11° mandamento: Não te omitirás
Sabe que se vos há de pedir estreita conta do que fizestes, mas muito mais estreita do que deixastes de fazer
"Os menos maus perdem-se pelo que fazem, que estes são os menos maus; os piores perdem-se pelo que deixam de fazer", diz o Padre Vieira em Sermão
Disse também: “Por culpa de uma omissão, o príncipe está cometendo maiores danos, maiores estragos, maiores destruições, que todos os malfeitores do mundo em muitos anos”.
A Universidade Estadual Paulista (UNESP), que tem cerca de 50.000 alunos e 3.000 professores, cujos campus estão espalhados por todo o Estado de São Paulo, tem usado textos de autores clássicos em seus vestibulares, entre os quais um excerto deste Sermão, utilizado no vestibular de 2016, sobre o qual fez três questões muito pertinentes e bem escritas, isto é, claras, concisas, objetivas e didáticas, destoantes de certos textos do Enem de 2018.
Na primeira, tomando por base o excerto transcrito, de mais ou menos 500 palavras ou 2.642 caracteres, os examinadores perguntaram qual foi o alvo principal da crítica feita por Vieira no conhecido Sermão. Sim, se o aluno cursar um bom ensino médio, ele deverá conhecer alguns sermões referenciais do Padre Vieira, e o Sermão da Primeira Dominga do Advento, pregado em Lisboa, na Capela Real, em 1650, é um deles.
Para orientar os vestibulandos a interpretar o texto tomado como referência, foi-lhes perguntado qual tinha sido o alvo principal da crítica de Vieira. Foram apresentadas cinco alternativas, sendo apenas uma delas a correta:
a) a falta de religiosidade dos governantes;
b) a falta de escrúpulos dos religiosos;
c) a preguiça da população;
d) a negligência dos governantes;
e) a luxúria dos religiosos.
Como se vê, é possível fazer com que o aluno leia, pense e responda corretamente, ainda que tenha lido apenas o trecho apresentado e desconheça o texto completo do célebre Sermão. Para isso, precisa conhecer o significado das palavras empregadas pelo padre, isto é, o aluno precisa ter um vocabulário razoável. Será que no ensino médio lhe ensinaram vocabulário, sinônimos? Será que lhe ensinaram a consultar dicionários?
Se ele, por sorte, tiver lido por conta própria alguns rudimentos de origem das palavras, tira de letra a resposta correta, pois negligência quis dizer originalmente não escolher, de acordo com os étimos nec e leg. Este segundo étimo está também em legere, ler, que é colher ou escolher as palavras para entender o texto.
O aluno que acertou a reposta terá lido o texto e respondido que a resposta correta é a “d”. Pois as quatro restantes não aparecem no texto.
Na pergunta seguinte, ele deve responder qual das cinco construções transcritas contém um aparente paradoxo:
a) “o mal é que perdem a si e perdem a todos”;
b) “os piores perdem-se pelo que deixam de fazer, que estes são os piores”;
c) “desçamos a exemplos mais públicos”;
d) “Oh que arriscado ofício é o dos príncipes e o dos ministros”;
e) “A omissão é um pecado que se faz não fazendo”.
Quem acertou a resposta, marcou “e”, pois esta é a única que contém um aparente paradoxo.
(...)
Alunos e professores não podem ignorar os programas, as ementas e as respectivas bibliografias. O livro, em formato impresso ou digital, continua a ser a referência solar do ensino. Sem que o aluno leia, nem sequer um excelente professor obterá êxito no processo do ensino e da aprendizagem mútuos.
• O texto completo deste Sermão ─ há outros com o mesmo nome, mas a Unesp utilizou a versão pregada em 1650 na Capela Real, em Lisboa ─ pode ser lido aqui.
(...)
E o excerto completo transcrito no Vestibular da Unesp é este:
“Sabei, cristãos, sabei, príncipe,
sabei, ministros, que se vos há de pedir estreita conta do que fizestes,
mas muito mais estreita do que deixastes de fazer. Pelo que fizeram, se
hão de condenar muitos; pelo que não fizeram, todos.
Desçamos a exemplos mais públicos.
Por uma omissão, perde-se uma maré, por uma maré, perde-se uma viagem,
por uma viagem, perde-se uma armada, por uma armada, perde-se um estado.
Dai conta a Deus de uma índia, dai conta a Deus de um Brasil, por uma
omissão. Por uma omissão, perde-se um aviso, por um aviso, perde-se uma
ocasião, por uma ocasião, perde-se um negócio, por um negócio, perde-se
um reino. Dai conta a Deus de tantas casas, dai conta a Deus de tantas
vidas, dai conta a Deus de tantas fazendas, dai conta a Deus de tantas
honras, por uma omissão. Oh! que arriscada salvação! Oh! que arriscado
ofício é o dos príncipes e o dos ministros! Está o príncipe, está o
ministro divertido, sem fazer má obra, sem dizer má palavra, sem ter mau
nem bom pensamento, e talvez naquela mesma hora, por culpa de uma
omissão, está cometendo maiores danos, maiores estragos, maiores
destruições, que todos os malfeitores do mundo em muitos anos. O
salteador na charneca com um tiro mata um homem; o príncipe e o ministro
com uma omissão matam de um golpe uma monarquia. A omissão é o pecado
que com mais facilidade se comete, e com mais dificuldade se conhece, e o
que facilmente se comete e dificultosamente se conhece, raramente se
emenda. A omissão é um pecado que se faz não fazendo (…)
Ler na íntegra: Deonísio da Silva
http://portal.estacio.br/instituto-da-palavra
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