A oposição parece descrer da seriedade da multidão. Parece supor que seu clamor é como fogo de palha: labaredas altas, mas sem consistência, que se apagam com rapidez
O que fragiliza as manifestações populares contra o governo Dilma é o que, em tese, deveria fortalecê-las: seu caráter espontâneo e apartidário. Não há dúvida de que o engajamento da sociedade, hoje, é bem mais consistente que ao tempo do impeachment do governo Collor, em 1992.Mas aquele movimento seguiu uma rota mais clara e objetiva que a vislumbrada até aqui.
E o motivo é que, à frente das manifestações – produzindo-as e incentivando-as -, estavam os partidos políticos de oposição e toda uma vasta falange de entidades e instituições com eles articuladas: governos estaduais, prefeituras, centrais sindicais, entidades religiosas – numa palavra, a sociedade civil.
Hoje, embora o clamor da sociedade seja ainda maior, a ponto de dispensar monitoramentos, esbarra na ausência de comando e organicidade. [liderança = os políticos estão sem credibilidade e isso faz com que as pessoas que começam a liderar qualquer movimento - agindo de uma forma até mesmo incompreensível - façam questão de deixar claro que não são políticos nem querem liderar nada. e as massas precisam ser lideradas, conduzidas.] As entidades que deveriam representar a sociedade civil, incluindo a CNBB, OAB e ABI, estão aparelhadas pelo PT e, até aqui, não proferiram uma só palavra contra os sucessivos escândalos que têm vindo à tona.
Quando se manifestam é exatamente para questionar moral e ideologicamente os manifestantes, ainda que estes peçam o óbvio – justiça para os corruptos – e se revelem na conta dos milhões, perpassando todas as classes sociais. Os atos de corrupção que levaram à derrocada de Collor se afiguram quase infantis diante do que a Operação Lava-Jato vem revelando.
Objetivamente, tem-se um oximoro: uma multidão solitária, sem líderes. Um exemplo claro do que isso produz é a situação do grupo de rapazes, que lideram os movimentos que vêm organizando as manifestações. Eles saíram a pé, de São Paulo, há quase um mês, rumo a Brasília, com o objetivo de entregar ao Congresso um pedido formal de impeachment da presidente. O grupo articulou-se com alguns parlamentares, mas não com os comandos partidários. Resultado: dez dias antes da chegada à capital federal – prevista para o dia 27 próximo -, a oposição desistiu de pedir o impeachment. Baseou-se num parecer do jurista Miguel Reale Junior, ligado ao PSDB, que desaconselha aquela via e sugere que se deponha Dilma pela via do Código Penal. [ou seja, foram desprezados pelos políticos; aliás, já afirmamos várias vezes que o PSDB e a chamada oposição podem querer tudo, menos o impeachment da Dilma.]
Reale acha que não há base jurídica para o impeachment, muito embora um colega seu, mais ilustre, Ives Gandra Martins, sustente o contrário. Reale prefere explorar as pedaladas fiscais cometidas pelo governo, o que colocaria no centro do processo não o Congresso, mas a Procuradoria Geral da República.[e Rodrigo Janot, por razões que até as pedras conhecem, não tem o menor itneresse em denunciar Dilma.]
O PSDB e os demais partidos de oposição acataram a tese, mas a justificaram com argumentos aritiméticos, não jurídicos. Para que o impeachment fosse aceito pela Câmara, dizem eles, precisaria de 342 votos favoráveis – e estes não existiriam. Os manifestantes alegam que tampouco há garantias de que o procurador-geral Rodrigo Janot vá encaminhar o pedido ao STF e que muito menos este, por meio do ministro Teori Zavaski, vá aceitá-lo. Em tese, ambos os caminhos são complicados. O que pode descomplicá-los é exatamente a manifestação popular. [até mesmo a liderança mais natural, deputado JAIR BOLSONARO, tem evitado participar das manifestações exatamente para não deixar a impressão que está buscando vantagem da incomPTncia da Dilma.
BOLSONARO prefere chegar à presidência da República via urnas.]
O ritual planejado para a entrega do pedido de impeachment ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, teria (ou por outra, terá, já que a programação está mantida) por pano de fundo uma multidão, clamando por aquela providência. É difícil imaginar que, em tal cenário, o presidente da Câmara negligencie o pedido. Ao receber das mãos dos presidentes da OAB e da ABI, em 1992, o pedido de impeachment de Collor, o então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, declarou: “O que o povo quer esta Casa acaba querendo também”. O princípio, em tese não mudou, já que o papel daquela Casa continua sendo o mesmo.
Porém, a oposição parece descrer da seriedade da multidão. Parece supor que seu clamor é como fogo de palha: labaredas altas, mas sem consistência, que se apagam com rapidez. Diante das manifestações das ruas, mostra-se tão desconfortável quanto o governo, resignada ao papel burocrático de criticá-lo, mas jamais de depô-lo, ambos submetidos a um único e mesmo script.
O parecer de Reale frustra a multidão. Vejamos como reagirá.
Fonte: Ruy Fabiano, jornalista
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