A eleição está fanatizada. Tal qual uma peleja futebolística com suas
torcidas raivosas, capazes até de partir às vias de fato. A disputa nas
urnas virou guerra fratricida e fascista. Não é mais o mero exercício da
democracia. Longe disso! Partiu-se ao pugilismo raso, à política da
pior espécie. O bate-boca, a troca de denúncias, facadas e balas
marcaram a corrida presidencial. Assuntos e projetos cruciais cederam
lugar ao lero-lero das imprecações sem fundamento. A negação dos fatos, a
desvirtuação deles e mesmo o ataque virulento a sua veiculação, seja
por qual meio for, passaram a prevalecer entre candidatos extremistas e o
seu séquito de eleitores/adoradores que tomam as ruas a protestar e a
denunciar falsos complôs de adversários.
A mentira entrou na ordem do
dia, de maneira descarada e perigosa. Foi assim nos idos do nazismo,
quando o então ministro da propaganda alemã, Joseph Goebbels, pregava
que uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Muitos hoje atendem
ao chamado, acreditam no que querem. Não no que é real. Como hordas de
alienados prontos a serem aliciados. Uma foto publicada na grande
imprensa é tachada de manipulação. Fake news. Os índices das pesquisas
são desacreditados. Filmes, mensagens e imagens distorcidas ou
espertamente sacadas de situações que não correspondem à realidade são
incorporados ao arsenal de comunicação para turbinar esse ou aquele
postulante. Ninguém aguenta mais a martelação infernal de memes, ataques
sem qualquer cabimento e inverdades lançadas nas redes digitais para
angariar votos e apoio – seja da maneira que for. O que vale é o irreal,
o adequado à circunstância ou à ideia que se deseja transmitir.
Tomam-se registros de velhas situações para lançá-los com outra roupagem
e “comprovar” eventos que na verdade não existiram da maneira
propagada. [exemplo irrefutável: o uso pela turma do #EleNão de uma foto mostrando concentração do Carnaval 2017, no Largo do Batata na capital paulista, como sendo foto de uma manifestação do #EleNão contra Bolsonaro.] Faça o teste: ouse, atualmente, falar mal de um candidato
admirado por seu interlocutor ou discordar do que ele diz. Logo receberá
uma resposta atravessada, ou coisa pior. O patrulhamento ideológico
tomou corpo e dimensão extraordinários. Se um grupo de mulheres reúne-se
para criticar esse ou aquele presidenciável é tachado de adjetivos
impublicáveis. Algo abominável, ridículo e totalitário. Nos últimos
dias, na reta final da eleição, foram tantas as barbaridades que a onda
chega a assombrar até os mais curtidos contendores. Ressurgido das
cinzas da cadeia, José Dirceu, o petista empedernido, cupincha e capanga
de Lula, disse que o PT tomaria o poder de qualquer jeito. O que seria,
nas palavras dele, algo “muito diferente de ganhar uma eleição”.
Questão de tempo, profetizou. No delírio insano das pragas, o esfaqueado
Bolsonaro alardeou ser golpe ele não vencer a eleição contra o poste do
lulopetismo, Fernando Haddad. Assim o embate entre o justiceiro e o
pau-mandado promete novos desdobramentos, para além das urnas.
Ao
rejeitar as regras do jogo, ao negar a legitimidade dos adversários, ao
incitar a violência por meio das armas e ao defender medidas que
restringem direitos civis, como o controle da mídia, esses senhores
flertam com o estrangulamento da democracia. Os líderes querem contestar
o resultado nos tribunais. Enquanto isso, a Justiça também faz das
suas. Na verdade, ela vem derrapando na politicagem não é de hoje,
alimentando um verdadeiro pandemônio institucional sem precedentes. O
que se assistiu nos últimos dias nesse sentido foi de cair o queixo. O
amigo pessoal do petista Lula, nomeado justamente por ele para o
Supremo, Ricardo Lewandowski, decidiu numa canetada autorizar uma
entrevista do ex-presidente às vésperas da eleição, obviamente ciente do
peso que suas palavras poderiam ter para influenciar o voto desse ou
daquele indeciso.
A decisão, se vingasse, seria de um casuísmo
escrachado. O colega de STF, Luiz Fux, percebendo o absurdo da decisão e
aproveitando um questionamento partidário, indeferiu a autorização e
suspendeu o pedido. Lewandowski voltou à carga. Tornou a autorizar para,
logo depois, ser desautorizado, dessa vez pelo presidente da Casa, Dias
Toffoli. A interferência da Justiça no jogo eleitoral é, talvez, a face
mais nefasta de um processo acelerado de deterioração das instituições.
O País conflagrado, nas mãos de líderes também beligerantes, segue à
deriva. Na esperança de logo encontrar um porto seguro, sem a hegemonia
dos fanáticos.
Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três
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