[até os petistas sabem que ministro de Estado ocupa um cargo em que pode ser demitido 'ad nutum';
assim, pode haver da parte do presidente da República uma tolerância com o, digamos 'exagero' na independência de um determinado ministro, mas, no momento em que a coisa chegar a um impasse, o ministro ou pede para sair ou é demitido - nem nas melhores democracias do mundo, um presidente pode ser demitido por um ministro ou renunciar para que um ministro permaneça;
Por óbvio, Moro sabe disso e quando aceitou o cargo demonstrou de forma tácita sua concordância com os limites dos seus poderes e de sua autonomia;]
Uma semana depois de informar a Sergio Moro que ele teria ampla
liberdade para comandar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública,
Jair Bolsonaro fez um borrão na “carta branca” que entregara ao ex-juiz
da Lava Jato. Esclareceu que, nos temas em que divergirem, os dois terão
de chegar a um “meio-termo”. Moro arrisca-se a sair desse tipo de
negociação apenas com o hífen. Será difícil encontrar posições
intermediárias entre certas opiniões extremas de Bolsonaro e o bom
senso.
Moro deve conceder nesta terça-feira uma entrevista coletiva. Não
pode sair da conversa com os repórteres sem esclarecer o que pensa sobre
as seguintes prioridades de Bolsonaro: liberação do porte de armas,
redução da maioridade penal, imunidade para policial que matar em
serviço (“excludente de ilicitude”), tipificação de atos de sem-terra e
sem-teto como crime de terrorismo e proibição de demarcação de novas
terras indígenas.
Em entrevista ao apresentador José Luiz Datena,
da Band, Bolsonaro admitiu que não tratou de todos os temas na conversa
que teve com Moro na semana passada. Ficou entendido que, em matéria de
combate à corrupção e ao crime organizado, a “carta branca” que deu a
superministro vale “100%”. Entretanto, “naquilo que nós somos
antagônicos, vamos buscar o meio-termo.” Bolsonaro exemplificou: “Sou
favorável à posse de arma. Se a ideia dele for o contrário, tem que
chegar a um meio-termo.”
Numa palestra para empresários, em
Curitiba, Sergio Moro deixou a impressão de estar vivendo uma crise de
identidade. Como juiz, era acusado de agir politicamente. Como futuro
ocupante de um cargo político, ele se autodefine como “técnico”. Moro
declarou: “Não me vejo (…) ainda como um político verdadeiro.” Sustentou
que ocupará um cargo “predominantemente técnico.”
Num rápido
flerte com o óbvio, Moro admitiu que seu novo cargo “envolve também
certa política”, pois terá de “conversar com as pessoas, buscar
convencer os parlamentares a aprovarem aquelas medidas legislativas que
se mostrarem oportunas.” Nada poderia ser mais político do que um
ex-juiz que se prepara para dialogar com parlamentares que merecem
interrogatório. Neopolítico, Moro procura não parecer o que é diante de
futuros interlocutores que podem não ser o que parecem ou, ainda pior,
ser e parecer.
De qualquer maneira, a crise existencial de Moro
terá certa utilidade. Se é como técnico que o ex-juiz deseja ser visto,
os repórteres devem cobrar dele que se posicione tecnicamente sobre os
planos de Bolsonaro. Em privado, Moro torce o nariz para teses como a de
que policiais devem dispor de licença para matar. Como político, ele
tenderia a contemporizar diante dos refletores. Como político, Moro
procuraria os meios-termos. Como “técnico”, tem o dever de se expressar
com termos inteiros.
Na conversa com Datena, Bolsonaro voltou a
defender o amontoamento de bandidos em presídios que já estão
superlotados. “Se não tiver recurso, lamento, você vai ter que amontoar
esse cara lá.” Deu de ombros para a decisão do Supremo que reconheceu o
direito de presos maltratados de ser indenizados pelo Estado. Como
''técnico'', Moro sabe que não há no Brasil pena de morte nem prisão
perpétua. Logo, preso “amontoado” é mão-de-obra para facções criminosas,
não candidato à ressocialização prevista na Lei de Execuções Penais.
Bolsonaro também aderiu à ideia do novo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witsel (PSC), de empregar atiradores de elite (snippers)
para executar bandidos armados de fuzis nas favelas cariocas. “Se você
está em um confronto, em vez de dar, por exemplo, milhares de tiros para
uma região, é melhor o snipper. (…) É como se fosse um
atirador que fosse competir em uma Olimpíada. Você tem que ter isso daí,
porque o outro cara que está do outro lado, afrontando, com um fuzil na
mão, está atirando à vontade para o lado de cá. Você tem que botar um
ponto final nisso daí.” [a ideia do Witzel é passível de críticas - identificar bandidos passíveis de abate por portarem um fuzil, pode motivar que os passem a identificar como passíveis de abate todos os policiais unirformizados;
quando a durante um confronto atiradores de elite se posicionarem em locais estratégicos para abater bandidos é perfeitamente viável.
abater bandidos que portem fuzil é uma ideia aproveitável em situações excepcionais.]
Como político, Moro ecoaria o discurso
repressivo do novo chefe. A conversa fácil do ''ponto final nisso daí''
tem um extraordinário apelo popular. Como ''técnico'', o futuro ministro
não ignora que o lero-lero de Bolsonaro é perigosamente demagógico.
Ainda que existissem no Brasil atiradores de elite em quantidade
suficiente para enfrentar a bandidagem, faltaria uma previsão legal para
a matança.
Na palestra de Curitiba, Moro revalidou a “promessa”
de não levar sua foto à urna. “Não pretendo jamais disputar qualquer
espécie de cargo eletivo.” Será? A disposição da plateia de levar o
ex-juiz a sério crescerá na proporção direta da sua capacidade de reagir
como ''técnico'' ao borrão que Bolsonaro começa a imprimir na “carta
branca” que prometera lhe entregar.
Blog do Josias de Souza
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