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sábado, 6 de outubro de 2018

Febejapá: festival de barbaridades judiciais

Foi por mergulhar com tanta vontade neste “perigoso terreno da galhofa”, como diria Stanislaw, que o Judiciário brasileiro passou a merecer um festival próprio

“Genésio, quando houve aquela marcha de senhoras ricas com Deus pela família e etc., ficou a favor, principalmente, do etc. Mesmo tendo recebido algumas benesses do governo que entrava pelo cano, Genésio aderiu à ‘redentora’ mais por vocação do que por convicção. Porém, com tanto cocoroca aderindo, Genésio percebeu que estavam querendo salvar o Brasil depressa demais. Mesmo assim foi na onda.” Membro do “time dos descontentes de souza”, Genésio “só abria a boca para dizer que é um absurdo, onde é que vamos parar, o Brasil está à beira do abismo etc.”. 

Genésio é personagem de crônica do livro Febeapá Festival de Besteira que Assola o País, escrito por Stanislaw Ponte Preta na década de 60. O Febeapá iluminou o ridículo do regime autoritário nos anos anteriores ao AI-5/68 e enriqueceu o vocabulário do humor político brasileiro. A “redentora” era a ditadura, que vinha para redimir a pátria; os “cocorocas” eram aqueles com pendor moralista e autoritário, prontos para policiar a minissaia e contribuir com a política do dedurismo contra os subversivos. Numa clássica “cocorocada”, policiais do Dops tentaram prender Sófocles, autor da peça Electra, sem sucesso. Ele não foi encontrado no teatro. Prenderam professora que falava inglês em público, nítido ranço comunista. E havia o coronel que gostava de “fazer democracia com as próprias mãos” e mandava toda uma Câmara de Vereadores para a prisão se não votasse conforme o “bilhetinho”.

Em 1968, Stanislaw encerrava o Febeapá: “O relato é interrompido aqui, mas o Festival persiste”. O festival persistiu, mas faltou Stanislaw para nos contar. Não pôde ver, 50 anos mais tarde, a emergência de uma nova “redentora”, capitaneada por Eduardo Cunha e Michel Temer, dois valentes cocorocas. O primeiro pediu a Deus que tivesse misericórdia desta nação e foi viver em Curitiba; o segundo, conhecido como homem pronominal, garantiu que, se houvesse problema no governo, “consertá-lo-ia”. Michel não fez justiça à nova redentora e, depois do célebre apelo — “tem que manter isso aí, viu?” —, recolheu-se a seus aposentos e estuda ofertas sobre seu futuro.

A marca distintiva deste tempo é a ascensão de uma nova classe de cocorocas — os “cocorocas da Justiça”. Já apareciam no Febeapá, mas não com a mesma dignidade. A história se repete, a primeira vez como besteira, a segunda vez como barbaridade. Lanço aqui, em homenagem a Stanislaw, o “Febejapá — Festival de Barbaridades Judiciais que Assolam o País”.
Foi por mergulhar com tanta vontade neste “perigoso terreno da galhofa”, como diria Stanislaw, que o Judiciário brasileiro passou a merecer um festival próprio.

Nossos juízes se esforçam para que o Febejapá supere o Febeapá.
Na semana passada, em virtude de sua contribuição à paz e lisura das eleições, três candidatos disputaram o diploma do Febejapá. A primeira indicação vai para a dupla institucional de TSE e STF. O Tribunal Superior Eleitoral implantou uma apressada política de recadastramento biométrico dos eleitores. Os prazos e exigências burocráticas eram discrepantes pelo país, e a sanção para o não recadastrado foi o cancelamento abrupto do título. A vanguarda tecnológica subiu à cabeça da Corte, e mais de 3 milhões de eleitores caíram. O eleitor do Leblon, não recadastrado, poderá votar; o do sertão do Ceará, não. O que fez o STF? Deu as mãos ao TSE e assegurou que, se houver alguma injustiça no resultado das eleições, não terá sido por querer.

O segundo indicado é o ministro Luiz Fux. Preocupado com o “ambiente informacional das eleições”, quis proteger o eleitor inocente e proibiu entrevista de Lula da prisão. Mas não o fez de maneira simples: acatou pedido do Partido Novo, que não tinha autorização legal, e, sem ter competência, cassou liminar de seu colega ministro. Em síntese: pediu quem não podia; decidiu quem não tinha juízo.

Finalmente, o juiz Eduardo Cubas, sobrenome apropriado a um cocoroca contemporâneo, armou plano mirabolante: lá de Formosa, em Goiás, planejou dar uma liminar na madrugada de sábado para domingo com a modesta ordem para o Exército melar as eleições em todo o país. Cubas, o mais aloprado membro do time dos detetives da urna eletrônica, quis chutar o tabuleiro. Sua caneta judicial tem mania de grandeza.
Um brinde às eleições, outro aos 30 anos da Constituição de 1988. Está inaugurado o Febejapá.

P.S.: Quanto aos episódios eletrizantes do Febejapá desta última semana, só na próxima coluna.


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