seus privilégios - O Globo

 Justiça - Foto: Pixabay

Tantas vezes pergunteisem obter nenhuma resposta, assim como a natureza do transe místico e o mistério da sorte —, mas continuo me perguntando sobre a justiça, esse complexo sentimento de justiça, que tantas vezes se confunde com vingança e morte. 
Justiça dos homens, porque na natureza não há justiça, há sobrevivência, não há justiça no Cosmos, nem mesmo nas religiões.(...)
Entre os homens, talvez exista uma vontade moral de fazer justiça, mas danos irreparáveis não podem ser reparados, reputações não podem ser restauradas, vidas não podem ser renascidas.

Há grande nobreza na busca da justiça, ela move o mundo, muitos homens e mulheres dedicam a vida e o trabalho a tentar fazê-la, nos limites da precariedade das leis e da condição humana, muitas vezes se tornam apenas árbitros de conflitos de interesses e ambições, e se tomam pela sensação de superioridade que o poder de vida e morte lhes dá, ou empresta.

Fica difícil falar em justiça quando se fala do Judiciário brasileiro, mesmo fazendo justiça aos homens e mulheres de bem que o integram, porque ele protagoniza, e amplia, a injustiça de seus privilégios em relação ao restante da população.

Nenhuma corporação tem as vantagens que eles se concedem, não se fala de bons salários, justos pela importância da função que exercem, mas de todas as mordomias, penduricalhos e mimos que se concedem, e que nenhuma outra categoria profissional tem.

Na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Alemanha, os juízes, até da Suprema Corte, vão para o trabalho dirigindo seus próprios carros, de táxi ou de metrô. 
 O Estado, o contribuinte, não paga casa e comida para ninguém, nem viagens e congressos, nem prêmios de assiduidade ou por permanência no emprego, que é dever profissional.

No Brasil, esses sindicalistas do Judiciário contam sempre com a colaboração dos políticos que votam as verbas e avalizam os privilégios. Eles têm pavor do Judiciário, porque podem cair em suas mãos a qualquer momento, então é melhor estar bem com eles. Para não generalizar nem ser injusto, é sempre uma minoria ativa nos dois poderes, a maioria merece respeito e justiça.

Justiça atrasada é justiça negada, mas no Brasil a justiça tarda sempre, mas muitas vezes falha, aqui um juiz pode “pedir vista” não para estudar melhor, mas para sentar em cima de um processo por um bom tempo, a pedido de alguém a quem deve favores políticos, atrasar veredictos já votados pela maioria, facilitar prescrições. Que justiça, seja lá o que isto for, há nisso?

Aqui, um juiz corrupto e condenado tem como punição ser aposentado com salário integral, parando de trabalhar para viver às custas do Estado, do contribuinte. Que justiça há nisso?

terça-feira, 6 de julho de 2021

Crise hídrica e outras confusões - Míriam Leitão

 O Globo

Governo Bolsonaro permanece negando a gravidade da falta de água

Sair da negação e falar a verdade. Esse é o primeiro passo para o país enfrentar a crise hídrica. Há 20 anos foi assim e deu certo. O governo Bolsonaro permanece negando a gravidade da falta de água. Fez uma MP para criar um comitê de gestão, que pode tudo menos decidir pelo racionamento. Ontem foi anunciado aumento dos combustíveis, isso também afetará a tarifa de energia. A inflação sobe, a popularidade despenca, a CPI revela desmandos e corrupção e o governo tem medo de dizer a verdade sobre a crise hídrica.
 [Informar sobre a crise hídrica faz chover?  
Ao que se sabe não, mas é um bom tema a ser manipulado e usado contra o Governo. Logo vão estar acusando o governo Bolsonaro de 'genocídio' de peixes - afinal, genocídio de seres humanos é uma das acusações que tentam colar no presidente Bolsonaro, devido a lamentável mortandade causada pela nefasta covid-19 = tentativa que resulta em fracasso total.
Quando a mortandade de peixes tiver inicio (normal em época de seca)  a mídia militante - contra o Brasil - iniciará seus trabalhos,  acusando o governo Bolsonaro de negacionismo; formarão um consórcio para acompanhar a crise hídrica e a TV Funerária passará a divulgar o número diário de peixes mortos, a média, etc. 
Sabem que o governo Bolsonaro não criou o coronavírus e que  chuvas são assunto de São Pedro - o que isenta o presidente de qualquer responsabilidade sobre a seca.  Indiscutivelmente, a Covid-19 causou uma dos maiores catástrofes que se abateu sobre o mundo - vidas humanas, representam perdas irreparáveis = jamais se substitui um ente querido morto por um outro = mas com o fim da pandemia, graças a DEUS, cada dia mais próximo, tentarão continuar o desmonte do governo Bolsonaro com a mortandade de peixes = o que importa é notícia ruim. Mais uma vez os inimigos do Brasil, fracassarão.]
Usina Hidrelétrica Belo Monte fica localizada no rio Xingu, no Pará

A crise de 2001 foi provocada pela falta de planejamento, mas apesar de ser conhecido com “o apagão”, transformou-se num “case” de sucesso de gestão. Um dos gestores daquela crise de 2001 foi David Zylbersztajn, que na época era presidente da Agência Nacional do Petróleo. Ele compara: Tem agora uma repetição do erro do passado que foi entrar em negação, no início. Mas lá o sinal vermelho apareceu em maio. No dia primeiro de junho foi decretado o racionamento. Agora estamos em julho, o período seco está mais agudo e já perdemos mais de um mês em relação à ação tomada em 2001.

