Se eu fosse petista
Lutaria
por uma verdadeira renovação doutrinária, e não por esse arremedo anacrônico
constituído pelas “teses” das diferentes tendências partidárias e pela
Resolução do partido
Se eu fosse petista, não adotaria uma
postura esquizofrênica. De um lado, em seus momentos de responsabilidade, o PT levou a cabo uma
prática social-democrata, que se assemelha aos governos social-democratas
alemães ou ao trabalhismo inglês. De outro lado, o partido manteve inalterada a
sua doutrina socialista, que retoma essencialmente o que era considerado como a
concepção socialista/comunista do século XX. Na brecha desta esquizofrenia, foi introduzido o aparelhamento partidário
do Estado, como se essa fosse uma espécie de terceira via de sua manutenção
“socialista” do poder, da qual o seu
fruto mais visível é a corrupção instalada no aparelho estatal.
Se eu fosse petista, assumiria
uma postura social-democrata, abandonando a fraseologia marxista e de conflito de classes.
No governo, o PT, com nuances internas
nos governos Lula e Dilma, adotou, na prática, uma política de tipo
social-democrata, privilegiando programas sociais, dentre os quais o mais
visível foi o Bolsa Família. Na mesma esteira, embora com apoio cubano, fez o
programa Mais Médicos, visando a fornecer atendimento a populações desatendidas
de municípios carentes. O programa Minha Casa, Minha Vida seguiu a mesma
orientação, com o objetivo de prover habitação para as mais baixas faixas de
renda. Do mesmo modo, fez o programa Minha Casa Melhor, com a finalidade de
possibilitar a mobília e eletrodomésticos dessas mesmas moradias.
Se eu fosse petista, faria o que
fez a social-democracia alemã e o trabalhismo inglês. Diga-se de passagem que a
direita seguiu o mesmo caminho no caso da democracia cristã na Alemanha e na
Itália ou dos governos gaullistas na França. Não é só a esquerda que faz política social! O
marxismo e o comunismo não lhe foram, neste sentido, de nenhuma valia, se
considerarmos suas medidas sociais, próprias de governos inseridos numa economia
capitalista. Ou seja, trata-se de iniciativas que são não só plenamente
compatíveis com a economia de mercado, mas somente nesta podem se viabilizar,
dada a riqueza proveniente da livre iniciativa e da liberdade de empreender, em
relações regradas segundo as normas do Estado Democrático de Direito.
Se eu fosse petista, lutaria por
uma verdadeira renovação doutrinária, e não por esse arremedo anacrônico constituído
pelas “teses” das diferentes
tendências partidárias e pela Resolução do partido. Acontece que o programa
partidário está baseado na luta de classes, na tutela estatal, na intervenção
da economia, no menosprezo ao lucro, no desrespeito ao direito de propriedade,
no desprezo da democracia representativa e sempre colocando como objetivo final
a criação de uma “sociedade” socialista
no Brasil. Note-se que o PT jamais deixou de prestar solidariedade aos governos comunistas de
Chávez, Maduro e dos irmãos Castro. Por mais que esses governos pisoteiem os direitos humanos que o
PT diz representar, nenhuma crítica governamental nem partidária é a eles
endereçada. Lembre-se que a ditadura
cubana vivia das mesadas da União Soviética!
Tudo, evidentemente, na visão deles é culpa do “imperialismo”,
apesar de o comunismo soviético, em décadas do século XX, ter ocupado
mais da metade do planeta. Sucumbiram esses países às
suas próprias contradições. Fracassaram simplesmente.
Se eu fosse petista,
não endeusaria Lula.
Em seus governos, o PT jamais abandonou essas posições doutrinárias. O ex-presidente, por exemplo, teve uma política sistemática de apoio e
financiamento de uma organização revolucionária como o MST. Deu sustentação a
invasões de propriedades rurais, em um
manifesto desrespeito ao direito de propriedade, algo muito próprio da esquerda
revolucionária. Sustentou, embora
sem sucesso, várias tentativas de controle da imprensa e dos meios de
comunicação, por intermédio das Conferências Nacionais. Apoiou iniciativas de Conselhos Populares e Conferências, com o claro intuito de minar as bases da democracia
representativa. Apoiou o
aparelhamento partidário do Estado, tendo a corrupção
do mensalão enquanto símbolo e legado seu. Aliás, foi também em seu
governo que foram sentadas as bases do petrolão.
Se eu fosse petista, depuraria o
governo Dilma de suas contradições. A presidente Dilma
distanciou-se de algumas posições de Lula e do PT, sinalizando para uma renovação. Em seu primeiro mandato, procurou
afastar-se da corrupção, tentando uma faxina ética em seu Ministério, não
tendo, porém, conseguido sustentar essa posição. No que diz respeito ao MST,
relegou essa organização revolucionária a uma posição secundária. Foi, ademais,
defensora intransigente da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação, não
tendo levado adiante o projeto de “controle
social dos meios de comunicação”, deixado por seu antecessor. Por outro
lado, no que concerne aos conselhos populares tentou, com um decreto, fazer valer essa proposta revolucionária que solaparia as
bases mesmas da democracia representativa.
Sua
recaída esquerdista foi manifesta. Seguindo, ainda, a mesma orientação de esquerda, seguiu as linhas
de um capitalismo de compadrio com intervenção estatal
crescente, cujo desfecho estamos hoje vivenciando com PIB negativo,
inflação que estourou o teto da meta e juros estratosféricos. Agora,
neste seu segundo mandato, volta-se para os ditos “movimentos sociais” que desprezara.
Se eu fosse petista, aceitaria as
críticas e faria uma autocrítica. No que diz respeito à corrupção, o partido nega contra todas as evidências a
sua participação. Afastou o tesoureiro Vaccari só
após ele ter sido preso e ainda assim fazendo a sua defesa. No mensalão,
considerou os seus artífices “guerreiros
do povo brasileiro”, em uma clara afronta às nossas
instituições republicanas. Pior ainda, o PT ataca essas mesmas instituições republicanas, como o Ministério Público, o Judiciário e a Polícia Federal,
e a imprensa e os meios de comunicação, que são os pilares de uma
sociedade livre.
Por: Denis Lerrer Rosenfield é professor de
Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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