Chegada de venezuelanos expõe incapacidade e falta de vontade do Estado em acolher fluxos imigratórios
[Pessoal, o Brasil tem mais de 13.000.000 de desempregados, um sistema de Saúde Pública falido, Educação Pública precária, transporte público péssimo, INsegurança Pública total;
acolher alguém em vez de ser um ato humanitário está mais para ser uma ação de repartir o sofrimento.]
A travessia de mais de 60.000 venezuelanos pela fronteira de Pacaraima (RR), em fuga de uma crise humanitária
sem precedentes em seu país e em busca de abrigo em terreno brasileiro,
expôs o Brasil a duas realidades incontestáveis. A primeira, de que
recebe apenas uma gota dos refugiados e imigrantes espalhados pelo mundo. A outra, de que ainda não reaprendeu a lidar com fluxos imigratórios. “É vergonhoso o Brasil não conseguir administrar o ingresso
desses imigrantes e refugiados. É preciso parar com essa política
reativa, pensar que a imigração é um fenômeno sem volta neste começo do
século XXI e tirar o melhor proveito desse fenômeno”, afirmou João
Carlos Jarochinski, professor de Relações Internacionais da Universidade
Federal de Roraima.
A gota no oceano está mais visível agora. O Brasil recebeu cerca de
60.000 venezuelanos e deverá acolher outros milhares nos próximos meses e
anos. Desse universo, cerca de 35.000 estão incluídos em um contingente
de 126.100 estrangeiros que solicitaram o status de refugiado nos
últimos anos e que, apenas com um protocolo precário na mão, deverá
esperar meses e anos pelo documento. Dentre todos os solicitantes de refúgio no Brasil nos últimos anos, o
governo federal só reconheceu 10.200 por pura falta de estrutura do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), o órgão responsável pelo exame de cada caso.
Entre imigrantes, refugiados, apátridas, asilados políticos, há 148.645 estrangeiros no Brasil sob o olhar protetor da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
No mundo, há 68,5 milhões de deslocados de suas casas, dos quais 25,4
milhões tiveram de fugir para outros países para salvar suas vidas. Essa gota de 148.645 estrangeiros no Brasil tem um volume, portanto,
de apenas 0,58%. Os venezuelanos são ainda menos expressivos nesse
contexto. Dos 2,3 milhões que optaram por escapar para um vizinho
sul-americano, apenas 2% vieram ao Brasil, segundo a Organização
Internacional para as Migrações (OIM).
Camila Osano, coordenadora de Programas da Conectas Direitos Humanos,
afirma que o terreno jurídico é muito mais bem preparado no Brasil do
que demais países receptores de venezuelanos da região. Enquanto aqui há
a Lei do Refúgio e a nova Lei de Imigração, na Colômbia a questão é
regida por atos normativos. Esse país recebeu, oficialmente, 450.000
venezuelanos — 7,5 vezes mais que o Brasil. Extraoficialmente, no
entanto, as contas chegam a mais de um milhão. “Isso traz uma imensa insegurança jurídica para o imigrante”,
explicou. “O Brasil precisa dar uma resposta mais robusta para os
venezuelanos imigrados e de referência para os demais países.”
Mas as coisas não são bem assim.
“Não há estrutura neste país para receber imigrantes há muitas
décadas. Estamos desacostumados”, disse Manuel Nabais da Furriela,
professor de Direito Internacional das Faculdades Metropolitanas Unidas
(FMU) e presidente da Comissão para o Direito do Refugiado da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB).
“O Brasil precisa entender que é destino de imigrantes e refugiados e
que isso fará parte de seu destino, se quiser ser uma potência
regional.”
Nesta década,
o Brasil recebeu milhares de sírios fugidos de um
conflito impiedoso e que ainda se arrasta. Também acolheu africanos de
diferentes nacionalidades, expulsos pela violência e por perseguições. Os venezuelanos não foram os primeiros a causar reações xenofóbicas.
Vítimas da destruição de um terremoto em 2010, os haitianos seguiram uma
longa rota até o Peru, de onde alcançaram o Acre. Reconhecidos como
imigrantes por razões econômicas, eles sofreram reações parecidas com as
que os venezuelanos experimentam atualmente em Roraima.
É certo que, em ambos os casos,
as massas imigratórias alcançaram o
Brasil por estados da fronteira terrestre, considerados periféricos,
com
grande concentração populacional em poucas cidades e serviços públicos
limitados. O impacto da chegada de milhares de imigrantes é quase
explosivo.
Status indefinido
Mas a atual insistência do governo de Roraima em fechar sua fronteira
com a Venezuela não encontra justificativa nem mesmo dentro de suas
fronteiras. Para Camila Asano, nada justifica as iniciativas até agora
fracassadas de Roraima de bloquear o fluxo imigratório.
Furriela considera ilegais essas iniciativas, por serem exclusivas da
esfera federal. Na OAB, ele propõe uma política federal mais eficiente e
rápida de distribuição dos venezuelanos concentrados em Roraima para
outros cantos do país. Jarochinski mora em Boa Vista e vê todos os dias venezuelanos lavando
vidros de carros nas esquinas e virando-se no mercado informal,
mas
igualmente se opõe a essas medidas. Para o acadêmico,
a questão traz
consigo o desafio do país de desenvolver as regiões de fronteira e de
acabar com a imagem de que são “periféricas e perigosas”. O momento
atual, porém, não favorece conversas de tão alto nível.
“O debate político aqui gira em torno da questão imigratória e não
alcança a qualidade técnica do tema”, afirmou, referindo-se às eleições
de outubro.
O status dos venezuelanos aqui no Brasil é tema que o governo federal
demora demais a definir. Por meio de decreto 9.285, de fevereiro, o
presidente Michel Temer reconheceu que os venezuelanos fogem da crise
humanitária de seu país. Poderiam, portanto, ser considerados imigrantes
por razões humanitárias ou econômicas. Mas também poderiam ser
reconhecidos como refugiados, como defende o Itamaraty no Conare.
“Se fossem já reconhecidos como refugiados, mais de 35.000
venezuelanos sairiam fora dessa lista imensa de solicitantes de refúgio,
que o Conare não consegue vencer”, defendeu Asano.
Veja
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3/11 Navio com imigrantes espanhóis, partindo com destino ao Brasil - 1950 (Wikimedia Commons/Reprodução)
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4/11 Imigrantes portugueses à espera do navio para o Brasil, em meados do século XX. (Wikimedia Commons/Reprodução)
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5/11 Mesquita no bairro do Pari, em São Paulo (SP), ponto de apoio a refugiados sírios - 10/04/2015 (Andre Liohn/VEJA/Dedoc)
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6/11 Mais de três mil haitianos ficaram acampados na pequena Brasiléia, município de 22 mil habitantes no sul do Acre - 09/04/2013 (Raimundo Paccó/Framephoto/Dedoc)
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Haitianos acampados no centro de triagem na pequena cidade de
Brasileia, ao sul do Acre, à espera do visto de permanência no Brasil -
09/04/2013 (Raimundo Pacco/Folhapress/VEJA/Dedoc)
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8/11 Fome e desalento - Homens se amontoam para receber refeição distribuída por voluntários em Boa Vista (Antônio Milena/VEJA)
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9/11 O Brasil está recebendo mais de 70 mil venezuelanos pela fronteira seca em Roraima - 07/03/2018 (Antonio Milena/VEJA)
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10/11
Povos indígenas Warao do delta do Orinoco, no leste da Venezuela, são
retratados em um abrigo em Boa Vista, estado de Roraima - 11/08/2018 (Nacho Doce/Reuters)
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11/11 Imigrantes venezuelanos aguaram por vagas do lado de fora de um abrigo em Boa Vista, Roraima - (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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1/11 Navio Kasato Maru, que trouxe os primeiros imigrantes japoneses para o Brasil - 1908 (Museu Histórico da Imigração Japonesa/VEJA/Dedoc)