Convém explicar por que isso não faz sentido,
antes que mais esse atentado contra as finanças públicas do país seja
perpetrado
No final
do ano passado, o governo editou uma medida provisória que permitiu ao
ministro da Fazenda pagar de uma só vez as chamadas pedaladas fiscais de 2014,
usando o dinheiro que o Tesouro Nacional mantém no
Banco Central (BC). As pedaladas originaram-se de pagamentos feitos
pelos bancos oficiais a beneficiários de programas do governo que não foram
devidamente ressarcidos pelo Tesouro na época oportuna.
A maneira
natural de o Tesouro obter recursos para ressarcir os bancos oficiais pelas
pedaladas seria
através da colocação de novos títulos de dívida diretamente no mercado, sem envolver o BC. Em vez disso, o governo editou a medida provisória cancelando leis
anteriores que previam que o caixa do Tesouro no
BC deveria ser usado preferencialmente para pagar dívida do Tesouro com o
próprio BC.
Deste
modo, o Tesouro pôde usar o dinheiro que tinha no BC para pagar os bancos
oficiais que haviam financiado as pedaladas. Os bancos, é claro, não deixam
esse dinheiro parado, sem render juros. Usam o dinheiro para comprar títulos do
Tesouro no Banco Central, nas chamadas operações compromissadas. Através delas,
o BC recolhe o dinheiro dos bancos e, em contrapartida, repassa a eles títulos
do Tesouro, com um compromisso de recompra futura.
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Ou
seja, quem se endivida com o mercado para pagar as pedaladas é o Banco Central,
e não o Tesouro diretamente. Trata-se de uma operação tortuosa, obscura e quiçá
inconstitucional. Agora circula em
Brasília a proposta de tentar reativar a economia com a venda das reservas
internacionais para financiar um aumento dos gastos do governo. Convém explicar por que isso
também não faz qualquer sentido, antes que mais esse atentado contra as
finanças públicas do país seja perpetrado.
O BC tem
atualmente US$ 373 bilhões de reservas internacionais. Ao mesmo tempo, ele deve US$ 113 bilhões através dos chamados swaps
cambiais. Esses são contratos financeiros entre o BC e os bancos,
em que o BC troca o principal e os juros em dólar pelo principal mais os juros
em reais. O BC tem ganhos se os juros em reais superam a depreciação cambial.
Tem perdas se a depreciação supera os juros em reais.
Os
swaps cambiais são possíveis porque os bancos entendem que eles estão
assegurados pelas reservas internacionais do BC. De fato, eles são uma dedução das reservas
internacionais. Diminuindo os swaps das
reservas, o valor que fica são US$ 260 bilhões de reservas internacionais
efetivas.
As normas
prudenciais a respeito da manutenção de reservas internacionais sugerem que
elas devam ter um valor equivalente a seis meses de importação, para evitar que o país pare, no
caso de uma queda súbita das exportações ou de uma suspensão de créditos
externos. Como as importações anuais do país são cerca
de US$ 300 bilhões, isso significa que as reservas
prudenciais de que necessitamos são iguais a US$ 150 bilhões. Portanto,
o excesso das reservas efetivas sobre as reservas
prudenciais é igual a 260 menos 150, ou seja, US$ 110 bilhões.
Deste
modo, o valor das reservas que o governo poderia em princípio pensar em dispor
seria de US$ 110 bilhões, apenas 30% das reservas de
US$ 373 bilhões, mas ainda assim um valor significativo. Considere-se,
entretanto, que as reservas são um ativo que o governo adquiriu com a
emissão de dívida interna. Para comprar as reservas, o governo teve que
vender títulos no mercado interno. O razoável,
portanto, seria que a receita obtida com a venda de US$ 110 bilhões das
reservas fosse usada para abater a dívida interna. Haveria,
nesse caso, uma economia considerável de pagamento de juros por parte do
governo.
Supondo
que a diferença entre os juros pagos sobre a dívida interna e os recebidos
pelas reservas seja de 10% ao ano e que a taxa de câmbio seja igual a R$ 4
por dólar, então a economia anual de juros seria de R$ 44 bilhões de
reais (pois: 110 x 0,10 x 4 = 44). Essa seria uma economia
que se repetiria todo ano, dependendo da diferença entre os juros internos e
externos, ajudando as contas do governo e a rolagem da dívida interna, que
seria menor do que antes.
O problema é que querem gastar o dinheiro da venda das reservas
não para reduzir a dívida interna, mas para aumentar a despesa do governo, o que é
uma péssima ideia.
O
pior dos mundos seria
usar as reservas para aumentar as despesas correntes do governo, porque estaríamos
trocando um ativo valioso por um gasto temporário sem retorno. Se for para
despesas de capital, também seria ruim, porque, embora essas despesas aumentem
a demanda interna de imediato, não são um impulso que possa se manter à frente,
porque as reservas acabariam. A demanda aumentaria num ano, para reduzir-se
novamente no ano seguinte. Muito provavelmente, a ponte ficaria pela metade.
Perderíamos as reservas e continuaríamos no fundo do poço.
Fonte: Edmar
Bacha é sócio fundador e diretor do Instituto de Estudos de Política
Econômica/Casa das Garças
Publicado: O Globo
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