Com a decisão de excluir as provas e os depoimentos dos executivos da Odebrecht, a tese pela cassação da chapa Dilma-Temer se enfraquece. Mas não desaparece
O ministro Napoleão Nunes Maia mal esperou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, abrir a sessão. Ele queria que se decidisse logo se as provas e os depoimentos do que a defesa de Dilma Rousseff chamou de “fase Odebrecht” do processo de cassação da chapa Dilma-Temer seriam considerados. O colegiado rachou nas duas sessões anteriores. Um lado, liderado pelo relator Herman Benjamin, diz que a fase Odebrecht deve ser levada em conta pelos ministros ao julgar o abuso de poder econômico na chapa em 2014. O outro, capitaneado por Gilmar, diz que não, que isso seria “ampliar a causa de pedir”, ou seja, seria ir além do que o PSDB pedia em sua petição inicial, de 18 de dezembro de 2014.As três horas de sessão transcorridas até a pausa para o almoço desenharam o que deve acontecer daqui até o final do julgamento. Perto das 11 horas da manhã desta quinta-feira (8), o ministro Tarcísio Vieira, indicado por Michel Temer para substituir a ministra Luciana Lóssio, deixou de mistério e revelou que votaria pela exclusão da Odebrecht. O placar ficava assim: Herman, Luiz Fux e Rosa Weber por manter as provas da empreiteira; Gilmar, Napoleão, Tarcísio e Admar Gonzaga por excluí-las. A questão é capital porque os depoimentos dos executivos da Odebrecht e as provas apresentadas por eles são o que há de mais forte contra a chapa. Sem eles, o voto pela cassação se enfraquece. Mas não desaparece.
Herman não desistiu facilmente. Ao longo de todo o dia, procurou apontar as incoerências dos colegas que votaram de forma a favorecer a chapa – e, acima de tudo, favorecer Michel Temer. Fux foi seu assistente. Apontou que, embora só não mude de opinião “quem já morreu” e que, por isso, a estratégia de recorrer incessantemente ao voto de colegas para evidenciar suas metamorfoses é deselegante, foi o próprio Gilmar quem afirmou que reabriu a ação proposta pelo PSDB para “descobrir” a verdade real. E que, portanto, não se poderiam desconsiderar as descobertas feitas ao longo da instrução do processo. “Nós somos uma Corte. Avestruz é que enfia a cabeça no chão”, disse Fux. Num momento mais tenso, Fux chegou a dizer que, se os colegas optassem por excluir as provas da Odebrecht, ele não se submeteria a essa decisão e as usaria de qualquer maneira em seu voto.
Mas foi Herman quem, com muita serenidade, desnudou as contradições alheias. O ministro disse que preferia não ter sido o relator desse caso. Mas, sempre lembrando cada passo que tomou, respaldado pelos colegas, que jamais o contestaram no caminho, como relator colheu depoimentos que o colegiado decidiu que deveriam ser colhidos. Ou seja, produziu provas que os ministros que as pediram agora queriam excluir. “Quem quiser rasgar as investigações que o próprio tribunal determinou que o faça sozinho”, disse Herman, em um dos poucos momentos em que foi mais duro em suas palavras. Repetindo a artimanha do dia anterior, Herman citou ostensivamente o voto de Gilmar de 2015 – a ponto de passar a chamá-lo de “nosso voto”. Em outubro de 2015, Gilmar Mendes levou ao plenário um recurso do PSDB contestando a decisão da ministra Maria Thereza de arquivar a ação que pedia a cassação da chapa Dilma-Temer. Na ocasião, Gilmar disse que o TSE não podia ignorar os indícios graves de que a chapa cometera crimes e abusara de seu poder político e econômico. Ao lembrar disso, a voz de Herman era calma, seu tom era estável. Gilmar se irritou. Pediu que Herman não atribuísse a ele palavras indevidas. O relator foi firme: “Não estou parafraseando, estou citando”.
Depois de uma troca de frases mais ásperas e de um intervalo para o almoço, Gilmar reabriu a sessão desta quinta-feira (8) com uma declaração de imensa amizade por Herman, de mais de três décadas, emotivo com “tudo que já passamos, como a viagem a Águas de São Pedro, de monomotor”. Tão bonito sentimento não bastou para Herman convencer Gilmar de seu ponto de vista. Numa guinada de 2015 para cá – coincidente com a guinada que a chapa Dilma-Temer sofreu, com Dilma impedida e Temer presidente –, Gilmar, que defendeu dois anos atrás a investigação de fatos relacionados à Lava Jato, disse hoje que jamais votou pela tal “ampliação da causa de pedir”.
Herman voltou a ler trechos do voto de Gilmar: “É desnecessário qualquer esforço jurídico-hermenêutico para concluir que recursos doados a partido, provenientes, contudo, de corrupção, são derramados (também!) nas disputas eleitorais, mormente naquela que exige maior aporte financeiro, como a disputa presidencial”, disse Gilmar em 2015. Agora, o “esforço jurídico-hermenêutico” que ele faz é para dizer que as provas colhidas de março para cá, no que diz respeito à Odebrecht, não valem. Indagou algumas vezes por que não se incluíam, então, as delações da JBS e as eventuais delações do ex-ministro Antonio Palocci e outros. Herman, então, armou sua arapuca. Insistiu com Gilmar e com os demais se a questão era, então, excluir somente Odebrecht. Ouviu dos colegas que sim.
A discussão jurídica seguinte foi da avaliação que se faria das doações oficiais, do caixa um. Isso porque a petição inicial do PSDB fala em “doações oficiais das empreiteiras com contratos na Petrobras”. Herman foi claro: não é possível para o TSE avaliar somente caixa um. Isso tornaria a Corte inócua. Herman falou disso olhando e dirigindo-se ao ministro Admar Gonzaga, também indicado por Temer. “Olho para o ministro Admar porque [ele] disse que só iria examinar caixa um e que o caixa dois não estaria na petição inicial. Então boa sorte no momento em que Vossa Excelência for examinar apenas caixa um”. Admar ficou furioso. Pela manhã, ele já dissera que se ateria à literalidade da inicial. “Não adianta fazer discurso para a plateia para constranger seus colegas. Isso não vai funcionar. Vossa Excelência está com aura de relator, querendo constranger seus colegas”, disse Admar. Herman, calmamente, replicou. “Nossos votos constrangem – ou não – a nós próprios.”
O resto da sessão até as 19 horas foi dedicado ao voto de Herman. A arapuca armada mais cedo foi ficando mais evidente. Herman construiu boa parte de seu voto sem usar as provas e os depoimentos da Odebrecht. Examinou falas de Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef, Sérgio Machado... E de Zwi Skornicki. Foi ele quem primeiro relatou o pagamento, em caixa dois, a João Santana e Mônica Moura no exterior. Valor: US$ 5 milhões. Em 2014. Foi o próprio Herman quem disse: “Nada a ver com Odebrecht. Mas confirmado pelos depoimentos dos marqueteiros. O que a Corte vai fazer com esses depoimentos de Mônica Moura e João Santana, que a própria Corte mandou colher?”. São 13 horas de julgamento até aqui. O cenário pela absolvição da chapa está desenhado. O constrangimento aos favoráveis a essa tese está posto. Mas há espaço para surpresas.
Fonte: Revista Época
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