O livro de José Sócrates, com prefácio de Lula, seria só um caso de fraude e oportunismo, mas virou episódio hilariante no inquérito sobre a corrupção do ex-premiê português
Seis
balas. O tiro no rosto ricocheteou no anel da mão espalmada em gesto maquinal
de autodefesa. Outras cravejaram o corpo. Recém-chegado de Lisboa, visitava a
prima no Recife, então abalada por uma crise conjugal. Foi alvejado pelo
ex-marido enciumado, ex-policial, para quem o desconhecido era um rival
flagrado sob o sol na calçada da antiga residência. Dezessete
anos depois, o sobrevivente Domingos Soares Farino, advogado e professor, está
de novo no centro de uma investigação policial. Desta vez, não é vítima, mas
suspeito de cumplicidade com o ex-primeiro-ministro de Portugal José Sócrates
(2005 a 2011), acusado de corrupção e lavagem de dinheiro.
A polícia
de Lisboa aponta Farino como verdadeiro autor do livro “A confiança no mundo”,
sobre tortura de terroristas da al-Qaeda. A capa tem o nome de Sócrates e
destaca o prefácio assinado por Lula — “meu melhor amigo da ação”, dizia o
ex-primeiro-ministro português. Sócrates
apresentou a obra no fim do seu mestrado no instituto francês Sciences Po. Lula
viajou a Paris e discursou no lançamento do livro, na quarta-feira 23 de
outubro de 2013. Seria
apenas mais um caso de fraude e oportunismo (há provas de que o governo
Sócrates permitiu o tráfego clandestino de prisioneiros da CIA para a base de
Guantánamo). Porém, se transformou num episódio hilariante dentro do caso de
corrupção protagonizado pelo ex-primeiro-ministro português, durante sua parceria
com o governo Lula na construção de uma “supertele” de língua portuguesa.
Ao sair
do poder, o ex-líder socialista teve uma ideia: breve refúgio acadêmico em
Paris, do qual emergiria com um best-seller em Ciência Política. Segundo o
Ministério Público, ele gastou € 600 mil (R$ 2,1 milhões) na contratação do
sobrevivente Farino para escrever, na edição e na operação de compra de 17,5
mil exemplares do próprio livro, auxiliado por uma equipe que coordenou por
mais de nove meses. Os
investigadores mapearam as compras, gravaram Sócrates dando ordens e relataram
à Justiça: “As pessoas envolvidas na aquisição dos livros podiam, após a
compra, desfazer-se dos mesmos, colocando-os no lixo, dado que o único objetivo
era aumentar o número estatístico de exemplares vendidos, de forma tomar o
livro um fenômeno de vendas sem precedentes.”
É missão
impossível conseguir um único volume de “A confiança no mundo” nas livrarias de
Lisboa. No entanto, sobram cópias das quatro mil páginas do inquérito em que
Sócrates é acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e fraude fiscal. Nelas
afirma-se que o dinheiro usado para criar o seu “best-seller” teve origem em
milionário suborno (R$ 105 milhões) pago pelo banqueiro Ricardo Salgado, do
Grupo Espírito Santo, como contrapartida à garantia de lucros com a fusão da
Portugal Telecom com a Telemar/Oi — negócio de R$ 40 bilhões na época. [sempre oportuno lembrar que a OI do Brasil, nos tempos em que era a Telemar, foi quem descabaçou a famiglia Lula da Silva na corrupção passiva, haja vista que ter sido a ex-Telemar quem fez um investimento de US$ 5 milhões na GAMECORPS, ridícula empresa de fundo de quintal, 'produtora' de games e que pertencia a Lulinha, o fenomenal filho de Lula.
O investimento foi para que o nosso guia assinasse decreto permitindo a OI se expandir pelo Brasil - o que a legislação não permitia antes do 'investimento'.]
Sócrates
e Lula embriagaram-se com o projeto da “supertele” lusófona. Deram-lhe formato
na quinta-feira, 28 de julho de 2010, dois meses antes da eleição de Dilma
Rousseff. Sete anos
depois, o ex-primeiro ministro, seu escritor, o ex-presidente e o ex-banqueiro
batalham nos dois lados do Atlântico para escapar da cadeia. A Portugal Telecom
naufragou. A Oi cambaleia à beira do abismo com R$ 70 bilhões em dívidas.
Fonte: José Casado - O Globo
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