Amanhã pode ser armada uma tempestade perfeita no Supremo Tribunal
Federal, quando estarão em julgamento dois temas delicados para o futuro
institucional do país. É provável que não haja tempo para tratar dos
dois assuntos na mesma sessão, ou outra circunstância impossibilite o
julgamento de um deles, mas é sempre bom ficar alerta.
Trato da votação do fim do foro privilegiado da maneira como o
conhecemos hoje, que já tem oito votos favoráveis e foi liberada para a
pauta depois de um pedido de vista do ministro Dias Toffoli que durou
cinco meses, e da nova Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC)
apresentada pelo PCdoB com o intuito de abrir a porta da cadeia para o
ex-presidente Lula. Outra ação, aquela que o Partido Nacional Ecológico
(PEN) tentou retirar, também está pronta para ser votada. [duvidar da afirmação de um ser humano (ainda que seja um SUPREMO MINISTRO) sempre é bom e prudente;
Mas, em certos momentos fica dificil duvidar.
O ministro Marco Aurélio enviou formalmente à ministra Cármen Lúcia as duas ADC - PEN e PCdoB e declarou que não vai levar 'em mesa' nenhuma ação nesse sentido (objetivo de discutir decisão tomada pelo Plenário do STF há menos de dois anos), justificando sua decisão que geraria muito desgaste para o Tribunal.
Se um ministro do Supremo divulga decisão desse tipo e não age de acordo com o divulgado será o fim da picada - até o tão falado 'estado democrático de direito' estará destruído, desmoralizado.
Temos que acreditar em Marco Aurélio e considerar que a tempestade perfeita não ocorrerá, já que o fim do foro privilegiado pode até não ser votado, mas, não é suficiente para causar tal tempestade.]
Embora o ministro Marco Aurélio já tenha anunciado que levará a ação à
mesa para votação do plenário, não é mais certo que o fará, pois essa
iniciativa do PCdoB ficou muito marcada como uma manobra para favorecer
Lula, desde a propositura de um partido político satélite do PT quanto
pelo patrono da ação, o advogado Celso Antônio Bandeira de Mello,
empenhado há muito tempo em denunciar o que chama de arbitrariedades do
juiz Sergio Moro e dos procuradores de Curitiba.
Caso o tema vá a votação no plenário amanhã, não é certo que se
confirme a nova maioria que é apontada na ação como sua justificativa.
Isso porque, mesmo que o ministro Gilmar Mendes mude seu voto de 2016,
como vem apregoando, de a favor da prisão em segunda instância para
apoiar o início do cumprimento da pena só após condenação no Superior
Tribunal de Justiça (STJ), não é certo que outros ministros apoiem a
nova ação, seja porque ela ficou muito caracterizada como um caso
específico a favor de Lula, quanto pela necessidade de manter a
jurisprudência atual por mais tempo, dando segurança jurídica às
decisões do STF, como defende a ministra Rosa Weber.
Já a questão do fim do foro privilegiado nos termos em que ele hoje
está colocado, a maioria já está formada em favor da visão de que ele só
se aplica a casos acontecidos durante o mandato, e por causa dele. Essa
nova versão do foro, proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso, já
tem oito votos favoráveis, e caso nenhum ministro mude de opinião, deve
ser aprovada. Como se sabe, um ministro pode mudar de opinião até a
proclamação do resultado, que só acontece ao final da votação.
Há, porém, uma questão de conflito de poderes que pode provocar mais
uma vez a paralisação da discussão. O Congresso também está estudando um
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) sobre o tema, que é muito mais
abrangente que a do Supremo. Pela proposta que estava tramitando, o foro
privilegiado acabaria para todos que o detém hoje, cerca de 50 mil
servidores públicos, inclusive os próprios ministros do STF. Somente os
chefes de Poderes teriam direito a ele. A discussão no Congresso foi paralisada pela intervenção na segurança
pública do Rio, pois nesse período é proibido mudar a Constituição.
Como em tese a intervenção terminará em dezembro, só depois disso será
possível retomar a discussão.
É provável que outro ministro peça vista do processo, justamente para
dar tempo ao Congresso de legislar sobre o tema. A aprovação do fim do
foro privilegiado é um avanço institucional, mas se combinada com uma
eventual decisão de colocar um fim na permissão para o início do
cumprimento da pena após condenação em segunda instância, se tornará um
retrocesso. Nessa combinação, a maioria dos políticos que está sendo processada
no STF veria seus casos retornando à primeira instância, e a partir daí
teriam todos os recursos à disposição, até chegar novamente ao STF, de
onde vieram, num círculo vicioso prejudicial à democracia. Como a experiência já nos demonstrou, os processos levariam anos para
terminar, e quase ninguém iria para a cadeia, se não pela reforma da
sentença em uma das várias instâncias da Justiça, no mínimo pela
prescrição das penas.
Merval Pereira - O Globo
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