Para
alguns, o país
voltou a respirar o clima político de 22 anos atrás, quando as reportagens da
revista Veja sobre o derretimento do governo Collor faziam parte do cardápio obrigatório do final de
semana. Na sexta-feira, por exemplo, começaram
a circular as notícias sobre os documentos apresentados na delação premiada de
Ricardo Pessoa, dono da UTC. Entre eles a prova da existência de uma conta bancária de empreiteiros, na
Suíça, de onde teriam saído R$ 2,4 milhões para
financiar a campanha da reeleição do ex-presidente Lula em 2006.
No
rastilho desse vazamento, a mídia retomou com vigor surpreendente a cobertura da
hipótese de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Desta vez, os dados sugerem um vínculo mais preciso
com a realidade, pois baseiam-se no desdobramento de dois processos que correm
contra ela. Ela mesmo caiu na armadilha e foi à público dizer que "não caio não".
No
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) há uma
Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) para
apurar acusação de abuso de poder econômico, manipulação de informações e
extrapolação de gastos de campanha. A delação de Pessoa foi agregada à
denúncia, conferindo maior combustão ao caso. No Tribunal de Contas da União
(TCU) é tido como certo que o plenário recusará a
prestação de contas de Dilma relativa ao ano passado, com recomendação à Câmara para rejeitá-la.
As duas ações, se vitoriosas, oferecem a oportunidade,
cogitada pela oposição, de interrupção
do segundo mandato. A primeira por meio da impugnação
da chapa, o que alcançaria o vice Michel Temer, e
a segunda com base num processo de impeachment. Ambas dependem de um
longo e tortuoso caminho para se materializarem como ameaças de curto prazo.
Ao
farejar a precipitação desses fatos,
parte do PMDB teria aberto diálogo com o PSDB a respeito de um imaginário dia
seguinte. Com a impugnação, haverá nova eleição 90
dias depois; via impeachment
provocado pelo TCU, Temer precisaria do apoio dos demais partidos para o
que os políticos estão chamando de “governo
de repactuação nacional”, uma ideia difusa, típica do burburinho das crises
e que, no curto prazo, não vai a lugar nenhum.
Segundo quem tem intimidade com o
entendimento entre os políticos, que mantém o assunto nos bastidores, o fato de a legitimidade da presidente estar se esvaindo de
forma acelerada contribui para
fortalecer a disposição dos que querem tirá-la. Porém, os atores do mundo
político sabem que não é um processo trivial. Sabem
também que Dilma não é Collor.
Outro
fato que dificulta o processo de impeachment é o nível de sustentação da base
política. Com todos os problemas, Dilma ainda tem uma
base política melhor do que tinha Collor. Dilma tem ainda Temer ao seu lado que é, de longe, muito melhor do que a toda coordenação
política do presidente cassado. [quem
tem uma base política formada majoritariamente pelo PT e PMDB, tem base
política? Na votação do aumento dos servidores do Poder Judiciário, Dilma perdeu por 62 a 0, entre os que votaram
havia senadores do PT e do PMDB? Até onde vai a lealdade de Temer a Dilma?]
O clima
de "agora vai" não é fidedigno com a complexidade do
processo de impeachment. Sobretudo por que ninguém sabe como vai começar e
por qual motivo. Dependendo do motivo as soluções são antagônicas. Colocam
protagonistas com votos no Congresso em posições contrárias. Os fatos são: o governo está fraco e o impeachment está longe. A
resultante da combinação desses dois fatos aponta instabilidade,
ocorrência de crises e, sobretudo, maior dependência do governo ao PMDB.
Até agora, a história se repete como
farsa.
Fonte: Murilo de Aragão – cientista político
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