Ele acha que o risco de racionamento está muito alto, muito além do aceitável. A grande vantagem é que em 2001 mais de 80% da energia consumida no Brasil era hidráulica. Agora, um pouco mais de 60%. Foram desenvolvidas as energias eólica e solar, juntas têm mais de 10%, e continuam crescendo. Além disso, foi instalado o parque térmico de energia fóssil, e essas usinas, apesar de serem caras e sujas, foram colocadas no sistema. Tudo isso atenuou o problema, mas ao mesmo tempo, aumentou o uso competitivo da água.

As hidrelétricas mais velhas eram com reservatórios, e as que foram construídas depois são a fio d’água. Nos anos 80 chegou a haver planejamento plurianual para cinco anos. – Agora não tem nem para um. E nem tem como ser diferente. Pegue Belo Monte, o lago que estava previsto iria inundar aldeias indígenas e uma parte da cidade de Altamira. Belo Monte segurou a produção de energia até agora, mas vai começar a cair drasticamente– disse David.

A construção da usina produziu um grande estrago ambiental mesmo sendo sem o reservatório previsto. E tem uma oscilação na capacidade de produção enorme, que começa a declinar justamente agora no período mais seco. Em agosto e setembro estará gerando em torno da metade da sua capacidade. O que mudou fortemente nesse período de vinte anos foi a eólica que chegou a segurar, em alguns dias, 100% da demanda do Nordeste. A escassez é principalmente no Sudeste, onde está 60% a 70% da acumulação necessária do Brasil todo. – O sistema de transmissão está mais parrudo hoje do que era em 2001, mas o problema é manter a transmissão nos horários de pico. O governo tinha que conseguir deslocar o horário de pico, ou, como se diz na pandemia, achatar a curva – explica David.

E como fazer isso? Como foi feito em 2001, quando o governo abriu o jogo e falou claro. Sob o comando do então ministro chefe da Casa Civil, Pedro Parente, o governo admitiu o tamanho do problema, assumiu o seu erro, e passou a mobilizar a sociedade.  Um livro lançado recentemente conta o que foi aquele período. “Curto-circuito”, de Roberto Rockmann e Lucio Mattos.  Uma coisa que fizemos naquela época foi distinguir os consumidores. A bandeira vermelha não pode ser igual para todo mundo, tem que ser proporcional ao consumo. Quem tem renda baixa, será muito prejudicado. O pequeno negócio, também. [desse aspecto é impossível discordar; a bandeira vermelha tem que ser aplicada acima de um determinado consumo mensal (tipo não ser aplicável aos consumidores com gasto até 100 kWh/mês.) 
A partir do consumo de 100 kWh/mês, deve começar a incidência da bandeira vermelha, em percentual menor do que o aplicado sobre quem gasta 200 kWh/mês - este deve pagar um pouco mais = ainda que abaixo do pago por quem gasta 300 kWh/mês . 
Mais importante que representar uma renda extra para o sistema, é que a bandeira vermelha incentive redução de consumo e penalize os gastadores.]

O que fez a diferença em 2001 foi um ambiente de diálogo permanente com o país. Parente e todos os integrantes da Câmara que geriu a crise falavam o tempo todo, com a imprensa, com todos os setores envolvidos. Virou uma mobilização nacional. O consumo demorou uns sete anos para voltar ao que era porque o país ficou mais eficiente.  – Ninguém tinha visto aquilo, reduzir a carga de um país em 20% pelo lado da demanda. Essa conversa franca com a sociedade ajudou. É como se a população dissesse, “vocês têm culpa, mas eu vou ajudar”. O sinal econômico funcionou, quem reduzisse o consumo pagava menos – conta David.

Agora, o governo prefere dizer que não vai ter racionamento. Só poderá evitá-lo se tomar as medidas certas. E nada será resolvido à moda militar, mas sim pela boa gestão. Se o racionamento for necessário e não for decretado, aí sim o país viverá um apagão. [como de hábito já insinuam uma catástrofe  ainda não certa.
Dão a entender que o meio eficaz para se evitar o racionamento, é divulgar o risco de catástrofe de ocorrência ainda não certa - exatamente como tentaram fazer na covid-19,com os fracassados distanciamento social  e isolamento meia-boca.]
 
Míriam Leitão, jornalista - O Globo