Tensão máxima: STF se enfraquece e vota para evitar
crise entre poderes
Mais
importante do que o resultado da decisão do Supremo Tribunal Federal na
discussão de ontem é constatar o nível de tensão institucional a que o país
chegou. O Supremo está dividido, o Senado fez alertas prévios ao STF sobre a
natureza do que ele não aceitaria. O relatório em defesa do presidente Temer
acusou o Judiciário de se “mancomunar” com o Ministério Público contra os
políticos em geral. Houve um
tempo em que se tinha a impressão, na economia, de que o fundo do poço não
chegava nunca. O PIB caía em queda livre e não parecia ter piso. Na política, a
sensação que se tem é de que a tensão se eleva cada vez mais. Não parece haver
teto. Políticos estão se alinhando, por cima até das mais graves divisões, para
construir uma coalizão contra as investigações de corrupção.
O
deputado Bonifácio de Andrada não tem maior expressão, portanto, o que ele
disse no relatório não teria peso se não fosse o fato de que representa também
o pensamento do próprio presidente. E lá foi feita a acusação de que o Poder
Judiciário conspira com o MP contra os políticos. É mais um dos sinais de
esgarçamento da relação entre os poderes. O que
estava em debate ontem era uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, impetrada
pelo PP, PSC, Solidariedade, de 2016, sobre o poder de o STF decretar medidas
cautelares contra parlamentares sem ouvir o Congresso. [medidas cautelares que existem na legislação infra constitucional - três dos ministros do Quarteto do Barulho pretendiam atrelar o cumprimento da Constituição aos ditames de uma lei, no caso o CPP.] Não era o caso Aécio.
Mas teria repercussão direta sobre o presidente do PSDB. Por isso, o que estava
em jogo era se o Supremo daria, ou não, mais um passo em direção ao confronto
com o Senado.
Quando o
ex-senador Delcídio do Amaral, então líder do PT, foi preso, o Senado
protestou, mas autorizou. [portanto, a Constituição foi cumprida.] Quando o próprio senador Aécio foi afastado em maio,
pela decisão do ministro Edson Fachin, houve protestos mas a decisão foi
acatada. Em junho, o ministro Marco Aurélio acabou revogando essa decisão de
Fachin. Outros episódios foram absorvidos, como o que aconteceu com o
ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.
O caso
mais estranho de todos foi o da decisão do ministro Marco Aurélio Mello de
afastar Renan Calheiros da Presidência do Senado em dezembro do ano passado.
Renan desacatou o Supremo, e o STF recuou da decisão na votação do plenário.
Naquele momento, como agora, a Corte temia provocar crise institucional e
preferiu se dividir e recuar. Naquele episódio, o ministro Marco Aurélio tinha
tomado uma decisão sob um argumento cristalino: o presidente do Senado está na
linha de sucessão presidencial, um réu não pode ocupar a Presidência, logo,
Renan, depois de ter se tornado réu, não poderia mais ocupar o cargo. O STF fez
um estranho contorcionismo e optou por mantê-lo na Presidência da Casa, mas
retirando dele a possibilidade de vir a ocupar a presidência da República. Fez
uma cirurgia impossível nas atribuições do cargo. [Marco Aurélio em decisão monocrática afastou Renan Calheiros da presidência do Senado - função para a qual o senador alagoano foi eleito por maioria dos senadores não podendo um ministro do STF invadir outro Poder e destituir seu presidente.
O STF é a instância máxima do Poder Judiciário mas qualquer decisão que implique no estupro a independência dos Poderes, só será válida de adotada por unanimidade e amplamente justificada.
Ao fazer a aqui chamada cirurgia impossível o STF errou, mas, o próprio Renan entendia que sendo réu não poderia ocupar a presidência da República - ocorreu a excepcionalidade excepcional (redundância nossa), prática que deve ser evitada ao extremo devido o risco de agir dentro das regras só em caso de excepcionalidade.]
Agora em
setembro, a primeira turma decidiu novamente pela suspensão do mandato do
senador Aécio, seu recolhimento noturno e a apreensão do passaporte. Elevou-se
então a tensão com a reação forte do Senado. Em sua defesa, o senador tem dito
que na conversa gravada pelo empresário Joesley Batista ele estava apenas
negociando a venda de um apartamento. Existem empresas especializadas em vendas
de imóveis e corretores para isso, mas mesmo quando se dá uma transação direta
não se paga em dinheiro vivo, nem o pretenso vendedor avisa que o intermediário
tem que ser um “que a gente mate antes”.[comentário gratuito, tipo brincadeira e que sequer mereceu réplica da outra parte.]
Enfim, aquela conversa é absolutamente
explícita. Não se trata de um negócio comum entre vendedor e comprador de
imóvel. E a imunidade do mandato não pode ser invocada em indícios de crime
comum. O mesmo Senado que protege o senador Aécio Neves não protegeu o
ex-senador Delcídio do Amaral. A ordem judicial que tem que ser cumprida por
qualquer cidadão pode ser desrespeitada se o cidadão se chamar Renan Calheiros.
Mais
relevante do que o resultado da votação de um dia no STF é constatar que a interpretação
da lei no país muda conforme a pessoa em questão. O STF votou ontem temendo uma
crise institucional, e com o voto de minerva da presidente do Supremo. Essa não
é a melhor forma de fazer prevalecer o Direito.
Fonte: Blog da Miriam Leitão, com Alvaro Gribel, de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário