Foi por mergulhar com tanta vontade neste “perigoso terreno da galhofa”, como diria Stanislaw, que o Judiciário brasileiro passou a merecer um festival próprio
“Genésio, quando houve aquela marcha de senhoras ricas com Deus pela família
e etc., ficou a favor, principalmente, do etc. Mesmo tendo recebido algumas
benesses do governo que entrava pelo cano, Genésio aderiu à ‘redentora’ mais por
vocação do que por convicção. Porém, com tanto cocoroca aderindo, Genésio
percebeu que estavam querendo salvar o Brasil depressa demais. Mesmo assim foi
na onda.” Membro do “time dos descontentes de souza”, Genésio “só abria a boca
para dizer que é um absurdo, onde é que vamos parar, o Brasil está à beira do
abismo etc.”.
Genésio é personagem de crônica do livro Febeapá — Festival de Besteira que
Assola o País, escrito por Stanislaw Ponte Preta na década de 60. O Febeapá
iluminou o ridículo do regime autoritário nos anos anteriores ao AI-5/68 e
enriqueceu o vocabulário do humor político brasileiro. A “redentora” era a
ditadura, que vinha para redimir a pátria; os “cocorocas” eram aqueles com
pendor moralista e autoritário, prontos para policiar a minissaia e contribuir
com a política do dedurismo contra os subversivos. Numa clássica “cocorocada”,
policiais do Dops tentaram prender Sófocles, autor da peça Electra, sem sucesso.
Ele não foi encontrado no teatro. Prenderam professora que falava inglês em
público, nítido ranço comunista. E havia o coronel que gostava de “fazer
democracia com as próprias mãos” e mandava toda uma Câmara de Vereadores para a
prisão se não votasse conforme o “bilhetinho”.
Em 1968, Stanislaw encerrava o Febeapá: “O relato é interrompido aqui, mas o
Festival persiste”. O festival persistiu, mas faltou Stanislaw para nos contar.
Não pôde ver, 50 anos mais tarde, a emergência de uma nova “redentora”,
capitaneada por Eduardo Cunha e Michel Temer, dois valentes cocorocas. O
primeiro pediu a Deus que tivesse misericórdia desta nação e foi viver em
Curitiba; o segundo, conhecido como homem pronominal, garantiu que, se houvesse
problema no governo, “consertá-lo-ia”. Michel não fez justiça à nova redentora
e, depois do célebre apelo — “tem que manter isso aí, viu?” —, recolheu-se a
seus aposentos e estuda ofertas sobre seu futuro.
A marca distintiva deste tempo é a ascensão de uma nova classe de cocorocas —
os “cocorocas da Justiça”. Já apareciam no Febeapá, mas não com a mesma
dignidade. A história se repete, a primeira vez como besteira, a segunda vez
como barbaridade. Lanço aqui, em homenagem a Stanislaw, o “Febejapá — Festival
de Barbaridades Judiciais que Assolam o País”.
Foi por mergulhar com tanta vontade neste “perigoso terreno da galhofa”, como
diria Stanislaw, que o Judiciário brasileiro passou a merecer um festival
próprio.
Nossos juízes se esforçam para que o Febejapá supere o Febeapá.
Na semana passada, em virtude de sua contribuição à paz e lisura das
eleições, três candidatos disputaram o diploma do Febejapá. A primeira indicação
vai para a dupla institucional de TSE e STF. O Tribunal Superior Eleitoral
implantou uma apressada política de recadastramento biométrico dos eleitores. Os
prazos e exigências burocráticas eram discrepantes pelo país, e a sanção para o
não recadastrado foi o cancelamento abrupto do título. A vanguarda tecnológica
subiu à cabeça da Corte, e mais de 3 milhões de eleitores caíram. O eleitor do
Leblon, não recadastrado, poderá votar; o do sertão do Ceará, não. O que fez o
STF? Deu as mãos ao TSE e assegurou que, se houver alguma injustiça no resultado
das eleições, não terá sido por querer.
O segundo indicado é o ministro Luiz Fux. Preocupado com o “ambiente
informacional das eleições”, quis proteger o eleitor inocente e proibiu
entrevista de Lula da prisão. Mas não o fez de maneira simples: acatou pedido do
Partido Novo, que não tinha autorização legal, e, sem ter competência, cassou
liminar de seu colega ministro. Em síntese: pediu quem não podia; decidiu quem
não tinha juízo.
Finalmente, o juiz Eduardo Cubas, sobrenome apropriado a um cocoroca
contemporâneo, armou plano mirabolante: lá de Formosa, em Goiás, planejou dar
uma liminar na madrugada de sábado para domingo com a modesta ordem para o
Exército melar as eleições em todo o país. Cubas, o mais aloprado membro do time
dos detetives da urna eletrônica, quis chutar o tabuleiro. Sua caneta judicial
tem mania de grandeza.
Um brinde às eleições, outro aos 30 anos da Constituição de 1988. Está
inaugurado o Febejapá.
P.S.: Quanto aos episódios eletrizantes do Febejapá desta última semana, só
na próxima coluna.
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