O petista aposta na confrontação aberta e radicalizada com Bolsonaro, de maneira a ofuscar ou subordinar qualquer outra força de oposição
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em carta dirigida à
direção do PT, questionou a legitimidade das eleições presidenciais de
2018. “Esta não foi uma eleição normal. O povo brasileiro foi proibido
de votar em quem desejava, de acordo com todas as pesquisas. Fui
condenado e preso, numa farsa judicial que escandalizou juristas do
mundo inteiro, para me afastar do processo eleitoral. O Tribunal
Superior Eleitoral rasgou a lei e desobedeceu a uma determinação da ONU,
reconhecida soberanamente em tratado internacional, para impedir minha
candidatura às vésperas da eleição.” Lula foi impedido de disputar as
eleições pela Lei da Ficha Limpa porque está condenado pela Operação
Lava-Jato em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão, por
ocultação de patrimônio e recebimento de propina, mas não aceita o
resultado das urnas.
Lula se recusa a qualquer autocrítica dos escândalos de corrupção
envolvendo o PT e os erros políticos que cometeu. Também não abre mão de
liderar o partido de dentro da prisão: “O PT nasceu na oposição, para
defender a democracia e os direitos do povo, em tempos ainda mais
difíceis que os de hoje. É isso que temos de voltar a fazer agora, com o
respaldo dos nossos 47 milhões de votos, com a responsabilidade de
sermos o maior partido político do país.” O ex-presidente atribui a
vitória de Jair Bolsonaro esse resultado ao fato de não ter sido
candidato e à “indústria de mentiras no submundo da internet, orientada
por agentes dos Estados Unidos e financiada por um caixa dois de
dimensões desconhecidas, mas certamente gigantescas”. Ou seja, tudo foi
obra do imperialismo ianque.
Embora esteja preso por decisão em segunda instância, do Tribunal
Regional Federal da 4ª. Região, com sede em Porto Alegre, Lula ataca a
Justiça Eleitoral e atribui sua condenação à perseguição política do
ex-juiz federal Sérgio Moro, que o condenou em primeira instância: “Se
alguém tinha dúvidas sobre o engajamento político de Sergio Moro contra
mim e contra nosso partido, ele as dissipou ao aceitar ser ministro da
Justiça de um governo que ajudou a eleger com sua atuação parcial. Moro
não se transformou no político que dizia não ser. Simplesmente saiu do
armário em que escondia sua verdadeira natureza.”
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A narrativa do golpe que embalou o PT e seus aliados desde o
impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff continua na ponta língua, ou
melhor, da pena. Segundo a carta do líder petista, o futuro governo tem
como objetivo “aprofundar os retrocessos implantados por Michel Temer a
partir do golpe que derrubou a companheira Dilma Rousseff em 2016”. E
arremata: “Eu não tenho dúvida de que a máquina do Ministério da Justiça
vai aprofundar a perseguição ao PT e aos movimentos sociais, valendo-se
dos métodos arbitrários e ilegais da Lava Jato. Até porque Jair
Bolsonaro tem um único propósito em mente, que é continuar atacando o
PT. Ele não desceu do palanque e não pretende descer.”
A carta de Lula foi lida na reunião do diretório nacional do PT
pelo ex-ministro Luís Dulci, um dos principais conselheiros do
ex-presidente da República antes, durante e depois de ter deixado o
poder. Dirigente histórico da legenda, Dulci faz parte do grupo mais
ligado ao ex-presidente, ao lado de Gilberto Carvalho e Paulo Okamoto. A
carta sinaliza a intenção de barrar qualquer tentativa de autocrítica
da legenda, considerando o resultado eleitoral do segundo turno, no qual
o ex-prefeito Fernando Haddad aumentou sua votação de 31 milhões para
47 milhões de votos, um endosso popular às práticas políticas do PT:
“Como diz a companheira Gleisi, não temos de pedir desculpas por sermos
grandes, se foi o eleitor que assim decidiu.”
O isolamento
A vitimização e o baluartismo de Lula, porém, na prática,
aumentaram o isolamento da legenda no Congresso. O desempenho nas
eleições para a Câmara não teve correspondência nas disputas
majoritárias para o Senado, onde a bancada petista foi reduzida de 11
para seis senadores. O PT elegeu 56 deputados, a maior bancada da
Câmara; quatro governadores e quatro senadores. O que alavancou a
legenda nas eleições proporcionais foi o bom desempenho de Haddad no
Nordeste, região na qual o PT governará quatro estados: Bahia, Ceará,
Piauí e Rio Grande do Norte. Nas demais regiões, a legenda é considerada
tóxica por antigos aliados, que buscam alternativas desvinculadas do
PT.
Lula não é um Nelson Mandela, o líder negro sul-africano que
derrotou o apartheid e depois se tornou um presidente da República
conciliador e incorruptível. O petista, porém, aspira essa condição,
inclusive no plano internacional. É uma estratégia para se livrar da
cadeia, pois em nada sua situação se compara à de Mandela, nem mesmo as
condições em que está preso. O petista aposta na confrontação aberta e
radicalizada com o presidente eleito Jair Bolsonaro, de maneira a
ofuscar ou subordinar qualquer outra força de oposição ao governo.
Essa estratégia se retroalimenta, porque também reforça o
antipetismo. Os escândalos de corrupção envolvendo o PT desmoralizaram
toda a esquerda. Agora, tendem a desmoralizar todos adversários
derrotados nas urnas por Bolsonaro, principalmente o PSDB. Ou seja, o
discurso de Lula é tudo o que Bolsonaro precisa para neutralizar a
oposição junto à opinião pública e articular uma base no Congresso que
pode chegar a 350 deputados e mais de 50 senadores.
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