O que há de errado com a carta que o presidente Michel Temer enviou à procuradora-geral da República, Raquel Dodge?
Nada!
Ao contrário. Tratou-se de um gesto elegante, uma forma civilizada de expressar seu inconformismo também intelectual.
Para
lembrar: Dodge pediu, e o ministro Edson Fachin, do Supremo, deferiu,
que Temer fosse incluído num inquérito que investiga se, num jantar no
Palácio do Jaburu, em 2014, ele participou de suposta negociação com a
Odebrecht para a doação de R$ 10 milhões, de forma irregular, ao então
PMDB. O pedido
de Dodge e o despacho de Fachin contrariam de modo flagrante o Parágrafo
4º do Artigo 86 da Constituição, segundo o qual um presidente não pode,
no curso do mandato, ser investigado por atos que a este sejam
estranhos — leia-se: anteriores ao dito-cujo. Todos os presidentes da
República que antecederam Temer, muito especialmente Dilma, foram
amparados por tal artigo.
Lembram-se
da denúncia por crime de responsabilidade contra a então presidente
Dilma? As pedaladas que ela deu no primeiro mandato foram ignoradas. Só
integraram a petição as dadas no segundo. E por quê? Temia-se que fossem
consideradas “atos estranhos” ao mandato a que se queria pôr fim. E
olhem que a então presidente só pedalou no primeiro para poder segurar
as pontas no segundo. Mesmo assim, tomou-se aquela cautela.
Não há nem
mesmo delações que indiquem que Temer tenha participado da tal
negociação dos R$ 10 milhões, ainda que ela tenha existido. São
investigados no mesmo inquérito os ministros Moreira Franco (Secretaria
de Governo) e Eliseu Padilha (Casa Civil). Segundo a procuradora-geral, e
Fachin — é claro! — acatou, a investigação se distingue da
“responsabilização”. Aquela tem de ser feita, ela diz, para evitar que
provas se percam.
Trata-se, e é esta a opinião da esmagadora maioria dos especialistas, de uma clara violação do fundamento constitucional.
Na carta, o
presidente afirma que não vai recorrer da decisão de Fachin e que a
envia, acompanhada de uma parecer do jurista Ives Gandra Martins, por
interesse acadêmico. Obviamente,
o presidente se dá conta de que está sendo alvo de um procedimento de
exceção, seja no cotejo com as garantias que tiveram seus antecessores,
seja no confronto com o que o que estabelece a Carta Constitucional.
E, como se
sabe, não foi esse o único ato a negar ao presidente da República uma
garantia constitucional. Sob o pretexto de investigar se Temer
beneficiou uma empresa com um decreto sobre portos, Roberto Barroso,
também do STF, quebrou o sigilo das contas bancárias do presidente de
2013 a 2017. Ele só assumiu a Presidência em maio de 2016. Mais uma vez,
agride-se o Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição. A defesa pediu
acesso aos autos, mas, de novo, não recorreu.
Sabem quem sai ganhando com o baguncismo legal?
A bagunça. E só.
Blog do Reinaldo Azevedo
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