Apreensão de suspeito, menor de idade, de
ter matado médico na Lagoa é mais um entre um sem-número de atos de violência
que ficam sem punição
Crimes como a morte do médico
Jaime Gold, e outros com o envolvimento de adolescentes, são tragédias anunciadas que se
alimentam na esquizofrênica resistência de parte da sociedade a enxergar uma
realidade insustentável. Como em ocorrências anteriores em que a violência dos
criminosos levou ao óbito, ou provocou ferimentos graves nas vítimas, também
desta vez há fortes indícios de participação de jovens com idade inferior a 18
anos. Ou seja, de antemão virtualmente inalcançáveis pela Justiça, um salvo-conduto balizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para a criminalidade sem o risco de punição efetiva.
Ontem, um
dos suspeitos da morte de Gold foi, no
jargão politicamente correto, “apreendido”.
Aos 16 anos, o rapaz já tem uma vida longa no crime,
com 15 anotações criminais — a
primeira das quais aos 12 anos. E, pelo protocolo, não é difícil adivinhar que essa provável 16ª anotação terá a mesma
tramitação das anteriores: inimputável, graças ao anteparo do ECA, logo ele estará de volta às ruas, ao círculo vicioso
da violência, incorporando mais ocorrências ao prontuário — ou sendo ele mesmo
uma nada improvável vítima dessa realidade que produz tragédias em série. Não é mais argumento a ser colocado na mesa
a suposta atenuante de que jovens com menos de 18
anos não têm consciência de seus atos. Falso. Fora a evidência de que adolescentes
ingressados na marginalidade têm
maturidade suficiente para medir o grau de violência que empregam para
intimidar as vítimas, outras duas particularidades desses crimes em
série desfazem essa impressão.
Uma delas
diz respeito à consciência do abrigo que o ECA lhes oferece. Não é por
acaso que esses rapazes praticam crimes desembaraçadamente, à vista de quantos
estejam testemunhando: o Estatuto os protege. Outra, a inegável rede de informações que os bandos trocam entre si, do que é prova o uso, cada vez mais constante, de facas em
assaltos na rua. Sabem que
portar arma branca não é prova de crime, um conceito que os delinquentes
aprenderam e adotam em favor de seus atos.
Contra a flexibilização da lei brande-se também a relativização
do envolvimento de menores em crimes,
principalmente homicídios. Por menor que seja o índice, não é por isso que
atos de violência, principalmente os que levam à morte, deixam de ser trágicos
— logo, graves.
O debate sobre a inimputabilidade
de delinquentes juvenis é contaminado por esse tipo de argumentos que desfocam
a discussão.
Espera-se que, agora, as trágicas consequências de crimes como o desta semana
na Lagoa contribuam para dar-lhe o rumo correto. Da parte do Legislativo, as ações parecem bem encaminhadas com a
aprovação, na
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, da emenda que reduz para 16 anos o limite da inimputabilidade penal — o que poderia ser feito dando-se ao juiz
competente o arbítrio de decidir
pela punibilidade de acordo com a gravidade do caso.
Um choque de realidade que precisa ser corroborado pelo plenário.
Fonte: O Globo – Editorial
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