Estudo feito em 35 países revela como a população enxerga a carreira. Apenas 9% dos brasileiros acreditam que os alunos respeitam os docentes e só 1 em cada 5 pais aconselharia profissão aos filhos. Defasagem salarial é outro problema apontado
Percepção de falta de respeito dos alunos, salários insuficientes e uma
carreira pouco segura para os jovens. É assim que a maioria da população
brasileira enxerga a profissão docente e coloca o País como o que dá
menos prestígio aos professores.
Esse cenário foi revelado pelo Índice Global de Status de Professores
de 2018, divulgado na noite desta quarta-feira, 7, pela Varkey
Foundation, organização voltada para a educação. O levantamento avalia
como a população de 35 países enxerga a profissão.
Enquanto há uma tendência global de crescimento no prestígio dado aos
professores, o Brasil regrediu nos últimos cinco anos. Em 2013, quando o
estudo foi feita pela primeira vez e avaliou 21 nações, o País aparecia
na penúltima colocação. Na edição deste ano, com a piora na percepção
sobre o respeito dos alunos e com menos pais dispostos a incentivar seus
filhos a seguir a profissão, o índice nacional piorou e colocou o País
como lanterna do ranking.
O estudo também indica que o brasileiro subestima a jornada de trabalho da profissão. A sociedade estima uma carga horária semanal média de 39 horas, ante o relato dos professores de uma média de 48 horas. Segundo a pesquisa, essa percepção é forte nos países latino-americanos e se diferencia de países como Finlândia, Canadá e Japão, onde os docentes trabalham menos horas do que a percepção de suas comunidades.
A mesma tendência é observada em relação aos salários. Enquanto brasileiros consideram que um salário justo para os professores seria de U$ 25 mil (cerca de R$ 93 mil) ao ano, a remuneração real média relatada pelos profissionais é de U$ 15 mil (cerca de R$ 56 mil). Professor de Geografia, Heleno de Oliveira, de 52 anos, diz ter sentido a desvalorização da profissão nos 35 anos em que atua em sala de aula. “Cada vez são mais comuns os relatos de colegas que foram agredidos ou xingados por alunos, que precisam ter mais de um emprego para se sustentar ou que adoecem por causa da pressão”, diz o docente, que dá aula em escolas da rede pública de São Paulo.
Ele diz ter descoberto a vocação aos 17 anos, como estagiário. Ver os alunos aprendendo e interessados p é o que motiva Oliveira a continuar em sala. “Já pensei algumas vezes em desistir porque saio às 22 horas da escola, preparo minhas aulas até as 2 horas da manhã. E o salário é muito pequeno diante de tanto esforço. O que me segura é a relação com alguns alunos, perceber que posso fazer a diferença na vida de alguns”, diz.
Luiz Antonio, professor de Língua Portuguesa em duas escolas privadas do centro de São Paulo, diz que sente desrespeito maior dos pais do que dos jovens. “Tem uma interferência muito grande da família, que tira a nossa autonomia. Não gostam quando chamamos atenção do filho, questionam o conteúdo. Não entendem que estudamos e temos formação para ensinar não só a disciplina, mas como conviver dentro da escola”, diz ele, de 44 anos – 20 em sala de aula.
Para especialistas, a repercussão de projetos como o Escola sem Partido, que defende vetar a “doutrinação ideológica” em classe, pode agravar ainda mais tensão no ambiente escolar.
Desempenho
O estudo também identificou que a valorização docente está ligada ao desempenho dos alunos. Países com melhores notas no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), maior avaliação de estudantes do mundo. “Mais respeito aos professores significa que estudantes com melhor desempenho serão atraídos para a profissão, que melhores docentes irão permanecer na carreira. São fatores muito importantes para melhorar os resultados educacionais dos países”, explicou ao Estado Vikas Pota, presidente da Varkey Foundation.
Para ele, o poder público precisa investir em ações para apoiar os professores, tanto financeiramente como na melhora de condições de trabalho, para que os índices educacionais do país progridam. Na última edição do Pisa, em 2016, o Brasil apareceu entre os dez últimos do ranking. De 70 nações avaliadas, o País ficou na posição 63.ª em Ciências, 65.ª em Matemática e 59.ª em Leitura.
3 Perguntas para Silvia Colello, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP)
A baixa remuneração é um dos principais fatores para a desvalorização da carreira docente?Os baixos salários são, ao mesmo tempo, causa e consequência. As pessoas desvalorizam o professor porque ele ganha pouco e ele ganha pouco porque não é valorizado nas políticas públicas. Além disso, os políticos sempre falam genericamente sobre a valorização do docente. Nunca se desenvolve a ideia de que é preciso melhorar a questão salarial, a evolução da carreira, as condições de trabalho e o apoio que ele deve receber da equipe escolar e das famílias.
Os pais também desvalorizam o professor?
Na maioria dos casos, o professor não conta com o apoio da família porque muitas não querem se envolver com o que acontece na escola. Então, não querem saber do mal comportamento ou do baixo desempenho do filho. Preferem culpar o professor por essas situações. Propostas que estão sendo colocadas nesse momento, como o Escola Sem Partido (em tramitação no Congresso Nacional e defendido pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, do PSL), tendem a acirrar essa relação por colocar pais e professores em lados opostos, por incentivar que o docente seja vigiado, controlado, perca a autonomia sobre o quê e como ensinar.
O País está perdendo bons professores pela forma como os trata?
Sim. Os jovens com melhor desempenho vão para as profissões mais valorizadas, com melhores salários. Os cursos de Licenciatura e Pedagogia são vistos como o “que sobrou”, porque ninguém quer seguir a carreira. Cada vez menos temos fatores de recompensa. A médio e longo prazo, isso é um desastre para a educação do Brasil.
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