Pivô de decisão do STF em 2009 contra prisão em 2ª instância ficou impune
Fazendeiro que deu cinco tiros em jovem por ciúme jamais foi preso
Beneficiado por decisão do STF em 2009, fazendeiro jamais foi preso
Omar Coelho Vítor deu cinco tiros em jovem por ciúmes. Após 12 anos no STJ, crime foi considerado prescrito
O
fazendeiro Omar Coelho Vítor, beneficiado pela decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF), de 2009, de dar ao réu o direito de ficar em liberdade até o
processo transitar em julgado, nunca cumpriu pena. Seu recurso contra a
condenação em segunda instância passou 12 anos no Superior Tribunal de Justiça
(STJ) até que, em 2014, o crime foi considerado prescrito. Até 2009, o
colegiado dos ministros do STF nunca havia decidido sobre quando um condenado
deve começar a cumprir pena. As duas turmas da Corte votavam caso a caso, com
decisões divergentes muitas vezes.
O habeas
corpus a favor de Vítor, morador de Passos (MG), foi o primeiro a ser analisado
pelo plenário. Em 2009, por sete votos a quatro, venceu a tese de fazer valer a
presunção de inocência mesmo depois da decisão de segunda instância, quando já
não estão mais em jogo as provas apresentadas contra o réu. Os tribunais
superiores, como o STJ e o STF, julgam apenas falhas processuais de aplicação
de leis, jurisprudências ou de interpretação da Constituição. [sendo recorrente: após a segunda instância não há mais dúvidas sobre as provas apresentadas e se tratando de condenação sobre a culpa do réu.]
Apenas em 2016 a decisão foi reavaliada pela Corte, passando a valer a interpretação
atualmente em vigor, de que as penas podem começar a ser cumpridas a partir do
encerramento do processo em segunda instância. No dia 4, ao julgar o habeas
corpus de Lula, a discussão pode voltar à mesa no Supremo.
Em 1991,
Vítor tinha 43 anos quando, numa exposição agropecuária em Passos, pegou uma
pistola e atirou cinco vezes contra a cabeça de Dirceu Moreira Brandão Filho,
então com 25. Dirceu teria “cantado” a mulher do fazendeiro. Dos cinco
disparos, dois atingiram Dirceu. Um na boca, outro em local próximo à coluna. O
jovem, por sorte, sobreviveu. — Eu
ainda estava no hospital, lutando pela vida, e ele já estava solto. Foi preso
em flagrante, mas na mesma noite foi solto. Eu tive de fazer várias cirurgias
na boca e uma das balas carrego até hoje — conta Dirceu.
Vítor foi
denunciado por tentativa de homicídio, por motivo torpe e sem chance de defesa
à vítima. No primeiro julgamento, a pena foi de três anos e seis meses de
reclusão, mas o Ministério Público recorreu. Em maio de 2000, julgado de novo
por júri popular, a pena subiu para sete anos e seis meses. A defesa tentou,
sem êxito, reverter a decisão. Em março de 2001, dez anos depois dos tiros, o
Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinou que a pena fosse cumprida em
regime fechado. Nos embargos de declaração, a defesa obteve vitória parcial e o
regime passou para semiaberto.
A partir
daí, houve uma sucessão de recursos que ilustra bem como a lei brasileira e a lentidão
da Justiça permitem que se adie indefinidamente um caso. Vítor apelou ao
Superior Tribunal de Justiça, com recurso especial, que passou pelas mãos de
três ministros da Corte até que, em 2009, foi rejeitado pela ministra Maria
Thereza Moura. A defesa, porém, interpôs agravo regimental para levar o caso à
turma. O argumento foi rejeitado. Houve em seguida mais dois embargos de
declaração, para pedir explicações sobre a decisão. Um foi acolhido
parcialmente, sem modificar a decisão. O outro, rejeitado.
A defesa
do fazendeiro apresentou, então, embargos de divergência. Em 2010, o ministro
relator Arnaldo Esteves Lima negou. Veio outro recurso do fazendeiro, um agravo
regimental nos embargos de divergência. No fim daquele ano, ainda sem decisão,
o recurso foi distribuído para outro ministro do STJ.
ANTES DO
FIM, A PRESCRIÇÃO
Em 2011,
dois anos após a decisão do STF que lhe permitiu esperar o fim do processo em
liberdade, Vítor recorreu novamente ao Supremo, para pedir que seu nome fosse
retirado do Cadastro de Impedidos e Foragidos da Polícia Federal. Argumentou
que a própria Corte reconheceu a presunção de inocência até o último dos
recursos. O ministro Luiz Fux mandou liberar o nome do fazendeiro. E recomendou
ao STJ julgar o recurso de Vítor — que a esta altura já tinha nome pomposo:
agravo regimental nos embargos infringentes ao recurso especial.
Livre,
Vítor aguardou o grande dia. Em outubro de 2012, seus advogados pediram a extinção
da punibilidade por prescrição. Pela lei, crimes com pena de até 8 anos
prescrevem em 12 anos. Em fevereiro de 2014, o ministro Moura Ribeiro declarou
a prescrição.
Dirceu
conta que Vítor vive normalmente em Passos:
— Ele
tinha bons advogados em Brasília — resume.
O Globo
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