Risco
país e nível de endividamento bruto superam o de nações sem grau de
investimento na escala da S&P, como Rússia e Turquia
A piora na perspectiva
da nota de crédito do país pela Standard and Poor's (S&P) colocou o Brasil mais
próximo de perder o grau de investimento.
Mas,
na prática, o
rebaixamento já chegou: o país compartilha das mesmas mazelas macroeconômicas de
nações que deixaram de possuir o selo de
confiança, como Rússia, Turquia e Portugal. São elas:
alto endividamento, incapacidade para gerar superávit primário (a economia
para pagar juros da dívida), baixo nível de
investimento, gastos públicos excessivos e inflação acima da meta. Outro agravante é a instabilidade política,
que adia a implementação do ajuste fiscal e, consequentemente, o processo de
retomada econômica. "O que está em
jogo é quanto de juros o Brasil precisa pagar a mais para que as pessoas
comprem ativos brasileiros. O que se sabe é que esse valor não é diferente do
cobrado para países sem grau de investimento", diz Alexandre
Schwartsman, economista e ex-diretor do Banco Central (BC).
Não à
toa, um levantamento recente do Bank of America Merrill Lynch mostra que o Brasil é o país
emergente com maior risco de perder o grau de investimento. Segundo a pesquisa, realizada antes da decisão da
S&P, 65% dos gestores ouvidos apostavam que o rebaixamento pode ocorrer nos
próximos dois anos. Em outros emergentes, como África
do Sul e Indonésia, os porcentuais são menores, de 55% e 20%, respectivamente. No
caso da Turquia, que ainda tem grau de investimento nas escalas da Fitch
e da Moody's, a chance de perda do selo de bom pagador
é de 50%.
Especialistas
ouvidos pelo site de VEJA
citam, sobretudo, o CDS (Credit Default
Swap, na sigla em inglês), que é uma espécie de
seguro do mercado internacional contra a inadimplência, como exemplo de
que o rebaixamento já chegou. Com esse tipo de mecanismo financeiro, o
comprador paga um "prêmio"
ao vendedor para se proteger de um possível risco de calote. Se esse fato se
concretiza, o vendedor (no caso o Brasil,
por exemplo) é obrigado reembolsar o prêmio ao comprador. Quanto mais próximo de zero, melhor a classificação
do país. Nesta quinta-feira, o CDS
do Brasil foi de 290 pontos-base, superior ao da
Turquia (238) e Portugal (175). Nações
com grau de investimento colecionam cifras bem inferiores: Alemanha, Suíça, Noruega, todas com 20 pontos-base. No fim da fila aparecem Grécia
(2.305), Ucrânia (2020) e Venezuela (4930).
O Brasil, agora, caminha
em direção ao patamar de vizinhos pouco afeitos ao dinheiro estrangeiro.
Outro índice que reforça essa
avaliação é o Emerging
Market Bond Index (EMBI), calculado pelo banco JP Morgan, que também mede a
capacidade de um país honrar seus compromissos financeiros. Na quinta-feira, o EMBI do Brasil atingiu 316 pontos-base,
acima de Turquia (274) e próximo de Rússia (341).
Consequências
-
A perda do grau de investimento pode trazer inúmeras consequências negativas
nos próximos meses. Segundo
analistas, deve haver impacto na volatilidade dos
mercados de câmbio e ações, bem como a dificuldade para empresas públicas e, sobretudo, privadas obterem financiamento. Ou seja, o Brasil tende a estender a pecha de
mercado arriscado às empresas mais expostas à dívida do governo - e, em
última instância, até mesmo àquelas que não suscitam qualquer suspeita. "O custo de captação de recursos
aumenta e, com ele, a possibilidade de um ajuste mais célere, o que alarga o
horizonte da retomada. O impacto é significativo, ainda que não seja uma volta
aos anos 1980", explica Castro Neves, da Eurásia. Sem o grau de investimento, empresas e pessoas
físicas terão de pagar juros maiores, o que
também pode levar a cortes de investimento e empregos.
No
mercado de capitais, onde as empresas se financiam, o efeito deve ser o adiamento de emissões de títulos de renda fixa e uma maior
dificuldade para venda de ações previstas para este ano. No câmbio, o efeito deve ser uma maior desvalorização do
real, que pode pressionar a já elevada inflação no país, que atinge
o dobro da meta no acumulado em doze meses. O presidente da Austin Ratings,
Erivelto Oliveira, atenta para o risco
de uma fuga de recursos estrangeiros do país. "Grandes investidores institucionais estrangeiros - como
fundos de pensão e investimento - não
podem aplicar dinheiro em países em grau especulativo. Este é um dos principais
motivos que levam o Brasil a tentar reverter o atual cenário", diz. Em
2015, o investimento estrangeiro direto,
que mede a entrada de recursos no país para ser aplicado ao setor produtivo, recuou 32% no
primeiro semestre deste ano, em
relação a 2014, a 31 bilhões de dólares.
Apesar de a questão fiscal ser o
principal fator de rebaixamento, é o setor privado que deverá ser mais afetado, na
avaliação de Thomas Trebat, diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos
da Universidade de Columbia. Ele aponta que o setor público tem fontes
alternativas de financiamento, enquanto o Brasil não possui um mercado de
capitais suficientemente desenvolvido para financiar empresas privadas. "O governo ainda capta recursos no
mercado doméstico, há muitos investidores dispostos a correr risco, e o país
tem quase 400 bilhões de dólares de reservas internacionais", explica.
Indiretamente, no entanto, o governo também é afetado, já que, em tempos de
ajuste, conta com o setor privado para alavancar a taxa de investimento e a
capacidade produtiva do país.
Na visão
dos analistas, o viés negativo por parte
da S&P pegou o mercado de surpresa. Isso porque eles esperavam um movimento inicial da Moody's, que visitou o
Brasil recentemente, e o mantém em um degrau acima da S&P. Na escala da Moody's, o rating do Brasil é
Baa2, com perspectiva negativa, dois degraus acima do grau
especulativo. Para
a Fitch, o rating do Brasil é BBB, com perspectiva negativa, e
também dois degraus acima do grau especulativo. Segundo os analistas, a maior
probabilidade é de que essas agências sigam a S&P e reduzam a nota para o
último degrau antes do ingresso para grau especulativo.
O governo
- e apenas ele - se diz confiante que
o país não será rebaixado. Apesar de os números dizerem o contrário, integrantes do Palácio do Planalto contam
com a revisão da meta fiscal, de 1,1% para 0,15% do PIB, para injetar uma dose de credibilidade no plano de voo para
reorganizar as contas. Para os analistas, no entanto, trata-se de missão quase impossível em um cenário político
hostil, com tensões entre partidos da base aliada retardando o ajuste fiscal, e
os desdobramentos da Lava Jato tragando o governo para o centro do
turbilhão de corrupção. A falta de coesão política, aliás, foi citada pela
S&P como explicação para a mudança da perspectiva da nota para o campo negativo.
Ao mesmo tempo, a agência considera os esforços atuais da equipe econômica para
reverter o quadro, dando-lhe um voto de confiança mesmo que os indicadores
digam o contrário. Prova de que a agência não olha apenas para os números, e
sim para todo o contexto, na hora de decidir a nota. Fossem apenas os números, o grau estaria perdido.
Fonte: Veja Online
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